30 Outubro 2012

Comentarista de Radio Capital FM y presentador de televisión en Red Record

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"Escaramuça", no dicionário de Língua Portuguesa, quer dizer briga, desordem. Em Campo Grande, capital do Estado do Mato Grosso do Sul, Escaramuça era sinônimo de Edgar Lopes de Faria. O radialista e apresentador de televisão que ficou conhecido por esse apelido devido ao seu programa na rádio Capital FM fez jus ao título. Em seus discursos radiofônicos, a voz se alterava para criticar e denunciar. "Essa voz não se cala", dizia a chamada no rádio. Mas foi calada à força. No dia 29 de outubro de 1997, aos 48 anos, Escaramuça foi morto com seis tiros, no centro da Capital. Dois anos depois, a polícia não prendeu nenhum assassino, não descobriu os mandantes e considera o caso de difícil solução. As testemunhas, com medo de represálias, recusam-se a falar sobre o assunto. O diretor-geral da Polícia Civil do Mato Grosso do Sul, Milton Watanabe, disse à SIP que o inquérito não está parado. "Está sem solução", afirmou. "Na época, houve tantos suspeitos, que isso acabou prejudicando a investigação, mas tão logo surja uma nova pista, vamos atrás." A principal dificuldade, diz Watanabe, é que o programa de Escaramuça era muito contundente. "Não temos como pedir o arquivamento do caso, é uma questão de honra da Polícia Civil resolvê-lo, e tudo o que aparecer será investigado", garantiu.
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Apesar da aparente boa vontade da polícia, Escaramuça continua sendo apenas uma lembrança polêmica na cidade. Uma presença constante que foi interrompida na manhã daquele dia 29. Como fazia sempre, Escaramuça havia saído de sua casa, no bairro São Francisco, em direção à Padaria Pão de Mel, localizada na Rua Amazonas esquina com a Rua Enoch Vieira de Almeida. Ali comprava os jornais do dia e tomava café. Falava com o proprietário do estabelecimento, Antônio Perciliano da Silva, e seguia para a Rádio Capital FM, a umas seis quadras adiante. À tarde, apresentava o programa Boca do Povo, de 40 minutos de duração, na televisão filiada à Rede Record. Escaramuça e Perciliano se conheciam havia cerca de três anos, e tinham se aproximado pelo interesse comum, que era a política. Naquele dia, o radialista estava atrasado para o programa que começava às 6h30min. Por isso, ao entrar na padaria, deixou o carro, um Ford Landau azul, com o motor ligado, pegou os jornais, tomou um café rapidamente e saiu em seguida. Ao contrário do que ocorria sempre, quando o padeiro o acompanhava até a porta, desta vez Escaramuça saiu sozinho em direção ao veículo que estava estacionado em frente ao prédio. Nesse momento, provavelmente alguém o chamou. Ao se virar, Escaramuça recebeu o primeiro tiro, que o atingiu próximo à axila. O assassino avançou em sua direção e disparou mais cinco vezes com uma arma calibre 12. Quase ao mesmo tempo, uma pessoa, que estava na esquina, atirou duas vezes com uma pistola 765. Uma das balas da pistola acertou o pneu do Ford Landau. A segunda pegou numa revista que estava exposta na banca dentro da padaria. Segundo a polícia apurou, os assassinos fugiram num Corsa branco, quatro portas, sem placa. As pessoas que estavam no local no momento do crime dizem que não tiveram tempo de ver ninguém. Na hora do tiroteio, tentaram se proteger. Uma das testemunhas, procurada pela SIP, falou que não daria declarações porque, se dissesse alguma coisa, cortariam o seu pescoço e o da repórter. A outra pediu: "Quero que me esqueçam. Na hora em que aconteceu a tragédia, eu me assustei e saí correndo, quem ficaria ali?". Encontrada pela SIP, a porteira de um dos prédios localizados em frente à padaria, que estava de plantão no dia 29 de outubro de 1997, observou que havia muitos carros estacionados na rua àquela hora da manhã, e ela não notara nenhum movimento diferente. Ao ouvir os tiros, abaixou-se atrás de um balcão na portaria e só levantou quando os ruídos cessaram e não havia mais ninguém por perto. Teve uma crise nervosa e precisou ser retirada do local. Desde 1994 Escaramuça andava armado, devido às ameaças de morte que