30 Outubro 2012
Editor do Cachoeiras Jornal, Cachoeiras de Macacu, Rio de Janeiro
Cinco anos depois do assassinato do jornalista Reinaldo Coutinho da Silva, editor do Cachoeiras Jornal, com sede em Cachoeiras de Macacu, Rio de Janeiro, o caso que havia sido apontado como "prioridade" para a polícia do Estado do Rio de Janeiro continua impune. Testemunhas do crime desapareceram, e um dos suspeitos de envolvimento, que havia sido preso por outro crime, já está em liberdade. Em agosto deste ano, após terem sido questionadas sobre o andamento do inquérito pela SIP e pela reportagem do jornal O Globo, do Rio de Janeiro, as autoridades resolveram dar novo fôlego às investigações. E o Disque-Denúncia, uma parceria da organização não-governamental Associação Rio Contra o Crime com a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio, está oferecendo uma recompensa de R$ 2 mil para quem der informações sobre o caso. Quatorze tiros foram disparados contra o jornalista quando parou no sinal da avenida Edson, próximo ao número 2.818, no bairro Lindo Parque, em São Gonçalo. Eram cerca de 7h30 de uma terça-feira, 29 de agosto de 1995. O automóvel Gol dirigido por Reinaldo se encontrava próximo a um entroncamento onde, numa esquina, há um Sacolão (mercado de frutas e legumes) e, na outra, um lava-carros e uma escola. No lado oposto, uma igreja. Mas a violência foi tamanha, que as testemunhas preferiram o silêncio.
Os depoimentos coletados pela polícia apresentam contradições. Uma das versões é de que os assassinos eram três e que estavam em uma motocicleta e num automóvel Gol cinza. O carro teria se alinhado ao do jornalista, ou parado atrás do dele, e o carona o teria matado com disparos de pistola. Outras testemunhas afirmaram que o veículo dos assassinos seria um Fiat preto. Pelo menos duas pessoas chegaram a comentar com conhecidos da família de Reinaldo detalhes sobre os veículos e os suspeitos do crime. Uma delas trabalhava numa loja de tintas localizada na avenida Edson. A loja foi fechada logo em seguida. A outra era um morador de Papucaia, distrito de Cachoeiras de Macacu, localizado a 30 quilômetros de São Gonçalo. Depois de terem sido contatadas, porém, sumiram da região.
O jornalista parecia estar prevendo que alguma coisa iria lhe acontecer. Não falava sobre ameaças. "Era muito discreto, não gostava de preocupar os amigos", recorda Silvio Martins Paixão, presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado do Rio de Janeiro, que trabalhou com ele no jornal O Fluminense. Mas, dias antes do seu assassinato, Reinaldo comentou com familiares ter visto uma caminhonete pick-up estacionada durante horas próximo a sua casa, em São Gonçalo.
Reinaldo morava numa rua estreita, de difícil acesso e saída. Desconfiado, chamou a polícia. Antes de chegar ao local, o carro dos policiais ligou uma sirene. Alertado pelo barulho, o motorista da pick-up deu partida no carro, sem ser abordado. Os familiares estranham o fato de que a chamada do jornalista avisando sobre a presença da caminhonete não ter sido encontrada nos registros da polícia.
Na tarde anterior ao do assassinato, um vizinho lembra ter sido consultado por um homem grisalho, bem vestido, sobre o endereço de Reinaldo. Conforme este vizinho, a pessoa já sabia onde era a casa, queria apenas saber se a rua tinha somente aquela saída estreita. O homem estava num automóvel Gol.
Na terça-feira em que foi morto, Reinaldo dirigia-se a uma reunião do Instituto de Pesquisas, Estudos e Desenvolvimento de São Gonçalo (Ipedesg), órgão fundado por ele, junto com outros membros da comunidade, para discutir e apontar soluções para problemas da cidade. Naquele dia, ironicamente, estava sendo esperado como palestrante da reunião o secretário de Segurança do Estado, Nilton Cerqueira, para tratar do tema violência.
Na época do crime, o delegado José Fernando Beliche, da 72ª Delegacia de Polícia, cogitou algumas hipóteses como causas. Uma delas estava relacionada a documentos encontrados no carro de Reinaldo no dia de sua morte, que incluíam cópias de uma ação civil pedindo a interdição de um loteamento de Serafim Gomes, irmão do ex-prefeito Rui Coelho Gomes, em uma área de preservação ambiental na região de Boca do Mato, em Cachoeiras de Macacu.
