30 Outubro 2012
Amparo Leonor Jiménez foi assassinada em 11 de agosto de 1998 em Valledupar
Amparo Leonor Jiménez foi assassinada em 11 de agosto de 1998 em Valledupar, capital do departamento de Cesar. Naquela manhã, depois de levar seu filho para a escola, estacionou seu carro em uma esquina do conjunto residencial onde morava. Ali era esperada por um pistoleiro que disparou três tiros contra sua cabeça. Ainda não se sabe o motivo de sua morte nem o responsável, e o crime continua sem punição. Jiménez trabalhava como correspondente de noticiários de televisão e ocupava também o cargo de coordenadora de uma organização não governamental nacional que trabalha com as iniciativas de paz, a Redepaz, e até o dia de sua morte dirigia o Escritório Regional de Paz e Reabilitação de Cesar. Como correspondente, primeiro para o noticiário Q.A.P. e depois para o noticiário En Vivo, foi alvo de várias pressões e ameaças. Mas segundo as investigações da Unidade de Resposta Rápida (URR) da SIP e da própria procuradoria-geral da Colômbia, o incidente que foi a causa de seu assassinato ocorreu no início de 1996.
O noticiário Q.A.P. enviou-a a Pelaya, município a sul de Cesar, para que fizesse uma matéria sobre o despejo de 170 famílias que ocupavam os prédios da fazenda Bellacruz, de propriedade da família Marulanda.
Carlos Arturo Marulanda, ex -congressista e ex-ministro colombiano, que era na época o embaixador da Colômbia na União Européia, herdou de seu pai mais de 22.000 hectares de terras no que é conhecido como Fazenda Bellacruz e onde havia um forte conflito agrário. Depois de uma decisão judicial que ordenou uma aceleração do processo de entrega de títulos de propriedade desses prédios aos camponeses que os ocupavam desde 1987, Marulanda teria encomendado a operação armada a Edgar Rodríguez Rodríguez, conhecido como Caballito, integrante de um grupo militar que opera nessa região do departamento.
Segundo depoimentos dos moradores, em 14 de fevereiro de 1996 e seguindo ordens de Marulanda, 40 homens armados chegaram à fazenda, agrediram os camponeses e os obrigaram a abandonar suas casas e suas plantações. Cinco anos depois, em 16 de julho de 2001, Marulanda, para quem a justiça colombiana havia decretado ordem de prisão, foi preso por agentes da Interpol em Madri, Espanha, de onde será extraditado para julgamento por formação de grupos paramilitares e pelos fatos ocorridos em 14 de fevereiro de 1996 e dos quais também participaram membros do Exército.
Uma testemunha, que falou sob condição de anonimato, do Conselho de Ação Comunitária de Vistahermosa, uma área próxima à fazenda onde um incidente semelhante havia ocorrido meses antes, disse que havia soldados entre os que executaram o despejo de Bellacruz. "Foram os mesmos homens que me pediram para dizer às pessoas da Fazenda Bellacruz que iriam ser despejadas", a testemunha revelou em seu depoimento.
Três batalhões estavam operando em Vistahermosa naquela época: o Batalhão Pichincha, sob o comando do tenente Jorge Luis Betancur; o Batalhão San Mateo, com o tenente Juan Pablo Rozo, e o Batalhão de Pailitas, com o comandante Henry Capacho.
Quando Jiménez foi fazer a cobertura da história, a polícia local lhe disse que aquela era uma área de conflito e que ela não tinha permissão para entrevistar ninguém nem para fotografar o local. Jiménez respondeu que não precisava de permissão. Mais tarde, na estrada que leva de Pelaya à capital de Cesar, paramilitares mandaram que parasse. Ordenaram que ela e seu cinegrafista entregassem sua agenda de trabalho, as gravações e a câmara.
Jiménez denunciou o ocorrido e narrou o incidente no canal local da Telecaribe. Dias depois, recebeu chamadas telefônicas ameaçadoras, supostamente de paramilitares, que lhe diziam que se quisesse retomar seus pertences, deveria ir ela mesma buscá-los. Segundo sua amiga e colega de trabalho, Clara Orozco, ela conseguiu contatá-los e fazer algum tipo de acordo.
Mas esse não foi o único incidente que enfrentou. Depois de cobrir um massacre na fronteira entre Colômbia e Venezuela, no qual guardas da fronteira venezuelana foram responsabilizados pelo assassinato de camponeses, um capitão do Exército pediu à jornalista que não enviasse as informações à sede do noticiário, em Bogotá. Ela não cedeu.
Segundo informações de seus colegas, membros de famílias influentes da capital de Cesar lhe pediram diversas vezes que ignorasse algumas informações, especialmente as relacionadas à captura de paramilitares na guerra que havia sido declarada pelo chefe de polícia na época, coronel Ciro Chivita, contra esses grupos ilegais.
Em 1997, Jiménez já havia adquirido alguma notoriedade, enquanto trabalhava na Redepaz promovendo o Mandato Cidadão pela Paz e como diretora do programa de reabilitação da Presidência da República. Tentou criar o Conselho Departamental de Paz, defendeu o voto pela paz e os territórios de paz nos municípios de Bosconia, Pailitas, Codazzi e San Diego. Em 20 de julho de 1998, em uma das últimas atividades antes de sua morte, organizou um ato paralelo a uma atividade dos militares, que foi qualificado de anarquista.
Em plena comemoração do Dia da Independência da Colômbia em uma praça da cidade, a jornalista vendou os olhos de um enorme pôster de Simón Bolívar para simbolizar o horror do libertador diante de tantos massacres. Naquela tarde, fez um discurso no qual pedia que os paramilitares e as guerrilhas suspendessem seu confronto e dialogassem.
