30 Outubro 2012

Beco sem saída

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Os contatos que um policial que se encontra preso teve com testemunhas cujas identidades têm sido mantidas em sigilo e que forneceram informações sobre o assassinato de Ricardo Gangeme, proprietário e diretor do semanário El Informador Chubutense, da cidade de Trelew, Argentina, levantaram a possibilidade de que surgisse uma luz no fim do túnel para o caso.
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Mas isso não ocorreu. O juiz Omar Florencio Minatta descarta qualquer relação entre o tenente Claudio Gajardo, acusado de roubo à mão armada e de ser membro da gangue conhecida como "Homens de bota", e o assassinato do jornalista, ocorrido em 13 de maio de 1999. Em suma, o caso Gangeme continua sendo um beco sem saída. Três suspeitos foram presos: Daniel Vitti (considerado mandante do crime), Ricardo Smith (suposto assassino) e Alejandro Zabala (suposto copartícipe). Há outros três, também considerados envolvidos, que foram presos mas estão em liberdade: Néstor Echauri, Daniel Soto e Alejandro Jara. Entretanto, isso não completa o quebra-cabeças cuja peça-chave, ao que parece, está faltando -- a pessoa que está por trás do crime, como afirma Norma De Benedetti, advogada e segunda mulher de Gangeme, ou o peixe grande, como diz Minatta. É ainda um mistério o fato de as investigações não terem apontado o autor real ou o peixe grande. Segundo as especulações, isso se deve principalmente ao código de silêncio estabelecido pelos envolvidos. Mas Benedetti, que mora em Buenos Aires, a quase 150 km de Trelew, diz que "não há crime perfeito. Quando há muitos implicados que não podem falar, um deles acaba falando". No julgamento, talvez. Zona liberada Gangeme morreu na porta do edifício no qual alugava um apartamento, no centro de Trelew, às 1h28. Trazia consigo quase 1.500 dólares e vários cheques, que foram deixados intocados pelo homem que se aproximou de seu carro e, mal ele abaixou o vidro, disparou contra ele a sangue frio. A polícia, que freqüentemente vigia o local (que fica a dois quarteirões da delegacia), olhava para o outro lado, segundo De Benedetti, ou não estava lá. "Era uma zona liberada", suspeita. Essa hipótese confirmaria, em princípio, que o motivo do crime estava associado às denúncias de corrupção no governo da província publicadas no El Informador Chubutense e não, como afirmam em Trelew, à personalidade difícil de Gangeme ou às suas incursões na vida privada das pessoas por meio de uma coluna de fofocas que escrevia com o pseudônimo de Garganta Profunda. Essa era uma versão de seu outro pseudônimo, "El Fantasmita", que utilizava no Jornada, jornal de circulação regional do qual havia sido editor. Gangeme deixou o Jornada após desentendimentos com seu proprietário, Carlos Spadone, assessor do ex-presidente Carlos Menem e co-proprietário da Bodegas Menem. Sentiu-se enganado por Héctor Fernandes, empresário da região que o havia apresentado a Spadone e que mais tarde também dispensaria seus serviços. Nas edições do El Informador Chubutense anteriores à morte de Gangeme, as manchetes falavam de um sobrefaturamento de 2458% (US$ 8 milhões) para a Cooperativa Elétrica, de Trelew, e implicavam Fernandes. Tratava-se, na verdade, de uma questão pessoal. De Benedetti, que estava quase assumindo o caso como demandante (quem faz a queixa formal dentro do sistema jurídico argentino) depois da renúncia do advogado Luis López Salaberry, dirigia a FM Tiempo, que, na época, era propriedade de Fernandes. "Costumávamos ir a festas de fim de ano em seu bar Vittorio, em frente à estação, quando sabíamos das festas, não porque tivéssemos sido convidados", disse. Ameaça de morte Foi exatamente na garagem desse bar que Gangeme foi ameaçado de morte por Fernandes, segundo denúncia que registrou na delegacia. Ameaça semelhante havia sido feita ao sócio gerente de uma concessionária de automóveis, Edgardo Nervi. Foi por isso que todos os olhares se voltaram imediatamente para o empresário, que foi condenado, multado e recebeu uma sentença de prisão suspensa. Se esse era um desvio, era perfeito. Fernandes havia sido o alvo das acusações de Gangeme no El Informador Chubutense e, em resposta, o havia ameaçado cinco dias antes de seu assassinato em um país que estava muito sensibilizado pelo assassinato de um outro jornalista argentino, José Luis Cabezas. "Nesse caso, ao contrário do que ocorreu com Cabezas, a falta de provas dificulta o esclarecimento", disse Minatta. Isso, entre outras coisas, explica, segundo Benedetti, a falta de uma campanha nacional para descobrir a verdade. A mídia do país, a não ser em raras exceções, não mostra interesse pelo caso. Gangeme teve várias decepções com Spadone, segundo o currículo que escreveu quando voltou a Buenos Aires depois de sair do Jornada. Na época, teve de ser hospitalizado devido a pressão alta, conta Benedetti. "Tenho plena consciência de que não era querido", disse ela. "Tinha uma personalidade difícil. Não permitia que os jornalistas do Jornada cobrassem pelas informações que publicavam. Na verdade, comprou um revólver depois de enfrentar uma tentativa de seqüestro." Isso ocorreu em 1997. Ele foi raptado por uma gangue comandada por uma mulher vinculada à Cooperativa Elétrica e que também tinha conexões com Vitti e outros acusados do assassinato. Gangeme conseguiu abrir a porta do carro no qual estava sendo levado para um local desconhecido e pulou. Tiros para o ar Segundo Benedetti, a polícia aconselhou-o a comprar uma arma. Foi o que fez. Ao que parece, fez quatro ou cinco disparos. Todos para o ar, acrescenta Benedetti, e isso quando pensou que estavam invadindo sua casa nos arredores de Trelew e na qual havia morado antes de alugar um apartamento no centro. Por que Benedetti pede agora para ser demandante? Porque López Salaberry, colaborador do El Informador Chubutense, sentiu-se sozinho em uma cruzada que, segundo confessa, mudou seu estilo de vida, e também porque nenhum advogado de Trelew quis aceitar o caso, considerado "uma batata quente". Um obstáculo para Benedetti pode ser o fato de não serem casados. Mas o juiz Minatta diz que basta terem vivido juntos. "Vou aceitá-la", disse. Isso significa que ela lerá pela primeira vez os autos completos do processo, 11 ou 12 volumes. "Podem vir e examinar tudo", disse Minatta. "Não quero que restem desconfianças sobre esse caso. Fico louco quando pensam em coisas esquisitas. O filho de Gangeme, Pablo, também quer uma cópia e já estamos providenciando uma. Eu me olho no espelho todos os dias. Sou eu mesmo quem exige transparência da justiça." A apresentação da segunda mulher de Gangeme como demandante foi resultado, sobretudo, da mudança para Roma de sua outra filha, Stella Maris, noviça. Será uma forma, segundo Benedetti, de evitar que o caso caia no esquecimento após a renúncia do advogado López Salaberry. Um sinal disso é o fato de que mais de um ano depois do assassinato foram criadas falsas expectativas pela simples conexão de um policial preso com testemunhas cujos nomes não foram revelados. Talvez isso se deva mais à ansiedade do que convicção. Ou à necessidade de pegar um atalho diante do beco sem saída em que o caso se transformou. Um caso totalmente enigmático.

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