A segunda suspeita recaiu sobre o fotógrafo Fábio Barroso, um dos sócios de Reinaldo no Cachoeiras Jornal, devido a um desentendimento sobre o faturamento do jornal. Segundo familiares do jornalista, no período que antecedeu sua morte, Reinaldo havia contratado um auditor para cuidar das finanças do empreendimento, desconfiado de desvio de dinheiro. Barroso negou à SIP que houvesse qualquer briga entre os dois, a não ser as discussões tradicionais para a edição do periódico.
"Minha família é de Cachoeiras, e trabalhamos juntos em O Fluminense. Por isso quando Reinaldo precisou de alguém para fazer fotos, me chamou.", disse Barroso. Conta que, no dia do crime, ele estava no Rio de Janeiro porque tinha ido levar sua mulher para fazer compras. "Reinaldo era como um pai, aprendi muito com ele", afirma.
Barroso possuía 10% da sociedade no jornal. Outros 30% eram de Sueli Coutinho, que tinha um escritório de imóveis ao lado da sede do Cachoeiras Jornal e passou, por insistência de Reinaldo, a participar da equipe desde o princípio. Em 1995, Sueli estava voltando de uma viagem de dois anos aos Estados Unidos quando aconteceu o assassinato. Com medo, pediu seu desligamento do jornal.
A família de Reinaldo consolidou a separação da sociedade do que restava da parte do pai. Barroso manteve os colaboradores, mas montou então seu próprio periódico, que permanece funcionando até hoje, em outra sede. Modificou apenas o nome para Jornal Cachoeiras.
Outra hipótese cogitada pela polícia como causa do crime foi a disputa entre Reinaldo e Rogério Mesquita, dono do jornal Atualidades, pela concorrência na divulgação de editais e atos oficiais da Prefeitura de Cachoeiras de Macacu. Segundo Mauro Ricardo Henriques da Silva, filho de Reinaldo, os atos eram publicados no Cachoeiras Jornal porque o município não tinha Diário Oficial. Com a troca do executivo municipal, o prefeito passou a publicação para o jornal Atualidades, sem abrir concorrência pública. Reinaldo entrou com uma ação civil contra a Prefeitura para garantir o direito de continuar com os anúncios e ganhou.
A polícia deve investigar os indícios, fornecidos por pessoas que conviviam com o suspeito e com a vítima, de que Mesquita tenha relação com o bicheiro Waldenir Paes Garcia, o Maninho, condenado por formação de quadrilha e por contravenção. Segundo investigações do Ministério Público, Maninho mantém na região de Cachoeiras de Macacu fazendas e criações de cavalo. Reportagem publicada pelo jornal O Dia, do Rio de Janeiro, menciona Mesquita como segurança do bicheiro. A SIP não conseguiu localizar Mesquita para uma entrevista.
Testemunhas contam que, pelo menos duas vezes - uma delas na redação do Cachoeiras Jornal e outra numa festa no parque de rodeios da região -, pessoas ligadas a Mesquita teriam ameaçado Reinaldo. Além da concorrência pela publicidade, havia outro ponto de divergência: Reinaldo havia publicado em seu jornal manifestações contrárias à emancipação de Papucaia, distrito de Cachoeiras de Macacu, defendida pelo concorrente. "Se Papucaia se emancipar, vai virar uma nova Colômbia", disse o jornalista, uma vez, a um de seus amigos, fazendo referência ao tráfico de armas e drogas que acreditava passar pela região. Em sua coluna no jornal Atualidades, Mesquita tornava público o impasse. "Reinaldo não respondia às provocações, ele era muito ético e sabia como lidar com essas coisas", conta a ex-sócia Sueli.
Existe ainda a suspeita de que a morte de Reinaldo esteja relacionada à prisão, em Cachoeiras de Macacu, de policiais civis e militares acusados de formação de quadrilha. Os nomes e as fotos dos envolvidos foram publicados na capa do Cachoeiras Jornal, editado por Reinaldo, em 18 de agosto de 1995.
As poucas pistas que surgiram sobre suspeitos foram sendo esvaziadas. Em 8 de março de 1996, o soldado da Polícia Militar José da Silva Filho, residente em Japuíba, distrito de Cachoeiras de Macacu, foi preso em flagrante com um automóvel Gol cinza metálico, com placa falsa. Os policiais fizeram uma busca na casa de Silva a partir de uma denúncia de que ele teria alguma relação com a morte de Reinaldo. Condenado a quatro anos e seis meses de prisão por roubo, Silva recorreu e teve a pena reduzida para dois anos. Foi solto em setembro de 1998, sem ter sido comprovada sua participação no homicídio do jornalista.
