30 Outubro 2012

Investigación Previa

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Gerardo Bedoya aproximou-se da mesa de Isabella Prieto, sua colega e protegida no El País. Levava sua coluna para o dia seguinte "Pense em um título", disse com sua voz grave. "Estava satisfeito consigo mesmo", lembra-se Prieto. A coluna apoiava a extradição dos narcotraficantes, um tema delicado em Cali, onde o Cartel de Cali havia se enraizado há duas décadas. Bedoya,um escritor refinado e um pensador atrevido pouco conhecido fora de Cali, era o entusiasmado diretor das páginas editoriais do jornal El País. "Há meses escrevia agressivamente contra o narcotráfico", acrescentou Prieto. "Nós jáo havíamos advertido que suavizasse o tom,mas ele não mudou."Com isso, Bedoya violava uma regra não escrita entre os jornalistas de Cali: não escrever nada negativo sobre o cartel das drogas.
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Bedoya odiava os cinco chefões do cartel.Em suas colunas,publicadas duas vezes por semana,criticava duramente os chefes da droga,que se apresentavam como cidadãos civis honrados.Criticava também os cidadãos de Cali que se dobravam ante os desejos dos traficantes.Sua linguagem,irônica e cheia de desprezo,cortava como um fio de navalha.Mestre no uso do idioma,Bedoya tornava-se mais atrevido com o passar do tempo. O artigo que lhe custou a vida foi publicado em 27 de fevereiro de 1997.Três semanas depois –em 21 de março –um pistoleiro baleou-o em uma rua escura. Foi a vingança do Cartel de Cali.E mais,parecia que a intenção do Cartel era assassinar não apenas o homem,mas também sua reputação.A investigação de homicídio está repleta de meias verdades e demoras provocadas por rumores.Os rumores fabricados por seus assassinos que tentam desprestigi á-lo relacionando seu assassinato não a seu ofício,mas às suas tendências homossexuais.Um rumor infundado,visto que Bedoya tinha fama do que na Colômbia é chamado de "pipi-loco ",como são conhecidos os mulherengos.Entretanto,o que é grave nesse caso é que a Procuradoria aceitou a tese da homossexualismo por tanto tempo que outras provas foram perdidas. Trechos da coluna “Textos ” publicada por Gerardo Bedoya no El País de Cali, Colômbia “O que mais me indigna na presença insultuosa dos traficantes de drogas em Cali é a indiferença, a pusi- lanimidade e a tolerância com as quais nós, caleños, suportamos esses personagens durante vinte anos. Não fomos capazes de nos livrar de suas garras por iniciativa própria;se não fosse o procurador e os gringos, continuaríamos aceitando passivamente a dominação iníqua do nar- cotráfico sobre nossa cidade.” –4 de janiero de 1996 As insinuações afetaram diretamente a investigação do governo,atrasando os Procedimentos e colocando o caso em uma impunidade total dois anos depois do crime. Pouca tolerância com as drogas A decisão de matar Bedoya foi provavelmente tomada em 1995.Nesse ano, Bedoya começou a escrever seus artigos mais ásperos contra o cartel.Os colombianos viviam seu pior pesadelo:a corrupção da droga havia penetrado nas esferas mais altas da política,dos negócios e da sociedade.Bedoya mostrava-se impaciente com seus compatriotas diante da indiferença frente ao cartel."Permitimos que prosperem ",quei xava-se com os amigos. Tinha pouca tolerância com as drogas.Chegou a proibir sua cozinheira de fazer compras na cadeia de farmácias "La Rebaja ",cujos donos eram Miguel e Gilberto Rodríguez Orejuela,chefões do cartel. A Colômbia foi abalada em 1995 com a notícia de que o presidente Ernesto Samper havia recebido cinco milhões de dólares em contribuições dos narcotraficantes de Cali para sua campanha política.As acusações foram reveladas inicialmente por Andrés Pastrana,que as revelou em sua primeira apresentação televisionada,em 24 de julho de 1994,depois de ser derrotado por Samper nas eleições presidenciais.Foi apresentada uma fita que continha gravações de conversas nas quais os irmãos Rodríguez Orejuela falavam de suas contribuições monetárias para a campanha presidencial de Samper. Isso foi o começo de tudo.Entre 1995 e 1997,o procurador Alfonso Valdivieso iniciou um esforço titânico –conhecido como o Processo 8000 –para terminar com a corrupção nos círculos