30 Outubro 2012

Poucos estranharam o assassinato do jornalista Pablo Pineda.

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Poucos estranharam o assassinato do jornalista Pablo Pineda. Policiais, colegas repórteres, diretores de jornais locais e sua própria família pressupunham que isso ia suceder. "Cuide-se, Pineda", escutava sua esposa Rosi Solís, quando saiam juntos a passeio. Alguns porque olhavam com espanto as imagens cruas e audaciosas que publicava todos os dias no jornal La Opinión. "Não se controlava; esse tipo parece insensível", disse Carlos Gómez, que engraxa sapatos no mercado e tem sempre o jornal à mão para os clientes. Fotos de atropelados, suicidas, vendedores de drogas, funcionários que indicava como corruptos, violadores, mulheres estupradas.
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Outros porque estavam convencidos de que o jornalistas de 39 anos tinha relações com a máfia dessa cidade de fronteira. Além daqueles que desconfiavam que alguém com o salário de um jornalista pudesse viver como ele, ou porque acompanhavam as notas em outras publicações, nas quais era com freqüência o protagonista. "Pineda ‘adulador´", "Pineda narcotraficante", nas manchetes da revista Polémica e no vespertino El Imparcial. "Ele não andava bem, ele buscou", sentenciou um editor do jornal La Opinión, para o qual trabalhou oito meses. Pablo Pineda Gaucín era um homem de grandes contrastes. Generoso e tirano. Leal e vingativo. Como jornalista era também juiz, advogado. Foi encontrado morto no domingo, 9 de abril de 2000, por agentes da patrulha de fronteira dos Estados Unidos. Seu corpo, com pés e mãos amarrados, estava enrolado em um saco de dormir; sua cabeça estava coberta com uma saco plástico e tinha um disparo de bala calibre 9mm na base da nuca. "A morte foi no mais puro estilo do narcotráfico", disse o chefe de polícia de Brownsville, Texas, Omar Lucio, que se encarregou das primeiras investigações sobre o caso. O corpo de Pablo Pineda chegou a Matamoros na segunda-feira e foi sepultado. Há uma semana do ocorrido, ninguém insiste na investigação do homicídio. O rastro de Pineda O repórter policial Martín Castillo foi uma das últimas pessoas a vê-lo. Estavam no escritório da polícia do governo instalado a duas portas do jornal La Opinión, na última ronda em busca de informações, na noite de sábado, 8 de abril. Pineda atendeu uma chamada em seu telefone celular, parecia ser de algum conhecido. Disse a Martín que voltaria mais tarde, pois tinha ainda que entregar as fotografias para a edição, e retirou-se em seu Grand Marquis 92. Alguém mais o viu perto das onze da noite na estação Ramírez, cobrindo uma operação policial de desarmamento, segundo sua esposa Rosi Solís de Pineda. "Então pode ser que, como é um local despovoado e a estrada é escura, o seguiram ou armaram uma emboscada", acredita. Ele havia ficado de levá-la para jantar fora naquela noite, porém não chegou. Às 2h30 do domingo, dois oficiais da patrulha de fronteira que vigiavam um trecho da fronteira, observaram que dois automóveis se detiveram na margem mexicana do Rio Bravo e que três silhuetas retiraram de um veículo um grande volume e cruzaram o rio com ele nas costas. Convencidos de que se tratava de um carregamento de drogas, decidiram esperar que alguém se apresentasse para recolhê-lo. As silhuetas deixaram o volume na margem norte-americana e voltaram ao México. Os agentes descobriram às 6h30 que se tratava de um cadáver. Segundo o chefe de polícia Omar Lucio, os homicidas levaram o corpo para os EUA para complicar as investigações: pensavam que não seriam vistos. Não é a primeira vez que isso ocorre; há alguns anos encontraram no lado norte-americano dois agentes da Procuradoria Geral da República, mortos. "Sabemos que o crime não ocorreu aqui (nos Estados Unidos), mas sim no México e lá é que deve ser investigado", insiste Lucio. Alguns jornais publicaram a versão de que havia sinais de tortura no corpo de Pablo Pineda, o que Lucio não pôde confirmar. Segundo publicou Martín Castillo, essa chamada telefônica ao aparelho celular pode ter sido o chamariz; foi feita de um telefone público, o que cancela a pista. Não foi a primeira vez Pablo Pineda já havia sido vítima de ataques. Entrava em sua casa na área residencial de Valle Alto, na noite de 20 de outubro de 1999, quando um homem disparou contra ele. Nove balas ficaram incrustadas nos muros e no automóvel, e Pineda saiu ileso. Ele dizia lembrar perfeitamente do rosto daquele que disparou e estava convencido de que o suposto