Extra-oficialmente, havia circulado o boato de que uma pessoa, bêbada, teria mencionado numa padaria em Japuíba que Silva havia "matado um jornalista". Madelon Pinto da Silva, que na época do crime era mulher de Silva, disse nada saber sobre esses boatos, embora seu nome fosse citado como sendo a própria pessoa que teria falado demais. "Ele não teria motivo para matar. Além disso, no dia do crime, estava em casa comigo", garante, contradizendo uma outra testemunha que afirmou ter visto Silva chegar a sua casa por volta das 11h30.
Apesar de afirmar estar separada de Silva, Madelon telefonou para ele, de um telefone público em frente ao local em que trabalha, em Cachoeiras de Macacu, e o colocou em contato com a SIP. Pelo telefone, o ex-soldado da Polícia Militar disse que não queria dar entrevistas. Lembrou que nada havia sido comprovado contra ele e que já havia sido muito prejudicado, pedindo que o esquecessem.
De fato, o inquérito sobre a morte de Reinaldo permaneceu praticamente esquecido até agosto deste ano. "O inquérito não está mal conduzido, mas faltou apuração", admite Milton Roberto Olivier de Azevedo, da Controladoria Geral de Atividades Internas da Secretaria de Estado de Segurança Pública do Rio de Janeiro, órgão encarregado de fiscalizar a ação da polícia. "Não há interesse da polícia de proteger os criminosos. Houve problemas por falta de recursos. Além disso, esse crime é difícil de elucidar porque as pessoas têm medo de falar", diz Azevedo.
Segundo o titular da Delegacia de Homicídios encarregado da investigação, Paulo Passos Silva Filho, que assumiu o cargo em janeiro de 2000, o inquérito havia sido enviado em janeiro à 4ª Vara Criminal de São Gonçalo para que o Ministério Público tomasse conhecimento das diligências realizadas. Somente no dia 25 de agosto deste ano voltou a suas mãos. "Vamos dar andamento", prometeu o delegado.
A mesma promessa havia sido feita em outubro de 1995, quando o então Chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, Hélio Luz, nomeou o detetive e inspetor Jamil Warwar para presidir o Grupo de Investigação Especial criado com o objetivo de apurar os crimes de grande repercussão. Um dos casos considerados prioridades na época foi o de Reinaldo Coutinho da Silva.
Atualmente deputado estadual, Hélio Luz surpreendeu-se ao saber que o crime não foi esclarecido até hoje. "O grande problema é a estrutura do Estado no Brasil que, antes de tudo, tem uma polícia para fazer o controle social, mas não há investimentos para a apuração de homicídios", analisa Luz.
O deputado, que passou 10 anos na divisão de Homicídios, lembra que a inibição destes crimes seria uma forma de acabar com os demais: "Jogo do bicho, narcotráfico, tudo se garante com o homicídio". Hélio Luz acredita que a apuração da morte de Reinaldo Coutinho da Silva pode esbarrar em pessoas ligadas ao jogo do bicho e a interesses políticos locais. "Se fizer um Raio X na região de Cachoeiras de Macacu, verá que o jogo do bicho não está na rua, mas os bicheiros têm criação de cavalos e fazendas lá - o parque de exposição é sustentado por eles", observa. Investigações feitas pela polícia indicam que o jogo do bicho está ligado a lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e armas. Em casos como o da morte do jornalista, a polícia local não dá conta, enfatiza. "Sempre que se examina um homicídio, tem de ser de fora, em nível estadual, porque a pressão é muito forte."
São Gonçalo, onde Reinaldo vivia e foi morto, é a segunda cidade em população do Estado do Rio de Janeiro. O último censo apontou cerca de 800 mil moradores, mas os cálculos indicam que hoje deva estar em torno de 1,2 milhão de habitantes. Dezoito quilômetros separam a Capital do Estado, Rio de Janeiro, de São Gonçalo, que fica na Região Metropolitana.
Os prédios pichados até o teto, a fumaça e o ruído constante dos ônibus são o cartão de apresentação do município. Durante muito tempo considerado cidade-dormitório, vive do comércio e da indústria e é a quinta economia em arrecadação de impostos no Estado. Só que o crescimento da população não foi acompanhado pelo desenvolvimento econômico. Os homicídios na região, de acordo com levantamento da delegacia especializada, geralmente têm origem nas guerras entre quadrilhas ligadas ao narcotráfico, pela disputa de áreas de domínio, bem como de dívidas existentes na aquisição de drogas.