políticos.Dezenas de políticos e empres ários acusados de receber suborno dos narcotraficantes foram julgados e presos.O processo quase paralisou o governo,mas o presidente Samper recorreu à astúcia política para manterse no poder,mesmo com o profundo desgosto e repúdio do público.O Congresso colombiano absolveu-o das acusações de conduta imprópria.Muitos membros do Congresso temiam que também fossem investigados.povo colombiano entre os que apoiavam Samper e seu Partido Liberal e os que exigiam uma responsabilidade total e a renúncia de Samper.O presidente Samper conseguiu terminar seu mandato e passar o poder a seu sucessor,Andrés Pastrana,em agosto de 1998. Samper conseguiu ficar no poder explorando a insatisfação do povo colombiano com a política norte-americana a respeito dos narcóticos.Os colombianos estão cansados da pressão exercida pelos Estados Unidos em assuntos que,para eles, são de ordem interna.Muitos declararam que os Estados Unidos concentram injustamente o maior peso de sua política anti-drogas nos países produtores e pouco nos consumidores norte-americanos. Bedoya disse a seus amigos que o governo colombiano nunca havia investigado o próprio governo,a não ser pela pressão norte-americana e a tenacidade do procurador Valdivieso,que levou a sério seu cargo.(Valdivieso é primo de Luis Carlos Gal án,o candidato presidencial do Partido Liberal,assassinado pelos narcotraficantes em 1989.) Todos esses aspectos estavam presentes no comentário que custou a vida de Bedoya,publicado em fevereiro de 1997. Bedoya era um dos poucos jornalistas e colunistas que escreviam contra o narcotráfico e Samper.A maioria desses jornalistas,entretanto,era radicado em Bogotá e,por isso,estava menos exposta ao perigo do cartel de Cali.Na verdade, a imprensa nacional com sede em Bogotá publicou grande parte da investigação do Processo 8000,visto que o gabinete do procurador vazava grande parte das descobertas da investigação para evitar que o governo de Samper colocasse obstáculos ao processo. O fato de Bedoya morar e escrever em Cali tornava sua situação quase suicida.A maioria dos chefes do cartel de Cali estava presa em 1996,mas isso não significava que não tinham mais controle sobre o tráfico de drogas.Uma leitura das colunas e dos editoriais de Bedoya dei xava a impressão de que ele sabia disso. Segundo antigos funcionários norte-americanos,a organização de Cali planejou reduzir o volume do cartel alguns anos antes de seus líderes se entregarem."O cartel nunca foi dominado;simplesmente foram desmanteladas as operações maiores,que foram divididas em células ",declarou um especialista no assunto. Para Cali, a queda do cartel representou a perda de muitos investimentos procedentes do tráfico de drogas,que eram dirigidos às indústrias de construção e serviços.A taxa de desemprego da cidade subiu para 18%. Começou também a se dissipar o poder cívico que os narcotraficantes exerciam sobre a cidade.A polícia dei xou de parar o trânsito nas ruas principais para dar passagem às caravanas motorizadas dos traficantes.Não se viu mais o bloqueio das ruas por onde Miguel Rodríguez Orejuela passava para visitar sua amante. “Não somos um país sério. Permitimos que um chefão do narcotráfico, cuja fuga era previsível devido ao imenso poder corruptor dessa atividade,fugisse em plena luz do dia para vergonha dessa nação perante o mundo. Temos demonstrado e confirmado diante do mundo um fato que terá repercus- sões inegáveis: o Estado colombiano é incapaz de manter em suas prisões pessoas acusadas de graves delitos e com um grande poder econômico. O caso de Pablo Escobar o demonstrou. O caso de José Santacruz o confirma.” - 12 de janeiro de 1996 (Após José Santacruz, líder do Cartel de Cali, escapar da prisão) Bedoya exigiu medidas que assegurassem que os narcotraficantes não voltariam a dominar sua cidade. Apoiou propostas destinadas a criar leis rígidas para controlar a lavagem de dinheiro. Apoiava, também,um projeto controvertido para restaurar retroativamente a extradição de cidadãos colombianos acusados de crimes em outros países,principalmente nos Estados Unidos.Em seus editoriais, Bedoya favorecia claramente a posição norte-americana. Em 18 de janeiro de 1996,escreveu:"O