recebia. No momento em que foi assassinado, porém, o revólver calibre 38 estava no piso próximo ao banco do motorista, dentro de seu carro. A espingarda calibre 44 foi encontrada embaixo do banco. No local, estavam também o telefone celular, notas de R$ 50 e os jornais recém comprados. A chave de ignição permanecia no contato. Amados e odiados na cidade, os programas de Escaramuça tinham com base denúncias envolvendo autoridades ou pessoas que cometessem crimes e atividades ilegais. Fazia ainda menção a fatos pitorescos, auxílio a necessitados, propaganda de emprego e encaminhamento de pessoas a órgãos públicos. As transmissões de rádio chegavam a praticamente todas as cidades do Estado. O programa de televisão abrangia a Capital e alguns municípios vizinhos. Por isso, não era de estranhar que, com sua morte, Escaramuça reunisse tanta gente em seu funeral. A família conta que o enterro reuniu mais de cinco mil pessoas, vindas de todos os cantos. Após o crime, um dos filhos, Marcos Antônio Lopes de Faria, que trabalhava como repórter no programa de rádio do pai, recebeu uma ameaça por telefone. Uma pessoa ligou de um orelhão de um posto de saúde para o celular de Marcos dizendo que havia matado Escaramuça e que o próximo seria ele. O autor da ligação nunca foi encontrado. Depois da morte de Escaramuça, Marcos passou a apresentar o programa de seu pai por um tempo. Hoje trabalha na FM Cidade como repórter e tem uma empresa de pesquisa e telemarketing. O diretor da Rádio Capital FM, Luiz Lands Reynoso de Faria, não quis falar com a SIP sobre Escaramuça. "Ainda estou traumatizado", alegou. Edeltraud Bretz de Faria, 52 anos, viúva de Escaramuça, evitava conversar com o marido sobre as ameaças recebidas por ele. "Não gostava nem de ouvir o programa", conta. Ela achava que o radialista se arriscava demais com seus comentários. Ele desdenhava e fazia caso do medo da mulher: "Quem ameaça não faz". Cerca de quatro meses antes de morrer, Escaramuça passou a contar com a proteção de um segurança que permanecia na porta da rádio durante o período do programa. O objetivo era impedir que alguém entrasse no estúdio enquanto estivesse no ar. Edeltraud recorda que uma vez uma pessoa ligou para o programa ameaçando jogar uma bomba na casa de Escaramuça. O radialista não titubeou: deu seu endereço pela rádio e desafiou quem quer que fosse a levar a cabo a ameaça. Naquele dia, duas motos rondaram a residência. Escaramuça pegou o revólver, apagou as luzes de casa e escondeu-se atrás de uma árvore. Provavelmente avistado pelos motoqueiros, ninguém chegou perto dele. Edeltraud lembra de duas ocasiões em que viu carros parados perto de sua casa, numa vigília suspeita. E relata um telefonema atendido por ela, com um ameaça de morte para Escaramuça. A ligação era da parte do marido de outra mulher de Escaramuça, com quem ele teve um filho, Tiago. Segundo Edeltraud, os pais do garoto não gostavam das tentativas do radialista de se aproximar do jovem, apesar de Escaramuça tê-lo reconhecido oficialmente como filho. Os amigos contam que, dois dias antes de morrer, Escaramuça estava num bar quando entrou uma pessoa e o radialista pediu para trocar de lugar porque não queria ser morto pelas costas. A empresária Rosângela Barbosa Borges, com quem mantinha um romance e que estava no local, diz que nunca conseguiu saber de quem se tratava. Inquérito seguiu por vários caminhos na busca dos assassinos O inquérito policial do caso Escaramuça não se limitou a averiguar apenas um suspeito. A polícia foi atrás de várias hipóteses, sem conseguir chegar a uma conclusão. Um dos investigados foi Francisco Augusto Tavela. Em novembro de 1997, o delegado de Cuiabá (Mato Grosso), Roberto Almeida Gil, estava empenhado em desbaratar uma quadrilha que levava carretas roubadas para a Bolívia e o Paraguai. Desconfiava que os veículos eram trocados por drogas. O delegado havia denunciado o envolvimento de policiais na quadrilha e decretado a prisão de alguns deles. No dia 5 daquele mês, quando Gil chegava a sua casa, três pessoas vieram em sua direção. O delegado foi atingido com 10 tiros, mas atirou nos três homens e conseguiu ferir dois deles. Um