Os últimos meses foram marcados pela continuidade de um preocupante quadro de assédio judicial nas primeiras instâncias, ainda que as decisões finais do Supremo Tribunal Federal (STF) sejam mais favoráveis às liberdades de imprensa e de expressão.
Os últimos meses foram marcados pela continuidade de um preocupante quadro de assédio judicial nas primeiras instâncias, ainda que as decisões finais do Supremo Tribunal Federal (STF) sejam mais favoráveis às liberdades de imprensa e de expressão.
Nas alçadas inferiores da Justiça, destaca-se a condenação da jornalista Rosane de Oliveira e do jornal Zero Hora, do Grupo RBS (RS), por terem informado a remuneração recebida pela desembargadora Iris Helena Medeiros Nogueira, ex-presidente do Tribunal de Justiça do Estado (TJ-RS), e por outros magistrados, dados que são públicos, segundo a legislação vigente.
Também é alarmante a persistência de casos de violência contra jornalistas. As ações, na sua maioria de autoria de detentores de cargos públicos, em especial políticos. Registramos ainda muitas situações de assédio e violência a partir de populares e do crime organizado.
Em junho, o STF emitiu uma decisão que impacta o debate sobre a liberdade de expressão ao exigir das grandes empresas de tecnologia maior responsabilidade na moderação de conteúdo ilegal. Trata-se do julgamento sobre o artigo 19 do Marco Civil da Internet, que trata da responsabilização das plataformas digitais pelas postagens de seus usuários. O STF definiu que as redes sociais devem ser responsabilizadas diretamente por publicações ilegais, sem necessidade de ordem judicial prévia, desde que notificadas extrajudicialmente pelos interessados. A Corte considerou que o artigo 19, criado há mais de dez anos para equilibrar liberdade de expressão e responsabilidade civil, não protegia adequadamente os direitos fundamentais diante de postagens massivas de desinformação, discursos de ódio e conteúdos antidemocráticos.
A decisão, que reformou o artigo parcialmente, também aborda impulsionamento pago, uso de bots e regras de autorregulação das plataformas, incluindo a necessidade de relatórios anuais e representação jurídica no país.
Especialistas têm opiniões divergentes sobre o tema. Alguns apontam que a medida gera incerteza jurídica e risco de censura, além de afrontar à prerrogativa legislativa do Congresso. Para eles, a decisão associa supostos “delitos de opinião” a crimes tipificados, fragilizando a liberdade de expressão nas redes sociais. Alguns consideram equivocada a equiparação de pequenos sites às grandes plataformas, o que abriria margem à censura a veículos jornalísticos.
Muitos juristas entendem que, para a imprensa, a regra de ofensas à honra continua dependendo de ordem judicial, o que preserva a segurança das empresas informativas. Esses analistas destacam ainda que a decisão impõe corretamente responsabilidade às plataformas quanto a conteúdos que desinformam, incitam discurso de ódio ou apologia à violência. A aplicação da decisão vale até que o Congresso aprove legislação específica, mas o tema pode ser revisitado pelo STF diante das divergências geradas após o julgamento.
As decisões jurídicas em relação à liberdade de imprensa e de expressão no Brasil continuam, na maioria, salvaguardadas pelas posições finais do STF, mas segue preocupante o crescimento no número de casos negativos nas primeiras instâncias. Além do caso da jornalista Rosane de Oliveira e do jornal Zero Hora, do Grupo RBS (RS), registraram-se neste período outras sentenças:
A 1ª Vara Cível do Foro de Pinheiros (SP) condenou a Band a pagar R$ 50 mil ao empresário e coach Pablo Marçal por danos morais, além de determinar a retirada do ar de reportagens que continham termos considerados ofensivos a Marçal, como "mané", "canalha", "zé ruela" e "lixo humano". A Band sustentou que Marçal disseminou fake news nas publicações, e defendeu que a cobertura estava protegida pela liberdade de expressão.
O Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) determinou a retirada de uma reportagem da coluna de Andreza Matais e do portal Metrópoles sobre homenagem do TRT-11 ao empresário Waldery Areosa. A Justiça obrigou também a exclusão dos links do conteúdo nos buscadores da Revista Cenarium e do Google.
A Justiça de Rondônia determinou a retirada do ar da reportagem “Menos floresta, mais pasto: senador Jaime Bagattoli (Liberal) ameaça a Amazônia com dinheiro do mercado de capitais”. Depois, o desembargador Alexandre Miguel revogou a decisão, classificando a retirada do conteúdo como censura e destacando o interesse público em acesso à informação.
No âmbito da Suprema Corte, o acórdão, publicado em junho, em relação à decisão de julgamento de um caso de indenização envolvendo o jornal Diário de Pernambuco, resultou na fixação da tese de repercussão geral Tema 995, que trata da responsabilidade de veículos de imprensa em casos semelhantes. No entendimento do tribunal, a “liberdade de imprensa é plena, mas acompanhada de responsabilidade, vedada a censura prévia” e veículos só respondem civilmente por declarações falsas de terceiros em entrevistas “se houver má-fé, dolo direto ou culpa grave na apuração e omissão do direito de resposta”. No caso das transmissões ao vivo, o veículo não é responsável pelas falsas imputações de terceiros, desde que garanta o direito de resposta em iguais condições. Segundo a sentença, conteúdos falsos disponíveis online devem ser removidos quando constatada a falsidade, sob pena de responsabilidade.