narcotraficante Roberto Torres , apelidado "El Muertero", havia ordenado o atentado. "Pensou que foram atiradas contra ele pelo que havia publicado", disse Rosi Solís: fotografias da detenção de Torres. Um pouco depois do ataque, Pineda entrou no hospital onde estava detido em custódia policial e em tratamento médico Roberto Torres e investiu contra ele. "Retirou sondas, tudo, e o ameaçou", conta um colega seu. Dois dias mais tarde apareceu morto no estacionamento de um centro comercial, Héctor Fernando Torres de la Garza, "El Chachis", o jovem pistoleiro que, segundo Pineda, havia disparado contra ele. Em Matamoros espalhou-se o rumor e propagaram-se notas nos vespertinos que asseguravam que Pineda havia mandado matá-lo. O fotógrafo não foi investigado e foram outras três as pessoas acusadas pelo ocorrido. Três anos antes foi atacado na frente da funerária Lozano, onde na semana passada foi velado. Dois desconhecidos o atacaram a golpes de varas. Tinha recebido também chamadas de ameaça. Quando andávamos pela rua, a maioria das pessoas dizia a ele: ‘cuide-se, Pineda’. Eu já estava me acostumando a isso", relata Rosi Solís, uma mulher de gestos suaves. "Desde o atentado, ele mudou. Cuidava de mim. Durante as noites, ajoelhava-se, me beijava os pés e pedia perdão. Dizia para deixar meus filhos livres: ‘não lhes corte as asas, e se escolherem um mau caminho, apóie-os da mesma forma’. Não me maltratava mais, já não havia brigas: ‘nada de discussões, pode ser que hoje não volte’, dizia-me. Pablo estava certo do que ia ocorrer e foi me preparando todo esse tempo". Depois do atentado de outubro, Pineda mudou sua rotina para estar mais com sua esposa e os três filhos e contratou um serviço funerário. "Este é um lugar pequeno, aqui não se pode fazer nada que os outros vão ignorar", disse um editor do jornal El Bravo, convencido de que Pineda era desonesto. "Como matam os jornalistas? Fazem-no em um lugar público, de dia, geralmente na frente do jornal", disse o editor de um jornal onde trabalhou, e do qual foi expulso, segundo diz, por suspeitas de roubo e corrupção. "Ele foi morto como se mata entre narcotraficantes". "Ele me dizia: ‘não sou uma perfeição, assim como há uns que me querem, há outros que me odeiam", disse Rosi Solís. Uma caixa volumosa com fotos de seu marido encontra-se sobre a escrivaninha no escritório que ele tinha em casa. Na estante de livros, junto a dois livros de jornalismo e um dicionário, ficam duas fotografias de pé. Pineda, seu rosto redondo, sorridente, as mãos enfeitadas com os quatro grandes anéis de ouro que encontraram no cadáver, empunhando um rifle de grande alcance. E Pineda de corpo interior e de perfil, disparando uma arma curta em um campo de tiro. "Coloquei em porta-retratos. Ele não sabia disparar, mas eram fotos de que gostava". Luzes e sombras O que de sua fama pública é verdade, está pouco claro. Muitos colegas e funcionários souberam das supostas ligações de Pineda com o narcotráfico e o tráfico de emigrantes sem documentos, somente por meio dos artigos de outros jornalistas, tão controvertidos como ele. Segundo as autoridades, a ficha criminal de Pineda está limpa. "Não temos um registro de que essa pessoa estivesse envolvida com o tráfico de pessoas", disse Carlos Flores González, diretor de Proteção a Migrantes, da Secretaria do Governo. "Ouvimos que estava envolvido com o tráfico, ouvia-se, mas para nós não era um suspeito a ser investigado", disse Ramiro de Anda, porta-voz da patrulha de fronteira em McAllen, Texas. Segundo o chefe de polícia Omar Lucio, sua ficha nos Estados Unidos está limpa. Nas procuradorias de justiça do estado da república, não há nada parecido com um arquivo onde conste a ficha criminal dos cidadãos, porém os agentes do turno não lembram de que fosse investigado alguma vez por alguma atividade ilegal. Em Matamoros é difícil não ter contatos com mafiosos. Ainda que tenha crescido, o lugar é pequeno e com ruas estreitas. Eles têm os filhos nas escolas, vão com suas famílias aos mesmos restaurantes, levam os automóveis ao mesmo "Car Wash", e divertem-se no único complexo de cinemas e no centro comercial onde todo mundo vai. Além disso, a história da desértica e infértil Matamoros e de seu povo é bastante corajosa e ligada ao jogo, à sorte, ao tráfico ilegal. De vinho, durante a proibição nos Estados Unidos, de armas, durante a Revolução, de drogas e pessoas, há um par de décadas. Foi na casa de Juan N. Guerra, um homem agora velho e instalado em uma cadeira de rodas que por muitos anos controlou a vida na cidade