Cachoeiras de Macacu, cidade onde funcionava o jornal de Reinaldo, fica na região da Baixada Litorânea, a 20 quilômetros de São Gonçalo. O Promotor de Justiça de Cachoeiras do Macacu, Paulo Sérgio Rangel do Nascimento, acredita que a morte do jornalista foi tramada nesta cidade. O fato de ter sido executada fora dali pode ser uma forma de tentar despistar a polícia ou de escapar da alçada de Nascimento. Isto porque o promotor foi o responsável pela denúncia sobre a quadrilha formada por policiais civis e militares que atuava na região - a notícia da prisão, publicada no Cachoeiras Jornal, foi cogitada como uma possível causa da morte de Reinaldo. O promotor não acredita nesta hipótese. "Os jornais O Globo e O Dia também publicaram as fotos e a matéria. A bronca não seria com Reinaldo, seria comigo e com o juiz."
Outros crimes aconteceram em Cachoeiras de Macacu sem que fossem presos os culpados. A impunidade foi denunciada por Reinaldo, antes de sua morte, em artigos publicados no Cachoeiras Jornal.
Depois do assassinato de Reinaldo, seus filhos receberam ameaças. Temendo por sua família, José Ronaldo Henriques da Silva mudou de Estado com a mulher e os filhos. Na época, ele fazia serviços de diagramação e ajudava o pai orientando os vendedores na área de marketing para o Cachoeiras Jornal. "Não acredito mais nas instituições, queria sair do Brasil", confessa José Ronaldo. Diz que pretende abrir um processo contra os fabricantes das balas do revólver que atingiram seu pai para chamar a atenção do mundo sobre a violência. "Não quero que achem um bode expiatório, quero justiça", afirma.
Admirado por sua competência e determinação
Leitor voraz, Reinaldo Coutinho da Silva adorava os clássicos e os livros de História. E escrevia muito: de textos críticos e contundentes que publicava no jornal, a poesias carregadas de sensibilidade e emoção. Apesar de gostar de política, nunca quis se candidatar a nada. Era, na verdade, um grande idealizador de projetos sociais. De seus sonhos de transformar a sociedade surgiu o Instituto de Pesquisas, Estudos e Desenvolvimento de São Gonçalo (Ipedesg), organização não-governamental que reunia membros da comunidade para discutir soluções para os problemas da cidade.
Era um membro atuante da Loja Maçônica Nova Estrela do Oriente, em São Gonçalo, tendo chegado à posição de "venerável" (presidente). "Sempre defendeu os mais fracos e pregou a democracia", conta o militar aposentado José Roberto Boechat, atual presidente da loja maçônica.
Sua curiosidade pela História o transformou num dos maiores conhecedores da memória de São Gonçalo. Pretendia fazer um arquivo de voz de pessoas de destaque para montar um banco de dados. Mesmo depois de ter lançado o seu próprio jornal em Cachoeiras de Macacu, continuou escrevendo para o Nosso Jornal, de São Gonçalo, para manter uma participação ativa na vida do município.
Reinaldo era um apaixonado pelo jornalismo, a ponto de não desligar o faro pela notícia nunca, nem nos momentos de folga - nessas horas, quando podia, buscava a paz do campo para passear, e chegou a mencionar a vontade de comprar um sítio. Boêmio, à noite, depois de sair do trabalho, ia beber com os amigos e colocava em prática seu maior dom, que era conversar com as pessoas, independentemente de classe social.
Planejava fazer do Cachoeiras Jornal uma referência na região. Havia comprado um terreno onde pretendia instalar uma gráfica. Sua obstinação era visível desde o primeiro número do jornal, quando pegou uma pilha de exemplares e foi distribuir, ele próprio, à população. O resultado do esforço não foi em vão. Quando o semanário Cachoeiras Jornal aparecia nas bancas da Rodoviária de Cachoeiras de Macacu, esgotava em minutos.