narconacionalismo usou o patriotismo latente dos colombianos para abolir a extradição.Desfizeramse dela explodindo bombas,pagando subornos e usando uma retórica populista.Nossa soberania! As palavras belas que podem ter um sentido estúpido.Nunca devíamos ter perdido essa chave.A extradição era uma força persuasiva.Era a última opção para um país f raco e economicamente pobre,que deve se defender dos criminosos mais poderosos e ricos.Nunca pensei que a extradição violasse nossa soberania." Ao mesmo tempo,o senador norte-americano Jesse Helms,presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado,pedia ao presidente Clinton que negasse a certificação da Colômbia.John Deutsch,diretor da Agência Central de Inteligência, declarou que a crise colombiana e a cumplicidade de Samper na narcocorrupção criavam um sério desafio para a política norte-americana.aça silenciosa por parte dos narcotraficantes ",afirmou Luis Cañón,atual chefe de redação do jornal El Espectador ,de Bogotá .Bedoya obviamente calculou mal esse perigo. Mesmo que tenham sido leves as penas recebidas pelos chefões de Cali –a pena máxima foi de nove anos –eles temiam a extradição. Grafites a favor dos narcotraficantes apareceram nas paredes da cidade.Os traficantes de drogas estavam dispostos a cumprir suas sentenças na Colômbia e a devolver uma parte de sua considerável fortuna,calculada pela revista Forbes entre as cem maiores do mundo.Mas jamais aceitariam o que Bedoya defendia:a renúncia total das propriedades obtidas com o dinheiro do narcotráfico e a extradição retroativa. O apoio de Bedoya à posição norte-americana –extraditar os traficantes de drogas para os Estados Unidos devido à insegurança das prisões colombianas –determinou sua sentença de morte.Colunas como as que escreveu após a fuga de José Santacruz Londoño,outro chefe de Cali,de uma prisão de pena máxima,colocaram mais lenha na fogueira. "Na Colômbia,as prisões de segurança máxima são, na verdade, prisões de máxima insegurança", escreveu. Sua prédica contra Samper É possível que se tenha começado a planejar a morte de Bedoya em dezembro de 1995, mais ou menos quando os chefes do cartel de Cali começaram a planejar sua rendição. A polícia havia reforçado a proteção dada aos principais jornalistas de Bogotá,mas esquecera-se dos jornalistas do interior.Bedoya transitava por Cali em um simples Volkswagen Golf. Seu motorista, Leopoldo, era um homem de 50 anos que trabalhava com ele há muitos anos. Bedoya dizia que Cali havia se transformado em uma cidade cívica e que respeitava a lei. "Dizia constantemente –observou seu primo,Hugo Borrero –que as pessoas devem ser lembradas do que é correto." Em 6 de janeiro de 1996,Bedoya escreveu: "A cidade poderia ser melhor do que é. Poderia ser o que deveria ser. Poderia recobrar sua tranqüilidade …poderia reafirmar nosso sentido de comunidade. Poderia exilar os narcotraficantes.Tudo isso é fácil, inclusive o último item, se houver a vontade oficial e coletiva para fazê-lo". Sua coluna sobre Diego Maradona,o famoso jogador de futebol argentino, representou um perseguição ao tráfico de drogas : "Maradona presta um grande serviço à juventude.Por quê?Porque diz a verdade. As drogas são ruins ;o vício da droga é um abismo e uma tragédia …Em (recente) entrevista,Maradona disse que devia haver pena de morte para os narcotraficantes." Bedoya chegou ao ponto de detestar o presidente Samper. “A rendição e subseqüente prisão de Helmer ‘Pacho ’ Herrera serão um triunfo das autoridades,desde que a Procuradoria e os juízes possam comprovar os delitos e que o suposto narcotraficante pague uma san-ção condigna …Apesar de ser verdade que os principais chefes, pelo menos os identificados pelas autoridades, estejam presos, ainda não se comprovou que as atividades do narcotráfico que dependem deles tenham cessado … não seria estranho, como ocorreu em Medellín, que alguns dos chefões continuassem no poder, mesmo dentro da prisão.” –3 de setembro de 1996 (Por ocasião da rendição do último chefe do Cartel de Cali) As primeiras colunas de Bedoya sobre a cumplicidade de Samper com o cartel de Cali foram diretas,porém respeitosas. "Não é f ácil renunciar.Mas seria um ato de vontade que o povo colombiano e futuras