de uma mesa redonda em seu pequeno restaurante do centro, o "Piedras Negras". Era a versão nortista do "Padrinho"; professor de muitos traficantes, tio de Juan García Ábrego, um dos chefes mais poderosos do país que agora está preso em uma prisão dos EUA. "Aqui houve uma boa escola de traficantes, somente que por um tempo não se via mal nisso", disse um historiador local, que como tantos aqui, temem dizer os nomes. "É difícil não ter contato com eles, não se relacionar; o único que se tem a fazer é não se comprometer", disse o diretor de um jornal da cidade. Alento para o rumor A nota editorial de segunda-feira, 10 de abril, no La Opinión, destaca as virtudes de Pineda. "Suas mãos não tremiam para denunciar corruptelas entre funcionários (... Já uma vez) escapou das balas assassinas dos inimigos do jornalismo independente e da verdade". Mas no interior do jornal há disputas. Há quem tente persuadir o dono de que a de Pineda é uma batalha que não deveria ser lutada. Pablo Pineda é recordado como alguém impulsivo. Tão generoso como vingativo e cruel. Era um Robin Hood e um tirano, descreve sua esposa. "Era um pseudojornalista", o descreve Gonzalo Guerrero, agente do ministério público federal. "Chegou a golpear um ou outro agente e uns dizem que os ameaçava com a câmara", relata. Defendia os presos e tentava tirá-los da prisão. Era generoso com as crianças que limpavam os pára-brisas no sinal. Todas as semanas ajudava com 200 ou 300 pesos a família de um preso, e um homem em cadeira de rodas que pede esmolas em uma avenida da cidade. Pineda tirou as fotografias no dia em que foi atropelado pelo trem e perdeu as pernas. "O que dizem dele é por inveja", observa o repórter Martín Castillo. Seu modo de vida é talvez o que mais suspeitas levantou e o que respalda as suspeitas. "Não sei com quem se meteu, mas ninguém que trabalhe como repórter aqui pode viver em Valle Alto e andar em carros novos. ÉEle tem uma caminhonete l Pathfinder e quatro automóveis de luxo nacionais. Há cerca de três anos vivia em um apartamento de interesse social (do governo)", disse um diretor de jornal, com a condição de não mencionarem seu nome. Um membro do La Opinión confidencia que Pineda costumava repartir dinheiro a repórteres de vários meios: "vinham aqui na redação e ele lhes dava dinheiro, suponho que em troca de que não publicassem notas contra alguma pessoa". "Ninguém com um salário de repórter pode viver como ele", disse um companheiro seu do La Opinión. Ele devia ganhar no máximo 80 pesos por dia no jornal. Sua conta diária do aparelho celular, oscilava entre 200 e 300 pesos, segundo dados da companhia telefônica. Pablo Pineda comprou uma casa em uma área residencial, a mesma onde os ricos e os traficantes têm suas propriedades. Mas a que comprou é uma casa pequena e mobiliada com simplicidade. Os automóveis Grand Marquis e dois Crown Victoria, de oito anos de uso, e sua Pathfinder nova, estão estacionados na rua. Pineda não tinha outro emprego, mas segundo sua esposa vendia publicidade para o jornal na polícia e recebia uma comissão. No dia do aniversário 28 do La Opinión, a única felicitação de folha inteira foi a da polícia do governo, que ele e Martín Castillo cobriam. Sua esposa mostra um recibo azul de março no valor de 500 pesos, e outro de quase mil pesos, do mês anterior. Além disso, vendia ocasionalmente sucata ou automóveis usados. "Era muito lutador, muito trabalhador". Segundo Rosi Solís, o último extrato que chegou a sua casa relatou 353 dólares en sua conta corrente. "Deu a imagem perante todos de que ganhava muito e gastava mais ainda. Não sei se tinha mais contas, ou se foi mal interpretado; o dinheiro vinha e ele gostava de gastar, vestir-se bem, que eu me arrumasse,ir a bons lugares, mas não tinha muito", confidencia sua esposa; ela imagina que agora se dedicará a vender roupas e que instalará um posto ambulante de comida. "Ele me ensinou a lutar". Motivos para sua morte Seus colegas, repórteres de imprensa e de televisão, não acreditam que o assassinato tenha sido por causa de seu trabalho, das fotografias ou notas que publicou. Há pouco tempo começou a escrever no jornal, e quando o fazia, assinava junto com Martín Castillo. "Se foi pelo trabalho, por que não me mataram também?", pregunta-se o repórter, preocupado. As fotografias e as notas que escreveu nos últimos meses não tinham um alvo constante. Seus últimos trabalhos foram uma série de imagens do linchamento e morte pelas mãos de estudantes de um policial municipal, e outra do enterro. Ocorreu uma semana antes, no