foi Tavela, que morreu. O segundo, Paulo Rubens Reichel, fugiu e foi encontrado morto no mesmo dia, num carro abandonado numa estrada de cascalho na BR 364, em Cuiabá, a 20 quilômetros da saída da cidade. "Foi executado e os suspeitos são policiais", diz Gil. No veículo, havia uma folha dupla do jornal Correio do Estado, de Mato Grosso do Sul, datado de 31 de outubro de 1997, com a notícia sobre a morte de Escaramuça. Tavela teria sido reconhecido, através de foto, por funcionários da padaria Pão de Mel como um cliente que havia estado no local cerca de 10 dias antes do assassinato do radialista. A morte de Tavela e de seus colegas eliminava qualquer possibilidade de esclarecimento sobre sua participação e os verdadeiros mandantes do crime. Mas o delegado Gil, hoje aposentado e trabalhando no Departamento de Trânsito do Mato Grosso do Sul, acredita que possa haver alguma relação entre os dois atentados (o seu e o de Escaramuça), porque ambos haviam denunciado, na época, a presença de militares no crime organizado. As investigações se voltaram também sobre quatro policiais presos em flagrante por extorsão, em junho de 1998, em Campo Grande. Os quatro teriam participado do seqüestro de um boliviano e de seu filho para "cobrar uma dívida". Durante o período em que esteve com eles, o boliviano disse ter ouvido comentários de que haviam matado um radialista em frente a uma padaria. O titular da Delegacia de Homicídios, Marco Túlio Sampaio Rosa, informa que as armas dos policiais foram examinadas e não coincidiram com a que atingiu Escaramuça. Marcos, filho de Escaramuça, às vezes recebe telefonemas ou informações de pessoas sugerindo ter pistas sobre os assassinos de seu pai. Tem ido atrás de todas elas, sem sucesso. Contexto de impunidade dificulta solução do caso A morte de Escaramuça faz parte de um contexto de violência e impunidade no Mato Grosso do Sul. O Estado, localizado no sul da região Centro-Oeste do Brasil, famoso pela natureza exuberante do Pantanal (considerada a mais extensa planície alagável do mundo e um dos principais ecossistemas do planeta), foi criado em 1979, depois da divisão do então Estado do Mato Grosso em dois - norte e sul. Para lá se deslocaram muitos migrantes vindos da região Sul e Sudeste. Campo Grande, capital do Estado onde vivia Escaramuça, tem cerca de 700 mil moradores e fez 100 anos em 1999. Apesar da aparência de Capital grande e moderna, a impressão que os visitantes têm é de que os moradores parecem viver numa realidade de cidade do interior, onde praticamente todo mundo sabe da vida dos outros. A economia do Mato Grosso do Sul é baseada na agropecuária e na indústria, mas os 600 quilômetros de fronteira seca e aberta com o Paraguai e a Bolívia favorecem que o crime organizado se espalhe pela região e torne o Estado um corredor de passagem para drogas, veículos roubados e armas. "É uma região em que acontece não só o tráfico de drogas, como existem laboratórios móveis de refino de cocaína", afirma Wálter Maierovitch, que dirigiu a Secretaria Nacional Antidrogas e atualmente preside o Instituto Brasileiro Giovanni Falcone, especializado no tema. Quando Escaramuça morreu, em outubro de 1997, havia indícios de ocorrência de mais de 100 crimes de pistolagem no Estado. Esse tipo de crime se tornou tão freqüente no Brasil que em 1992 chegou a ser instalada na Câmara Federal uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar os assassinatos por encomenda, especialmente nas regiões Centro-Oeste e Norte do país. Os trabalhos da CPI se estenderam até 1994. Em 2000, dois anos após a morte de Escaramuça, uma nova CPI, desta vez sobre o Narcotráfico, voltou a focalizar os pistoleiros e sua relação com o crime organizado. O Mato Grosso do Sul foi palco das investigações. Em uma pesquisa sobre os crimes de pistolagem no Brasil, o professor César Barreira, em 1998, traçou um perfil das mortes. Algumas características coincidem com as circunstâncias do assassinato de Escaramuça. Segundo Barreira, em geral, depois do crime acontecem ataques à vida pessoal e econômica da pessoa morta, para negar o caráter político do assassinato. Os pistoleiros têm uma