Houve, a partir de outubro de 2022, uma acentuada radicalização de adeptos da extrema-direita que, em protesto pelos resultados das eleições de outubro, montaram acampamento à frente de unidades militares pedindo intervenção das forças amadas para impedir a posse do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva.
Muitos jornalistas foram hostilizados ou agredidos ao tentarem fazer a cobertura destes acampamentos. As agressões chegaram ao auge em 8 de janeiro de 2023, quando milhares de radicais invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes em Brasília.
O novo governo assumiu com promessas de apaziguamento e respeito pela imprensa. O acesso de repórteres a áreas e autoridades federais foi normalizado. No entanto, o Executivo tem dado mostras de intenção de tentar intervir em conteúdos potencialmente criminosos que circulam pelas redes sociais. Em face dos episódios de 8 de janeiro, a Suprema Corte, o Executivo e o Congresso brasileiro discutem modelos e leis que reduzam a polarização e o extremismo, com controle do discurso de ódio e de conteúdos que ameaçam a democracia.
A posição da ANJ tem sido de responsabilizar as plataformas apenas depois que houver uma notificação de conteúdo criminoso ou difratem et quando se tratar de conteúdo patrocinado ou impulsionado. ANJ tem defendido também o fim das contas anônimas ou falsas nas redes e, sobretudo, a valorização da busca da verdade e da pluralidade por meio da remuneração da atividade jornalística pelas grandes plataformas.
Ainda segundo a Abraji, do dia 30 de outubro de 2022 até a posse do presidente Lula, em 1º de janeiro de 2023, foram registradas 70 ocorrências em 19 estados e no Distrito Federal, entre hostilização, agressões físicas, ameaças, além de disparo de tiros em uma sede de veículo de imprensa e incêndio em uma rádio.
Em 2 de novembro, por exemplo, um cinegrafista e um motorista da TV Band foram agredidos com socos desferidos por um manifestante durante protesto, em Porto Alegre (RS), que pedia intervenção das forças militares. Além das agressões físicas, os profissionais tiveram os equipamentos de gravação quebrados. No mesmo dia, uma equipe da TV Record foi impedida de trabalhar ao chegar ao Comando Militar do Sul, na capital gaúcha, para cobertura de protesto que pedia intervenção das forças militares no processo eleitoral.
Em 1º de novembro, um repórter e um cinegrafista da TV Candidés, integrada ao Sistema MPA de Comunicação, foram ameaçados e agredidos por manifestantes bolsonaristas durante cobertura dos protestos nas rodovias do Centro-Oeste de Minas Gerais. Repórteres da Rádio Gaúcha e da RBS TV foram intimidados por manifestantes que bloquearam a RS-040, no Rio Grande do Sul, em protesto contra o resultado das urnas.
Em 12 de dezembro, ocorreu um primeiro grande ato coletivo dos bolsonaristas de depredação em Brasília, com manifestação em frente à sede da Polícia Federal e carros e ônibus queimados. Na ocasião, informou a Abraji, equipes de jornalismo foram ameaçadas e hostilizadas durante cobertura dos atos de vandalismo em protesto contra a prisão de um indígena bolsonarista investigado por atos antidemocráticos.
A repercussão negativa ao vandalismo registrado em Brasília não inibiu as ações dos bolsornaristas. Em 3 de janeiro, eles atacaram jornalistas em pelo menos cinco frentes. No Rio Grande do Sul, um cinegrafista da emissora RDC TV foi agredido por um vereador enquanto fazia imagens da desobstrução das vias, em frente ao Comando Militar. Em Fortaleza, um equipe de reportagem da TV Jangadeiro foi hostilizada pelos manifestantes. No Espírito Santo, em um acampamento em Vila Velha, duas equipes de profissionais de imprensa, da TV Tribuna e do portal ES 360, foram hostilizadas. Em Londrina (PR), uma equipe da TV Tarobá, afiliada da Band, foi agredida fisicamente e expulsa do local. Em Ribeirão Preto (SP), um fotógrafo do jornal Tribuna Ribeirão foi hostilizado no entorno de uma instalação militar da cidade.