gerações agradeceriam a Ernesto Samper ",escreveu em janeiro de 1996. Em pouco tempo suas colunas tornaram-se mordazes.Quando ficou claro que Samper havia feito tratos com congressistas influentes para enfraquecer a investigação do Congresso colombiano,em junho de 1996,Bedoya escreveu: "E agora o que acontece?O presidente não quer sair …não seria improvável que nos cans ássemos desse confronto,que aceitássemos com resignação o que é melhor, mesmo que tenha havido dinheiro do narcotráfico,que o presidente continue no poder …Mas esta atitude é suicida para um país que tem diante de si a melhor oportunidade para lavar sua democracia e fazer um profundo e sincero exame sobre os perigos do narcotráfico." Em setembro de 1996 descobriu-se heroína no avião presidencial que deveria levar Samper às Nações Unidas.O governo de Samper disse que a heroína era parte de uma conspiração norte-americana. Bedoya escreveu:"Chega de especulações ;chega de inventar truques.A heroína no avião presidencial foi apenas mais um episódio da tragédia colombiana …foram os narcotraficantes que pretendiam enviar outra remessa para os Estados Unidos aproveitando a imunidade do avião presidencial". Bedoya acreditava em sua missão:"Nossa função,dos pobres jornalistas,é reconstruir a esperança", escreveu. Seu último trabalho jornalístico Uma amiga de Bedoya,Ximena Palau,o advertia quando considerava que ele estava se excedendo. "Cale-se –repetia –porque você vive nas entranhas da besta ",dizia-lhe.Bedoya não lhe avisou sobre a coluna que seria publicada em fevereiro de 1997. Rodrigo Lloreda,então diretor do El País ,assustou-se quando leu o comentário.Havia pedido a Bedoya que suavizasse seus artigos.Lloreda é um homem tranqüilo;conhecido por sua imparcialidade;sua família fundou o El País . O jornal é moderno e bem redigido.Mas o estilo de Lloreda não era atacar os narcotraficantes. Era tarde da noite quando Lloreda ligou para Bedoya para lhe avisar que iria editar a coluna,segundo informações de funcionários do jornal.Lloreda mudou o título e retirou as referências aos irmãos Rodríguez Orejuela. Mesmo com essas mudanças,o comentário foi o mais provocativo que saiu na edição do dia seguinte:"Mesmo que me chamem de pró-ianques ".Assim começava o primeiro parágrafo: "Prefiro a pressão dos Estados Unidos à pressão dos narcotraficantes.Prefiro a influência dos norte-americanos sobre nosso governo à influência dos narcotraficantes.Prefiro a intervenção dos Estados Unidos em nossos assuntos internos à do cartel das drogas." "A pressão norte-americana tem os seguintes efeitos :1)Uma lei contra a lavagem de dinheiro.2)Condenações maiores para os traficantes.3)Maior segurança nas prisões para que os criminosos não possam fazer o que tiverem vontade.4)A fumigação de milhares de hectares de amapola e coca.5)O ressurgimento do tema da extradição como assunto legítimo e não como um tema tabu,intoc ável e proibido. 6)A formação de uma consciência pública que reconheça os danos que a droga causa ao sistema político e à sociedade em geral. "A pressão dos narcotraficantes sobre nosso governo e nossa sociedade teve os seguintes efeitos :1) Um código penal escrito sob a influência de advogados que trabalham para os traficantes. 2) As ridículas penas carcerárias impostas aos criminosos. 3) A eliminação da extradição (de colombianos)como arma para combater o crime internacional. 4) A corrupção política 7) Contribuições financeiras a uma campanha presidencial que ganhou as eleições." Os amigos de Bedoya ainda sentem arrepios quando lêem essa coluna. Bedoya transformou-se na única voz forte de protesto em Cali.O último jornalista de Cali que se atrevera a fazê-lo tinha sido Raúl Echavarría Barrientos,subdiretor de outro jornal de Cali,o Occidente .Echavarría foi assassinado em 1986,dois dias depois de seu jornal publicar um editorial apoiando a proposta do presidente norte-americano Ronald Reagan,que pedia a pena de morte para os narcotraficantes. Sua vida pessoal Ximena Palau disse que quase chorou na manhã que leu a coluna pró-ianques. "Sabia que ele havia assinado sua sentença de morte ",disse,com voz emocionada."Só quem estava em Cali sabia a gravidade do título e do conteúdo da coluna." Entrevistada em