O STF analisa a constitucionalidade do inciso II do artigo 141 do Código Penal, que prevê o aumento de pena em um terço para crimes contra a honra quando cometidos contra funcionários públicos em razão do exercício de suas funções. O relator, ministro Luís Roberto Barroso, votou pela inconstitucionalidade da majoração da pena, exceto nos casos de calúnia. O ministro André Mendonça acompanhou o relator. Por outro lado, os ministros Flávio Dino, Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes defenderam a validade da elevação da pena. O julgamento foi interrompido e será retomado em sessão futura.
Há ainda um preocupante número de registros que evidenciam verdadeiras campanhas coordenadas, por parte de ocupantes de cargos públicos, de políticos e de grupos de influência – como clubes de futebol –na tentativa de intimidar, constranger e desacreditar veículos e jornalistas, muitas vezes nas redes sociais, mas também pessoalmente. São eles:
Diversas páginas de grande repercussão em Santa Catarina divulgaram narrativa enganosa, por meio de prints e documentos, sobre a jornalista Amanda Miranda, de Santa Catarina, após ela publicar críticas ao governo estadual no que diz respeito a repasses de verbas públicas para páginas que apoiam o governo. Ela também divulgou informações do Portal da Transparência sobre bolsas estatais com indícios de irregularidades apontados pelo Tribunal de Contas de Santa Catarina.
Durante live, o senador licenciado Marcos do Val (Podemos-ES) ofendeu, acusou pessoalmente e ameaçou se movimentar para retirar do ar reportagem da jornalista Fabiana Tostes, da Folha Vitória (ES).
Guga Noblat e Igor Borges (ICL Notícias) foram empurrados pelo deputado Paulo Bilynskyj (Liberal) durante gravação. Após empurrão, o deputado apertou o pescoço de Noblat.
Ronaldo Chaves (Jornal 14 de Maio, de Goiás) foi agredido pelo servidor municipal José Sobreiro de Oliveira Filho com socos. O jornalista já havia sido ameaçado pelo deputado André do Premium.
O senador Ciro Nogueira (Progressistas) divulgou prints com dados pessoais do jornalista Flávio VM Costa (ICL Notícias) após a publicação de reportagem sobre suposto apoio do PCC a interesses do parlamentar.
A deputada Júlia Zanatta (Liberal) perseguiu o estagiário de jornalismo Matheus Bastos, do portal ND+, ao atacá-lo publicamente em uma live, repetindo ofensas, divulgando sua foto em redes sociais.
Os jornalistas Heverson Castro e Iran Froes foram agredidos pelo prefeito de Macapá, Dr. Furlan (MDB), após ele ser questionado sobre atrasos nas obras do Hospital Municipal.
Equipe da NTV, de Patos de Minas (MG), foi impedida de entrar na Arena DB para cobrir um clássico de futebol, apesar de credenciamento válido. Outras equipes tiveram acesso normalmente.
Roberto Alexandre dos Santos e Allan de Abreu (RP10 e Revista Piauí) tiveram emitidos contra eles mandados de busca e apreensão após investigação sobre delegado e hacker, com seus direitos ao sigilo de fonte violados.
Luiz Vassallo, do portal Metrópoles, passou a ser investigado pelo Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) após publicar uma série de reportagens a respeito do delegado Fábio Pinheiro Lopes, ex-diretor do Deic.
A jornalista Marina Semensato, do portal iG, sofreu ataque coordenado a partir de diversas contas no TikTok, que viralizaram conteúdo enganoso e ofensivo sobre a repórter, após ela ter publicado no portal uma notícia sobre um crime ocorrido no Haiti.
O comandante do 9º Batalhão de Ações Especiais de Polícia (9º Baep), de São José do Rio Preto (SP), tenente-coronel José Thomaz Costa Júnior, ameaçou, na tribuna da Câmara de Vereadores, o jornal Diário da Região, de São José do Rio Preto. Ele disse que repórter e veículos iriam “pagar” pela divulgação de um vídeo em que seus subordinados fazem um rito, com os braços em riste, diante de uma cruz em chamas.
O conselheiro da Eletrobras Marcelo Gasparino expôs uma conversa privada de WhatsApp com a repórter Stéfanie Rigamonti, da Folha de S.Paulo, que publicou reportagem que tratava de uma suposta negociação de Gasparino para se articular com o governo na eleição do novo conselho da Eletrobras, realizada em abril.
Verificou-se também o alarmante registro de violência por parte de populares e do crime organizado contra jornalistas. Eis alguns casos:
Mais de 200 disparos atingiram o helicóptero da TV Record (RJ) que sobrevoava os bairros Cordovil e Parada de Lucas (Rio de Janeiro). Gustavo Ribeiro (TV Gazeta, ES) foi empurrado propositalmente por um homem durante transmissão ao vivo em Piúma (ES). Rildo de Jesus (TV Bahia) foi ameaçado por homem armado durante transmissão ao vivo em Salvador, sendo obrigado a deixar o local. Andreyna Patrício (TV Tropical, RN) foi constrangida, durante cobertura do São João de Natal, quando um homem fez gestos obscenos para a repórter ao vivo.