Uma nova onda de violência ocorreu entre 8 de janeiro e 11 de janeiro. A Abraji e outras organizações registraram, no período, 45 casos de agressão física, ameaças, confisco de material de trabalho, roubos e ofensas na tentativa de impedir que os fatos fossem registrados e transmitidos pela imprensa.
No dia do ataque ao Planalto, ao Congresso Nacional e ao Supremo Tribunal Federal (STF) foram registrados vários ataques a jornalistas. Um repórter do jornal O Tempo foi agredido por criminosos que chegaram a apontar duas armas de fogo para ele, dentro do Congresso, durante cobertura dos atos antidemocráticos. O repórter foi salvo por um técnico da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), após ter o socorro recusado por policiais militares que acompanhavam as manifestações.
Também uma repórter fotográfica do jornal Metrópoles foi derrubada e espancada por 10 homens, durante a mesma cobertura. Ela ainda teve o equipamento danificado. Próximo ao Ministério da Defesa, uma correspondente do jornal The Washington Post foi agredida com chutes e derrubada no chão. Ela teve o material de trabalho roubado. No Palácio do Planalto, um repórter da Agência Anadolu, da Turquia, levou tapas no rosto enquanto cobria as ações dos vândalos. Um repórter da Agência France Press foi agredido e teve o equipamento e o celular roubados.
Ainda no dia 8 de janeiro, um repórter da Agência Brasil ficou com escoriações no pescoço ao ser puxado pelo crachá, enquanto registrava a destruição na Praça dos Três Poderes. Um repórter fotográfico do portal Poder360° foi agredido ao tentaram levar o equipamento de trabalho. Um repórter da TV Band teve o celular arrancado das mãos e destruído enquanto filmava o ato. Uma repórter da Rádio Jovem Pan foi xingada e seguida por manifestantes. Um repórter fotográfico do jornal Folha de S.Paulo teve o equipamento roubado por manifestantes que participaram do vandalismo. Também um repórter fotográfico da Agência Reuters teve o material de trabalho e o celular roubados na mesma cobertura.
Em um outro contexto, em 21 de fevereiro, um grupo de moradores de São Sebastião (SP) agrediu fisicamente e com palavrões a reportagem do jornal O Estado de S.Paulo que cobria a tragédia no litoral norte de São Paulo. Um deles obrigou o repórter fotográfico Tiago Queiroz a apagar fotos que tinha feito das ruas do condomínio alagado, com carros danificados.
Nos últimos seis meses, também foram registrados casos de assédio e censura judicial.
O jornal Folha de S.Paulo e o repórter Fabiano Maisonnave, que agora trabalha em uma agência de notícias internacional, por exemplo, foram condenados pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso (TJMT), por danos morais, apesar de veicularem informações verdadeiras. O juiz Claudio Roberto Zeni Guimarães, da Turma Recursal do TJMT, entendeu que a matéria intitulada "41% da exploração de madeira em MT é ilegal, diz estudo" tinha o intuito de difamar a autora da ação, Mauren Lazzaretti, que é advogada e exerceu o cargo de secretária-adjunta de Licenciamento Ambiental e Recursos Hídricos da Secretaria de Estado do Meio Ambiente de Mato Grosso (SEMA/MT). Os réus recorreram.
Em 5 de outubro, a ANJ protestou contra a censura imposta pelo ministro Paulo de Tarso Sanseverino, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a uma reportagem – "Relacionamento entre Lula e ditador da Nicarágua está bem documentado" – do jornal A Gazeta do Povo. O magistrado ordenou a remoção de uma publicação no perfil do diário no Twitter. A postagem noticiava que o regime de Daniel Ortega, ditador da Nicarágua, havia cortado o sinal do canal de notícias CNN naquele país e mencionava o apoio de Lula a Ortega.