recompensa financeira. É comum que toda uma cidade saiba quem é o autor intelectual do crime, mas contra ele nada se consegue provar, e geralmente os matadores reúnem-se em praças públicas, bares ou cafés para contatos ou formalização de negócios. Nos casos apontados pelo professor, o agenciador é freqüentemente um delegado, ex-delegado ou um policial. Sobre os pistoleiros, sabe-se que se movimentam, não ficam nos locais de origem, e mantêm o anonimato. Cometem crimes sucessivos e suas proezas como valentões passam ao domínio público. Os levantamentos feitos pelo Centro de Defesa da Cidadania e dos Direitos Humanos Marçal de Souza (CDDH), com sede em Campo Grande, e pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Mato Grosso do Sul indicam como semelhança nas execuções por pistolagem as vítimas receberem muitos tiros, principalmente na boca, na nuca e nas costas. Em boa parte dos casos, a pessoa estava chegando a sua casa ou andando na rua. A impunidade é um problema antigo na região. Entre junho de 1995 e julho de 1997 (três meses antes da morte de Escaramuça, que ocorreu em outubro de 1997), o CDDH constatou 231 casos de assassinatos sumários e de desaparecimentos forçados na fronteira entre Brasil e Paraguai e na Grande Dourados, em Mato Grosso do Sul (a cerca de 120 quilômetros da fronteira). Entre eles, havia vítimas de chacinas, mutilações e desovas. Os números incluem somente o levantamento feito a partir de notícias publicadas em alguns jornais. A maioria não foi solucionada pela polícia. Em apenas uma semana de 1994, foram achados 32 cadáveres mutilados próximo a Campo Grande. Em setembro de 1995, o jornalista Gilberto Lima foi investigar os assassinatos na fronteira para o programa SBT Repórter, transmitido em rede nacional, e comprovou o envolvimento de integrantes da polícia nesses crimes. Ele conseguiu gravar declarações do então coronel da Polícia Militar reformado Adib Massad, do comando do Grupo de Operações de Fronteira (GOF) - equipe de elite ligada diretamente à Secretaria de Segurança Pública para reforço do policiamento de fronteira. Massad fez referências, na gravação, à "limpeza" de bandidos. Acabou destituído do cargo, mas foi eleito o vereador mais votado de Dourados. Depois da divulgação de sua reportagem, Lima recebeu telefonemas com ameaças a sua vida. Criado há cerca de 12 anos, o GOF mudou recentemente de nome. Virou Departamento (DOF) e teve sua função estendida para o combate do roubo de gado. A questão agrária, muito importante na região, fez com que se suspeitasse que o grupo funcionasse como um esquadrão da morte financiado por fazendeiros. Estão em andamento investigações para apurar a participação de policiais do DOF numa quadrilha que levava carros roubados de Campinas (São Paulo), via Mato Grosso do Sul, para a Bolívia, em troca, principalmente, de cocaína e dólares. Era em meio a esse contexto que Escaramuça fazia seus programas. Antes de morrer, anunciou pela rádio que daria os nomes de pistoleiros da região de Dourados. Sua morte teve muita repercussão porque ele era bastante polêmico. Denunciava, na televisão como no rádio, políticos e crimes de pistolagem. Mas, aos gritos e às vezes com xingamentos, ele se voltava tanto contra acusados, quanto a simples suspeitos de irregularidades. Ultrapassar o limite tênue entre a liberdade de expressão e os abusos, com acusações infundadas e termos pejorativos, é muito comum em programas de rádio e televisão no interior do Brasil. Embora tenha denunciado, antes de morrer, as questões de pistolagem na fronteira, seus programas tinham também um forte caráter político. Não por acaso, ele foi eleito vereador pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), de 1988 a 1993. Um de seus focos constantes de críticas era o presidente da Assembléia Legislativa do Estado, Londres Machado. Procurado pela SIP, Machado mandou dizer, por meio de sua assessoria, que não tinha nada a falar sobre Escaramuça. Suas denúncias e ataques feitos nos programas lhe renderam processos na Justiça. Um deles foi iniciado pelo coronel da Polícia Militar Paulo Cezar Gomes Navega, atualmente assessor da Secretaria do Meio