Assassinato de Valério Luiz completa dois anos

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CASO VALÉRIO LUIZ

Manifestação, 5 de julho de 2014, na Praça Cívica de Goiânia pedindo a punição pelo assassinato do Valério Luiz. (Foto, archivo personal de Valério Luiz Filho) Há dois anos, o cronista esportivo Valério Luiz de Oliveira, 49 anos, foi assassinado em frente à Rádio Jornal - 820 AM. Eram cerca de 14h do dia 5 de julho de 2012, e ele deixava a emissora em Goiânia, capital do Estado de Goiás, quando foi atingido por seis tiros. O advogado Valério Luiz de Oliveira Filho, 26 anos, criou o Instituto Valério Luiz para acompanhar e divulgar o andamento das investigações sobre o caso e exigir Justiça. Para marcar os dois anos do assassinato de Oliveira, o filho do radialista escreveu o texto "Carta ao Pai", e , no dia 5 de julho de 2014 foi realizada uma manifestação na Praça Cívica de Goiânia pedindo a punição dos responsáveis pelo assassinato do cronista esportivo e por outros crimes que continuam sem solução em Goiás. O inquérito da Polícia Civil apontou o empresário Maurício Borges Sampaio, ex-vicepresidente da equipe de futebol Atlético Clube Goianense e titular de um cartório de registros na cidade, como autor intelectual do assassinato do cronista esportivo. Sampaio estava sendo denunciado por Luiz em seu programa. Foram acusados também de participação o motorista Urbano de Carvalho Malta, o açougueiro Marcus Vinícius Pereira Xavier, os policiais militares Ademá Figueredo, que seria o executor, e Djalma da Silva. Todos aguardam em liberdade a decisão do juiz, que deve definir se irão a júri popular. Xavier está foragido. Confira também entrevista de Valério Luiz Filho para a DMTV Goiânia em, https://www.youtube.com/watch?v=Cj61cEjae24 CARTA AO PAI Texto de Valério Luiz de Oliveira Filho "O mundo não era digno deles", diz Hebreus 11, 38 sobre diversos servos fiéis de Deus. Era um dos textos preferidos do meu pai, morto há exatos dois anos por analfabetos de espírito que não conseguiriam soletrar "dignidade".  Nesta vida é necessário mentir, fingir que não se sabe, ser conivente com o mais forte. Lá em casa, porém, vigorava o ensinamento bíblico "deixe que seu 'sim' signifique 'sim' e que seu 'não' signifique 'não'". Quanta frustração quando, adulto, percebi ser impossível seguir uma máxima tão límpida...  Meu pai a seguia mesmo assim. As pessoas encaram a moralidade como uma simples obediência a normas externas que, na maioria das vezes, sequer pararam pra pensar a respeito: constituem família, pagam impostos e só por isso se julgam morais.  Mas não meu velho. Nele eu enxergava o único traço que considero verdadeiramente moral: o incontornável compromisso consigo mesmo e com o que se acredita, o sentimento do trabalho como uma espécie de chamado secreto, mais importante que qualquer relação pessoal.  Ao passo que somos vigiados pra nos comportarmos dessa ou daquela forma, apenas aos nossos próprios olhos, particularmente, são visíveis os princípios íntimos, por isso é cômodo passar por cima destes pra agradarmos gregos e troianos.  Por sorte existem homens que, quando pressionados a abandonar uma convicção, sentem vir de dentro uma voz gritando "não" e  precisam obedecê-la, por mais que signifique ruína. Isso se chama nobreza. Ser nobre é viver segundo a consciência de que é preferível estar morto a não poder ser o que se é.  E você era irrepreensível, pai. Lembro com muito orgulho das dificuldades que passamos, como quando eu o via sair todos os dias de bicicleta do Jardim América pra trabalhar no Parque das Laranjeiras, quando o salário atrasava três meses e sobrevivíamos de comprar fiado na venda do senhor Isaías, ou quando a casa estava em reforma e dormíamos na cozinha.  Nossas principais discussões nunca foram sobre notas no colégio, chegar tarde em casa, mas sobre ressurreição e uma segunda vida. Eu o magoava com minha incredulidade, jamais esquecerei de ouvi-lo explicar que não lhe restava outra opção além dessa fé, pois, se esta vida presente fosse tudo, melhor seria abandoná-la.  Consigo entender. E homens como você, firmes feito pedra inamovível, são os que fornecem esperança contra os caprichos e perversões dos poderosos. No entanto, a Terra não merece aqueles que lhe dão esperança.  Alguns funcionários da Rádio Jornal 820 AM disseram que o viram respirar por uns cinco minutos após os tiros. Já gastei várias noites imaginando o que se passou na sua cabeça durante aqueles instantes. Espero que não tenha se preocupado comigo e com minhas irmãs, porque somos fortes e ficaremos bem.  Espero que não tenha se lembrado das coisas que ainda gostaria de fazer ou pensado nos desgraçados que puxaram o gatilho: enlouquece-me cogitar que sua última sensação tenha sido uma agoniante mistura de raiva e impotência.  E, principalmente, espero que não tenha sentido medo. Qual o sentido de viver em fé e renúncia, como um bom cristão, pra ter confiança frente a morte, se esta chega pelas costas, sorrateira, sem dar chance a nada além do espanto e do pavor?  Não, não foi assim. Você imaginou o paraíso para o qual enfim seria mandado e de onde riria do meu ceticismo. Imaginou que um dia eu também chegaria lá, risonhamente sem graça, nos abraçaríamos e então entraria de novo no meu nariz seu cheiro de pai.  A selvageria deste mundo seria passado, um sonho estranho do qual acordamos, e finalmente passaria pela minha cabeça as palavras de Isaías 65, 17: "Eis que crio novos céus e uma nova terra; e não haverá recordação das coisas anteriores, nem subirão ao coração".  

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