Pouco depois, cobriu, junto com seu assistente Beiro Mendoza, ex-membro reabilitado do movimento M-19, que já havia sido desbaratado, a conferência "Pela Paz em Cesar". Eles gravaram todas as conferências de militares aposentados e ativos, membros de sindicatos e autoridades locais, os quais, em uníssono, apoiavam a formação das unidades de autodefesa. Jiménez foi diversas vezes chamada para que entregasse as fitas das gravações, mas não o fez.
Foi assassinada alguns dias depois. Imediatamente, sua colega Orozco transcreveu as fitas e encontrou frases que descreviam pessoas como Jiménez como representantes da facção política das guerrilhas. Orozco enviou por fax o conteúdo dessas fitas para os escritórios da Redepaz e Reabilitação em Bogotá, mas conseguiu apenas que se provocasse um escândalo. O silêncio que se seguiu fora causado pelo fato de pensarem que se tratava de um material perigoso que continha informações delicadas para os que apoiavam os paramilitares, alguns deles vinculados ao Exército e aos sindicatos.
Depois do assassinato de Jiménez, a Redepaz decidiu mudar de perfil. Transferiu seu pessoal para Bogotá e fechou o escritório de Reabilitação, não sem antes ser alvo de um atentado com um explosivo de baixa intensidade. A casa de Beiro, colega de trabalho da jornalista, foi atacada e ele recebeu várias ameaças telefônicas durante vários dias.
Onze dias depois do assassinato, por meio de um retrato falado, foi preso o suposto autor material do homicídio, Libardo Prada Bayona. Diante das autoridades, três testemunhas do assassinato fizeram seu reconhecimento na polícia. Além disso, uma mulher, Astrid Borrego, denunciou uma conversa que havia tido com o suspeito alguns dias antes e na qual ele havia dito que um chefe paramilitar havia mandado matar Jiménez por causa de uma reportagem apresentada na televisão Telecaribe. Tratava-se de uma entrevista de Jiménez depois do incidente com os paramilitares na Fazenda BellaCruz. Apesar de ter sua própria casa, Prada Bayona alugou um imóvel perto da casa da jornalista e, segundo a polícia, foi daí que organizou o crime.
Em 16 de abril de 1999, oito meses depois de sua prisão, Prada Bayona foi acusado de homicídio culposo e porte ilegal de armas. Um ano depois do assassinato da jornalista, a Promotoria Pública do Tribunal Superior do Distrito Especial de Bogotá, confirmou as acusações contra Prada Bayona, que continua preso em uma prisão em Valledupar por um homicídio anterior.
Até aqui, a justiça colombiana tem atuado corretamente. O promotor do caso pediu a condenação do acusado e a investigação seguiu seu curso para determinar o mentor do crime. Mas na etapa de julgamento, o processo ficou estagnado e juízes e promotores foram ameaçados. Desde 10 de agosto de 1999, o Tribunal Penal do Circuito Especializado de Valledupar marcou sete datas diferentes (30 de março, 14 de junho, 15 de agosto, 3 de outubro e 19 de dezembro de 200, e 2 de março e 7 de maio de 2001) para o julgamento, suspenso porque o acusado argumentou que não tinha advogado.
O julgamento finalmente começou em 10 de julho de 2001 e deverá continuar em 17 de setembro, mais de dois anos depois de apresentadas as acusações formais. Entretanto, se não fosse pelo fato de Prada Bayona estar cumprindo sentença de prisão por outro assassinato, ele estaria agora em liberdade - porque na Colômbia o prazo para término de um julgamento é de um ano e segundo a própria Procuradoria o prazo final para o julgamento pelo assassinato da jornalista venceu há mais de um ano.
O tribunal penal no qual o caso se encontra explicou que o julgamento não poderia ter sido realizado antes porque nas datas marcadas Prada Bayona ainda não tinha um advogado de defesa e porque durante seis meses, entre 1999 e 2000, o sistema judiciário regional na Colômbia passou por mudanças internas que atrasaram os julgamentos.
Ricardo de la Hoz, defensor público, não aceita esses argumentos, dizendo que os cinco ou seis advogados que Prada Bayona teve no período de pré-julgamento tiveram de abandonar sua defesa por terem sido supostamente ameaçados. "Existem pessoas que não estão interessadas em que o crime venha à tona. Todos recebemos ameaças. Meu irmão sofreu um atentado em Riohacha em agosto do ano passado. Até mesmo nos tribunais penais de Valledupar me sugeriram que me afastasse do julgamento."
Documentos da Procuradoria em mais de cem testemunhos de camponeses e ex-paramilitares garantem que Marulanda e o chefe paramilitar Salvatore Mancuso têm trabalhado juntos desde o início da década de 90 para proteger suas terras da guerrilha. A fazenda Bellacruz, de Marulanda, transformou-se na sede de operações das Autodefesas Unidas da Colômbia, e a fazenda Bellavista, de Mancuso, era o quartel- general da organização.
Segundo essas declarações, os paramilitares que operam nos departamentos de Magdalena e Cesar teriam ordenado o assassinato. O relatório indica que a Procuradoria investiga também Mancuso, outros chefes paramilitares, entre eles Santander Lozano e René Ríos González. O mesmo documento menciona Libardo Prada Bayona, acusado de ser o autor material do assassinato da jornalista, como um dos paramilitares sob as ordens de Ríos González e este por sua vez de Mancuso.
Enquanto isso, a demora na etapa de julgamento e as ameaças mantêm o assassinato de Amparo Leonor Jiménez sem punição.