Ambiente. Integrantes da equipe de Navega, quando era comandante do Policiamento Florestal, foram criticados por Escaramuça e o próprio coronel sofreu um ataque sobre sua conduta pessoal por parte do radialista, ainda que não tenha sido uma agressão nominal. Navega, 48 anos, 28 de carreira, disse à SIP que fez questão de ser ouvido no inquérito policial sobre a morte de Escaramuça. "O problema é que o radialista procurava desacreditar a unidade que eu comandava. Todas as denúncias que ele fez eu investiguei e nenhuma era verdadeira. Quando começou a me difamar pessoalmente, entrei com uma interpelação judicial", afirmou o coronel. E observa: "Muitas pessoas seriam suspeitas de sua morte, porque esse senhor atacava qualquer um, procurava tirar proveito para fazer sensacionalismo". Na cidade, eram conhecidas também as críticas de Escaramuça contra o senador Juvêncio Cesar da Fonseca, ex-prefeito de Campo Grande entre 1986 e 1988, e de 1993 a 1996. "Escaramuça extorquia dinheiro de políticos e empresários", acusa o senador Fonseca, atualmente vice-presidente do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar do Senado Federal. O senador argumenta que esse foi um dos motivos por que seu governo à frente da prefeitura de Campo Grande foi tão criticado pelo radialista. Lembra que os dois praticamente começaram a vida política juntos. E nega que sua mulher ou ele tenham falado, em qualquer momento, que queriam ver Escaramuça morto, como o radialista declarou em seu programa de televisão. A acusação de extorsão é feita também por um delegado de polícia de Campo Grande. A família rebate as insinuações. "Quando ele denunciava é porque tinha provas e documentos", diz o filho, Alex. "Não aceitava dinheiro em troca da não-divulgação", garante. Segundo Alex, houve muitas ofertas desse tipo, que ele próprio presenciou. "Mas se Escaramuça tinha uma denúncia nas mãos, ligava para a pessoa oferecendo espaço para ela se defender", observa. No auge da carreira na televisão e no rádio - quando morreu, seu programa alcançava altos índices de audiência, conforme pesquisas feitas pela Rádio Capital FM -, Escaramuça planejava se candidatar a deputado estadual em 1998. Um dos amigos, no entanto, tinha lhe aconselhado a não se candidatar. "Ele ganhava mais como radialista. Se estivesse vivo, estaria rico", diz. Era o próprio Escaramuça quem vendia a publicidade para os patrocinadores do programa. E ele tinha muitos patrocinadores. Marcos, o filho mais velho, é outro que rechaça as acusações feitas sobre o pai. "Se ele fizesse extorsões, estaríamos ricos". Inquérito policial está praticamente parado Um juiz da região de Campo Grande, que prefere não se identificar, analisou o inquérito policial do caso Escaramuça e surpreendeu-se com a falta de dados. "O inquérito não tem praticamente nada, a investigação ainda está no começo", observou. Ele só tem uma certeza: foi um crime de pistolagem e, portanto, feito por um profissional. O inquérito está em andamento, garante o delegado Marco Túlio Sampaio Rosa, titular da Delegacia de Homicídios. "Há vários suspeitos, mas não chegamos ao mandante", afirma. O primeiro delegado a apurar a morte de Escaramuça foi Paulo Magalhães Araújo, hoje assessor do gabinete da diretoria do Departamento do Sistema Penitenciário de Mato Grosso do Sul. Para Magalhães, não há perspectivas de solução do caso, porque ninguém quer falar sobre o assunto. "A não ser que um dos pistoleiros contratados, num momento de bebedeira, fale, ou que surja outro fato", diz o delegado. "A quantidade de tiros foi tão grande, que o povo estava mais preocupado em se proteger do que observar", alega. Pelas características, o crime envolveu, no mínimo, três pessoas, lembra o delegado Magalhães. A constatação de que a bala utilizada pelos pistoleiros era importada, a seu ver, não teve grande significado. "Todo mundo usa arma calibre 12 na cidade, compra-se em qualquer loja, e no Mato Grosso do Sul, devido à proximidade com o Paraguai, só se usa munição importada". Segundo Magalhães, quando Escaramuça morreu, muita gente na cidade já esperava por esse desfecho, devido à "prepotência" do radialista em seus programas. "Qualquer