Bogotá,onde mora atualmente,Palau declara sua raiva diante da falta de justiça no caso Bedoya.Mostra uma foto sua com Bedoya tirada diante do Lincoln Center de Nova York quando seu romance estava no auge.Bedoya era apai xonado por ópera e música cl ássica.Palau lembra também sua predileção por camisas da marca Brooks Brothers,sapatos Bally e charutos cubanos.Mas não fala com a mesma desenvoltura sobre a pai xão de Bedoya por mulheres bonitas. Ele supostamente tinha uma fraqueza por mulheres bonitas,mas nunca se casou.Em seu enterro estavam presentes "muitas viúvas ",segundo seu primo Hugo."Mantinha a amizade com todas as suas ex-amantes e todas compareceram ao enterro." No dia em que morreu,Bedoya estava acompanhado de uma outra mulher,María Eugenia Arango,uma linda morena pouco conhecida nos círculos de Bedoya.Arango é divorciada e tem uma filha;gosta de jóias e de touradas.Os amigos de Bedoya suspeitam que ela saiba todos os detalhes do assassinato,mas Arango recusou-se a falar com a SIP. As suspeitas em torno de Arango aumentaram quando os amigos de Bedoya souberam que ela declarou à polícia que ele era homossexual e que não tinha relações íntimas com as mulheres.Declarações das ex-amantes de Bedoya,entre elas Ximena Palau,contradizem essa afirmação. Mas os investigadores de Cali aceitaram como autênticas as declarações de Arango. Esses investigadores ainda são os respons áveis pela investigação.Cali é uma cidade tropical e conservadora onde a situação de solteiro de Bedoya despertava suspeitas. A insinuação irrita Palau e o primo de Bedoya,Hugo Borrero.Eles se recusam a falar com a polícia se persistirem em manter essa linha de investigação.A polícia,por sua vez,diz que a família não coopera e que esse é o motivo de o crime não ter sido solucionado.vulgar por parte de quem nunca o conheceu ",afirmou Borrero."Não me importaria,mas o fato é que está atrasando a investigação.É a tática perfeita,o que me faz crer que o assassinato foi parte de uma conspiração maior." Palau,uma mulher elegante de 36 anos,disse que nunca teve um amante tão viril quanto Bedoya.E pergunta:"Acha que ocultaríamos isso se fosse verdade e a chave para solucionar o assassinato?" Um conhecido mulherengo,Bedoya não pretendia se casar."Gostava de viver sozinho ",explicou Borrero."Na minha opinião,ele tinha razão porque era neurótico e difícil de lidar;teria dei xado qualquer mulher louca ".Todos os anos Bedoya dizia aos amigos que "este ano "se casaria,mas nunca o fez. “Ainda mantenho o sonho da certificação; mas o presidente deve desistir dele. As conseqüências econô- micas serão muito graves … Ainda mantenho o sonho porque sei que de alguma forma virá. Somos uma narcodemocracia; o poder do narcotráfico continua em vigor na Colômbia. Ainda temos que refletir muito sobre o mal intrínseco que o narcotráfico representa com suas seqüelas obrigatórias de violência e corrupção.” –30 de maio de 1996 (Sobre a descertificação) Bedoya vivia em uma cidade famosa por suas belas mulheres e clubes noturnos. Mas não era um "homem tropical ".Preferia a música cl ássica,a poesia e os livros. Tinha uma das melhores bibliotecas pessoais de Cali.Viajava a Nova York em busca de estímulo cultural.Tinha uma viagem marcada na semana em que morreu. Bedoya sempre se quei xava da falta de companheiros intelectuais em Cali.Dei xou de ter com quem conversar depois que Palau mudou-se para Bogotá por motivos profissionais. O jornalista ocupou vários cargos políticos em Cali e Bogotá durante o período em que o Partido Conservador esteve no poder.Quando morreu, era presidente do capítulo de Cali do Centro de Estudos Colombianos,uma instituição conservadora.de Bedoya,que era um romântico inveterado, foi cunhada dentro de uma educação rígida jesuíta em um internato de Rochester,Nova York.Passou três de seus quatro anos de escola secundária nessa escola.Adorava Ruben Darío e Baudelaire e recitava de memória sonetos e poemas de outros escritores franceses e ingleses.Gostava de falar sem parar sobre ciência,política e artes.Depois que morreu,seus amigos acharam um pequeno caderno no qual anotava pensamentos sobre a vida, a cidadania,o casamento,a solidão e a felicidade. Na era dos computadores,Bedoya ainda usava uma máquina