Tecnológico de Matamoros. A polícia entrou nas instalações do Tecnológico e enfrentou um grupo de estudantes que matou a golpes um dos agentes. "Assim era Pineda, ele se meteu. Não era como um jornalista que somente olha, toma notas, tira fotos; ele se meteu a brigar". Tentou resgatar o agente sem êxito; o policial morreu no carro da patrulha pouco depois. "Somente esperamos que a justiça divina aplique a lei, pois da justiça terrena nada se espera", publicou em sua nota no dia seguinte. Também acompanhou um conflito de infidelidade em uma família e publicou fotografias de Eugenio Guadalupe Rivera Mata, apelidado "El Gordo Mata", que supostamente vendia drogas nas escolas, e de seus cúmplices. As penumbras na vida e no trabalho de Pineda são grandes. "Não posso dizer que era um santo, não coloco as mãos no fogo por ele porque eu não andava as 24 horas com ele", observa com serenidade sua esposa, que esteve casada com ele 16 anos. "Não sei se tinha contato direto com narcotraficantes... provavelmente nas noites em que não vinha dormir, tinha contatos com esse tipo de pessoas, mas não posso garantir nem tampouco negar. O que posso assegurar é que não era um viciado, como dizem. Se ele manteve contato com essas pessoas, ou soube esconder muito bem, ou fui muito tonta e não percebi", disse sua filha de 16 anos, por sua parte. Pineda era originário de Torreón, estudou contabilidade e foi por muitos anos "administrador" nos escritórios governamentais de Matamoros, e depois trabalhou como "despachante", legalizando automóveis importados marginalmente ao governo e com ligações com funcionários que facilitavam documentos de modo ilegal. "Nessa época ganhava um bom dinheiro; sabia conquistar as pessoas, era muito astuto", sorri sua esposa. A convite de um amigo, começou a trabalhar como fotógrafo no jornal local El Imparcial. Sempre foi repórter de histórias policiais; invariavelmente era o primeiro a chegar no local de acidentes e crimes. Investigação paralisada O corpo de Pineda foi devolvido ao México depois da autópsia, na segunda-feira 10 de abril. Uma família de amigos emprestou uma tumba para enterrá-lo no panteão Jardín, o único cemitério privado da cidade, onde estão também enterrados os familiares do narcotraficante Juan García Ábrego e as famílias abastadas da cidade. Assim como o corpo, o chefe de polícia de Brownsville espera transferir a investigação completa ao governo mexicano. "Quiseram despistar para que parecesse que o homicídio tivesse ocorrido aqui (nos EUA), mas sabemos porque os agentes o viram, que o crime ocorreu no México, e nós não temos mais nada para investigar", observa o chefe de polícia texano Omar Lucio. As autoridades indagaram pouco desde a sua morte. Segundo Omar Lucio, as autoridades do Texas tomaram as declarações dos agentes de fronteira e fizeram a autópsia. A polícia no México ocupou-se de buscar o automóvel Grand Marquis que Pablo Pineda utilizou naquela noite e que continua desaparecido. N!ao encontraram testemunhas na margem mexicana do Rio, que pudessem prestar mais informações. As manchetes da semana do La Opinión destacam que a investigação está detida. Seus companheiros de trabalho não se atrevem a compartilhar suas suspeitas. "Nessa cidade não se dizem nomes", disse um repórter do vespertino PM. "Não sei o que pensar. Me disse que tinha muitos inimigos, por seu trabalho, por seu caráter. Ele não sabia manter a compostura, não sei, talvez seja alguém que ele tenha humilhado...", disse sua esposa. Mesmo que conforme as leis mexicanas os homicídios são investigados ainda que sem denúncia de diligência, a polícia do governo se diz detida. "Estamos investigando, mas ninguém apresentou-se para denunciar o fato, nem sequer a família, vamos ver o que vai acontecer", disse Sergio Puig Canales, chefe da polícia do governo em Matamoros. Rosi Solís está determinada a não fazê-lo. "Pablo um dia me agarrou e disse: ‘Se um dia me acontecer alguma coisa, não vá pedir justiça, porque nunca vão lhe fazer caso’. Eu lhe disse: Por que diz isso?. ‘Me intrometi nos interesses de muitas pessoas. Somente encomende-me a Deus e à justiça divina e não faça nenhum trâmite perante a procuradoria (da Justiça)’. Repetiu isso em umas seis ocasiões. Não guardo rancor para com os assassinos; somente espero que Deus lhes tenha misericórdia". Pablo Pineda não é o primeiro jornalista assassinado em Matamoros. Nos anos oitenta, foram assassinados Ernesto Flores e Norma Moreno Figueroa. O caso não foi esclarecido.

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