um poderia tê-lo matado. Era uma pessoa gorda, grande (portanto fácil de atingir com um tiro), e todos sabiam de sua rotina", descreve. "Esgotamos todos os caminhos de investigação". O promotor de Justiça Gerardo Eriberto de Morais, encarregado da investigação de denúncias contra policiais envolvidos nos crimes de fronteira no Mato Grosso do Sul, observa que nem sempre são utilizados todos os recursos possíveis. A inexistência de uma perícia bem feita nos locais de crime, por exemplo, dificulta a investigação e permite que a impunidade prossiga. "Os policiais não têm treinamento para fazer a preservação do local do crime, às vezes um toco de cigarro pode levar ao criminoso", argumenta. Ele cita outro fator que costuma emperrar os inquéritos: a falta de testemunhas. "Quando as pessoas notam que o crime é profissional, fecham a boca porque, se falarem, sabem que haverá represálias". Graças à mobilização feita pela Ordem dos Advogados do Brasil e pelo Centro de Defesa da Cidadania e dos Direitos Humanos Marçal de Souza (CDDH), o Mato Grosso do Sul passou a ter, em abril de 1999, um Programa de Proteção às Testemunhas (Pró-Vita). Mas, como nos outros programas do mesmo tipo no país, freqüentemente faltam recursos e a estrutura se torna pequena para atender a demanda. "O serviço de proteção a testemunhas é uma ilusão", critica o juiz federal Odilon de Oliveira, que participou como informante na CPI do Narcotráfico. A impunidade na região se deve ainda à proximidade com a fronteira, que favorece a fuga dos criminosos para o Paraguai e para a Bolívia, onde a polícia brasileira não atua. A Justiça dificilmente chega aos mandantes do crime porque se forma uma corrente: entre o mandante, o agenciador e o pistoleiro há pelo menos três a quatro pessoas. Para o promotor Adhemar Mombrum de Carvalho Neto, que acompanhou as investigações sobre a morte de Escaramuça, esse é o caso mais perfeito de pistolagem que já viu em seus 12 anos de trabalho, porque os matadores não deixaram pistas. O assassino usou uma arma calibre 12 e deu seis disparos numa seqüência de um segundo, mostrando que é um profissional. Enquanto isto, outra pessoa atirava para o alto, mirando a padaria. "O impacto emocional foi tão grande, que as testemunhas que estavam em torno tentavam se defender", descreve o promotor. Carvalho observa que, apesar de ter sido visto um automóvel Corsa branco no local, provavelmente usado pelos pistoleiros, a polícia não conseguiu rastrear o veículo. Uma das testemunhas teria visto uma pessoa, no carro, telefonar de um celular após o crime. O promotor diz que foi pedida a cópia das ligações telefônicas naquele horário, mas não foi encontrada nenhuma pista. "Tentamos levantar possíveis inimizades de Escaramuça - e ele tinha muitas: é voz corrente que extorquia dinheiro das pessoas", afirma Carvalho. O promotor acredita que os pistoleiros possivelmente não eram naturais do Mato Grosso do Sul, devido ao preço da operação e ao risco de serem pegos - segundo Carvalho, o custo de uma morte por pistolagem aumenta conforme a repercussão do caso. "Esse é um crime caro, porque a imprensa se interessa e há mais repercussão", analisa. "Além disso, os disparos na seqüência indicam que o atirador era preparado". Os empecilhos para concluir o inquérito estão ligados também à falta de estrutura da polícia e da Justiça. Em Campo Grande, diz Carvalho, há apenas quatro promotores criminais, dos quais um está aposentado, e o número de processos é crescente. Até fevereiro deste ano, a Delegacia de Homicídios tinha apenas dois delegados para investigar os casos mais difíceis que ocorrem numa cidade com cerca de 700 mil habitantes. Hoje são sete delegados, mas a estrutura total, incluindo agentes e inspetores, não passa de 25 pessoas, um número ainda pequeno diante das necessidades. "Não existe uma política de combate ao crime organizado e à pistolagem no Brasil", reclama Adenilso dos Santos Assunção, secretário-geral do Centro de Defesa da Cidadania e dos Direitos Humanos. "Deveria haver uma ação conjunta dos governos municipal, estadual e federal", defende.

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