Dos três filhos de Reinaldo, o que seguira mais próximo a carreira do pai era Carlos Rogério Henriques da Silva, que cursava a Faculdade de Comunicação e trabalhava numa revista fazendo traduções. Para tristeza do jornalista, porém, Carlos morreu aos 21 anos, em um acidente de carro com a mãe, Maria Gilda Henriques da Silva, em 1986. O automóvel em que mãe e filho estavam, apesar de parado, foi atingido por um ônibus. A tragédia abalou Reinaldo profundamente, e sua revolta foi registrada no jornal, na forma de denúncias. Como no texto publicado em O Fluminense:
"Precisamos então, sem temor, denunciar e desconfiar do sistema que permite o tráfego de ônibus sem as mínimas condições de segurança que andam apinhados de passageiros, como é o caso da empresa envolvida nesse processo; denunciar o acumpliciamento das autoridades que permitem a utilização de aposentados e militares da ativa e da reserva conduzindo coletivos, dando aos empresários o lucro do não-pagamento das obrigações sociais; denunciar os motivos da morosidade da Justiça; denunciar a máfia dos transportes que negocia o risco de vida de passageiros em troca de favores e propinas de empresários inescrupulosos."
Os amigos que trabalharam com ele guardam boas lembranças do profissional sério e competente. José Fernando Oliveira Vaqueiro, proprietário de uma gráfica, era secretário de Administração do governo do prefeito Jaime Campos, em São Gonçalo, quando Reinaldo assumiu o cargo de Divulgação e Turismo. Depois, os dois fizeram juntos o jornal O São Gonçalo. "Ele conseguia agregar todo mundo, sabia ouvir", relata Vaqueiro. "Tinha uma capacidade de síntese enorme", diz o atual secretário municipal da Indústria e Comércio de São Gonçalo, Aurenildo Brito de Azevedo, que fundou, com Reinaldo, o Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento de São Gonçalo. E, sobretudo, era dono de uma paciência inigualável para ensinar os outros a fazer o que mais gostava: escrever e editar um jornal.
"Uma oportunidade, se não aproveitada, vira dificuldade", avisava ele aos repórteres iniciantes, como Adriana Vieira. "Reinaldo era fantástico, ensinava muito, mas cobrava muito trabalho também", recorda Adriana, que continua no Jornal Cachoeiras. Foi ele quem convenceu o então gerente de supermercado Erikson Fonseca de Miranda, o Etinho, a escrever uma coluna sobre esportes, e acabou transformando-o num fotógrafo e redator. "Reinaldo falava que tinha vindo dar uma voz a Cachoeiras", observa Miranda, agora dono de seu próprio jornal. Miranda foi encarregado por Reinaldo de fazer as fotos dos policiais acusados de formação de quadrilha, presos em Cachoeiras de Macacu. As fotos publicadas na capa mais tarde foram cogitadas como uma das causas da morte de Reinaldo.
Marilda da Silva Henriques, companheira de Reinaldo nos últimos anos de sua vida, lembra que ele era uma pessoa muito sensível e sempre dizia: "Podem até me matar, mas o meu jornal é da verdade. A única coisa que tenho medo é de colocarem fogo no jornal e eu ter de começar tudo outra vez."
A voz de Reinaldo
Os artigos de Reinaldo Coutinho da Silva denunciavam a mesma violência de que, ironicamente, foi vítima. Uma de suas últimas publicações, em Nosso Jornal de São Gonçalo, que circulou de 25 de agosto a 1º de setembro de 1995, intitulava-se O bom e o ruim da polícia. E dizia:
"... o problema mais grave com a segurança pública ainda é o lixo acumulado debaixo dos tapetes, incluindo aí as questões econômicas, sociais e educacionais. A polícia, por sua ação normativamente repressora, nunca, em tempo algum, teve boa imagem junto à população, porque há e haverá sempre alguém reclamando, com razão ou não, de pressupostos direitos atingidos pela força da lei ou por métodos e posturas mal utilizados. Fabricar a boa imagem, portanto, é questão tecnicamente secundária. "
"O brilho desse verniz poderia ter outra tonalidade se os governos cumprissem fielmente o dever apolítico de garantir ao cidadão o direito da segurança. Além disso, oferecer condições técnicas, educacionais e materiais às instituições encarregadas de preservar a lei e a ordem pública. Ao contrário, permitiram anos a fio que se criassem corporativismo e clientelismo, trocando, muitas vezes, a boa formação e a qualificação pelo mérito político. (...)"
"Se a polícia é despreparada, conivente, omissa e corrupta, como separar, agora, o joio do trigo? Pôr para fora a escória policial, deixando a sociedade a mercê dela, sem um mecanismo de controle e defesa? Municiar e equipar as instituições antes da vassourada geral e da formulação de um projeto eficiente de segurança pública? O que fazer?"
"São indagações que a sociedade requer respostas. E para isto será preciso ter coragem de divulgar e deixar ser divulgado, sem constrangimentos, o lado ruim da PM e da Polícia Civil. (...)"