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Reunião de Meio de Ano, 17 a 19 de abril de 2024
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Foi registrada durante este período uma tendência de diminuição nos índices de violência contra jornalistas e veículos de comunicação, violência que havia aumentado após os atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, quando milhares de radicais invadiram e depredaram as sedes dos três poderes públicos em Brasília. No entanto, ainda preocupam o assédio e a censura judicial, os ataques promovidos por agentes públicos e a tática de intimidação via redes sociais contra jornalistas, em particular as mulheres.

Um possível caso de censura judicial é a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em um julgamento de 2023, que determinou que os veículos de comunicação podem ser responsabilizados por injúrias, difamações ou calúnias proferidas por um entrevistado. Em 8 de março de 2024, o STF publicou o acórdão com o texto final da Tese Jurídica aprovada pelo Tribunal. As principais organizações de defesa das liberdades de imprensa e expressão do país, como a Associação Nacional de Jornais (ANJ), alertaram que a decisão afeta negativamente a liberdade de imprensa, pode levar a um estado crescente da autocensura e a uma restrição ainda maior da difusão de conteúdos de interesse público, sem contar na possibilidade de remoção de textos, vídeos e fotos.

Logo após a publicação do acórdão, o Diario de Pernambuco apresentou argumentos ao STF — o jornal apresentou Embargos de Declaração — para tentar modificar o teor da decisão da Corte que permite a responsabilização civil de empresas jornalísticas por falas de entrevistados. O diário pede que a aplicação da Tese aprovada pelos ministros seja suspensa até a apreciação do seu recurso. Os Embargos de Declaração, no processo jurídico brasileiro, funcionam como uma espécie de último recurso que dificilmente reverte o mérito da decisão, mas que pode alterar seu teor, explica reportagem da Folha de S.Paulo. Pela lei, cabem embargos quando há no acórdão "obscuridade, contradição, omissão ou dúvida".

A iniciativa do Diário de Pernambuco tem por objetivo sanar alguns equívocos de premissa constantes do acórdão, bem como buscar o aperfeiçoamento da redação da Tese, especialmente, com a eliminação dos subjetivismos acerca das expressões "dever de cuidado" e "indícios concretos". O jornal também sugere que, numa revisão da tese, seja incluído esclarecimento feito pelo presidente do STF, Luís Roberto Barroso. O diário propôs acrescentar ao texto a afirmação de que o veículo "não é responsável por declaração de entrevistado, salvo se comprovada a má-fé, caracterizada pela existência de dolo real (conhecimento prévio da falsidade da declaração) ou por dolo eventual (absoluta negligência na apuração da veracidade de fato duvidosos. Com isso, seria possível aferir a responsabilidade de veículos de imprensa e, ao mesmo tempo, não se deixaria de reprimir a divulgação de desinformação. No mérito, o jornal pediu que fosse dado provimento aos embargos com efeitos infringentes, para permitir reformar ou modificar a decisão publicada.

Em março, o ministro do STF Edson Fachin aceitou o pedido da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) para se tornar amicus curiae no Tema de Repercussão Geral 995. A entidade ingressou com o pedido junto a um recurso de Embargos Declaratórios, com a finalidade de esclarecer os termos do julgamento. A Abraji sugere uma série de alterações de modo a adequar a tese aos limites do caso e das discussões levantadas pelos ministros no julgamento. Dentre elas, que não suscite a possibilidade de remover conteúdos, além de esclarecer que a responsabilização de veículos só ocorreria em caso de dolo na divulgação da informação falsa e atendendo a critérios específicos. Também pede que se qualifiquem e expliquem termos ambíguos e obscuros usados no texto aprovado, como "indícios concretos" que comprovariam a falsidade de uma declaração e os cuidados necessários para afastar a responsabilização.

O ministro Fachin solicitou que, dada a grande importância constitucional das liberdades de imprensa e comunicação e considerando a possibilidade de serem atribuídos efeitos infringentes ao julgado, as partes apresentem seus argumentos. A ANJ solicitará mudanças na tese, para que a empresa jornalística só seja responsabilizada quando não houver dúvida sobre a falsidade da informação e houver má fé comprovada do veículo na divulgação.

Neste período, foram registrados outros casos de censura judicial. Em 11 de janeiro, a 6ª Sala Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) ordenou a retirada do ar de um episódio do podcast produzido pela Agência Pública, de 24 de junho de 2023, e uma publicação da coluna da diretora executiva, Marina Amaral, sobre entrevistas concedidas por Jullyene Lins, ex-esposa do presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira, que o acusou de violência sexual e outros crimes.

Outros fatos relevantes:

Em 2 de outubro de 2023, a repórter da InterTV, afiliada da TV Globo em Maricá (RJ), Bianca Chaboudet, foi assediada por um homem durante uma entrada ao vivo no telejornal do canal. Enquanto falava sobre as ações da prefeitura local para evitar afogamentos nas praias do município, a repórter foi surpreendida por um desconhecido, que tentou beijá-la no rosto à força. O homem foi identificado pela polícia, conduzido à delegacia e indiciado por importunação sexual.

Em 21 de outubro de 2023, o editor e proprietário do site Contraponto, de Bauru (SP), Nelson Gonçalves, também conhecido como Nelson Itaberá, foi alvo de arapongagem, após denunciar várias ilegalidades envolvendo a administração da prefeita de Bauru, Suéllen Rosim (Republicanos), cotada à reeleição nas eleições municipais de 2024.

A espionagem foi revelada pelo vereador Eduardo Borgo (Novo), em uma sessão da Câmara Municipal. Segundo Borgo, um relatório elaborado pelo hacker Patrick César da Silva Brito — alvo de investigação no inquérito policial que corre em segredo de Justiça no município de Araçatuba (SP) – confirmou que ele foi contratado pelo cunhado da prefeita, Walmir Henrique Vitorelli Braga, para coletar informações em um dossiê sobre a vida do jornalista e usá-las contra ele.

Em 25 de outubro, em um discurso sobre o balanço dos 10 meses de gestão, o então secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, afirmou que parte da imprensa paulista é canalha, publica "fake news" e trabalha a serviço do crime.

Em 15 de janeiro, o repórter João Vitor Brum, da Inter TV, afiliada da Globo em Cabo Frio (RJ), foi agredido por um homem durante a cobertura do desaparecimento de um jovem na Lagoa de Araruama. Brum acompanhava as operações de busca realizadas pelo Corpo de Bombeiros, quando o homem, que seria amigo da vítima, partiu para cima do jornalista. Além da violência física, o agressor destruiu e atirou na lagoa o equipamento usado pelo repórter.

Em 25 de fevereiro, a repórter Gisele Kümpel, do Canal Monumental, foi abraçada e beijada sem consentimento pelo intérprete da mascote do Sport Club Internacional, durante o clássico Gre-Nal, no Estádio Beira-Rio, Porto Alegre (RS). A importunação sexual aconteceu nos últimos minutos da partida, quando a jornalista narrava o terceiro gol do Internacional e o homem se aproximou e a envolveu com os dois braços, dando um beijo na profissional.

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