de escrever Remington portátil, como as que carregavam os correspondentes que viajavam antigamente.Tinha insônia e tomava banhos de duas horas durante os quais montava seu plano de trabalho e os temas sobre os quais escreveria,segundo Palau. Bedoya não era aceito com muita simpatia pelas pessoas.Era extremista em seus gostos,gostava dos que o conheciam ou desprezava quem o desprezava.Muitas pessoas o detestam mesmo depois de morto.Outros ficam com os olhos cheios d ’água ao lembrar-se de sua personalidade neurótica e de seu senso de humor. Juanita,uma jovem negra,era sua cozinheira.Bedoya tinha uma relação especial com ela e seus dois filhos.Essa era uma relação pouco comum em Cali,onde as diferenças raciais são bem marcadas."Rezo para ele quando algo ruim acontece, porque sei que me ajudará ",disse Juanita."Ele foi um grande patrão que não merecia morrer desse jeito ",afirmou. Bedoya também tinha seus favoritos no jornal.Um deles era Diego Martínez, chefe de redação."Gerardo era assombroso.Gostava muito dele e fico triste ao pensar em sua morte ",disse Martínez,fechando os olhos enquanto via um filme com imagens do assassinato. Bedoya saía com várias mulheres.Mas,segundo seus amigos,nunca com mulheres que não fossem de classe alta.A exceção foi María Eugenia Arango,uma mulher linda e misteriosa que conheceu em uma tourada em Cali,em dezembro de 1995. O Crime Pouco antes das 16 horas do dia 20 de março, Arango ligou para Bedoya em seu escritório.O escritório tinha paredes de vidro com aberturas na parte superior.Isabella Prieto e outros repórteres que se sentavam perto de sua mesa sempre podiam escutar Bedoya conversar,pois sua voz era muito alta.Arango pediu a Bedoya que a levasse para ver um apartamento porque seu carro estava enguiçado.Todo mundo lembrava-se dela.Depois que Bedoya a havia levado ao jornal,pouco depois de conhecê-la,havia se transformado em tema de interesse entre os jornalistas. "Ainda me lembro do dia em que entrou na sala de redação ",disse Diego Martínez."Todas as cabeças voltaram-se para vê-la.Era jovem e deslumbrante."e amigos próximos de Bedoya conheceram Arango.Ela é amiga de Clara,irmã de Bedoya,mas este não se dava bem com suas irmãs. Alta,morena e de olhos verdes,Arango atraiu a atenção de Bedoya na tourada.Ela havia comprado em 1995 dois lugares ao lado do reservado a Bedoya.Bedoya estava chateado com a decisão de sua irmã de vender dois lugares exclusivos destinados à sua prestigiada família,de Cali.Eram cadeiras do tipo que passam de geração a geração.São poucos os novos ricos que podem comprá-las. A raiva dissipou-se quando viu Arango em um desses lugares.Supostamente Arango não tinha muito dinheiro, mas diz-se que pagou US$2.000 pelas entradas para a temporada.Clara,a irmã de Bedoya,negou em uma entrevista que tenha sido ela quem decidiu vender as cadeiras a Arango. Disse que foi o próprio Bedoya que se apresentou a Arango e pediu-lhe que ficasse com as cadeiras.Outros amigos e parentes,entretanto,garantem que Bedoya conheceu Arango na praça de touros. Bedoya participou de uma festa de anivers ário para o gerente administrativo do jornal na noite de 20 de março de 1997.Saiu da sede do jornal às 19h30.Seus amigos nunca mais o viram com vida. “A Cruzada pela Moral se reúne …Há muito tempo não se via uma convocação tão bem-sucedida … Todos queriam abalar a indiferença coletiva …Não havia o interesse de um grupo ou partido, mas uma recusa direta da corrupção e de uma democracia envelhecida …Eu, pessoalmen-te, creio que os objetivos devem ser claros e taxativos …Derrubar o Regime … Até que o presidente renun- cie …O Vale do Cauca já está a meio caminho para deixar de tolerar o narcotráfico …” –10 de junho de 1996 (Sobre a campanha dos empresários para rejeitar Samper e o narcotráfico.) O motorista de Bedoya levou o Vol kswagen vermelho até um complexo residencial no sul de Cali.Era ali que morava Arango,com a mãe e a filha.Arango demorou alguns minutos para descer.Bedoya esperou em frente à entrada,uma área mal iluminada na qual caminhou por dez minutos em círculos para se exercitar.Os amigos de Bedoya perguntam por que o assassino não o seguiu e o matou ali mesmo. Segundo informações fornecidas pelo motorista às autoridades,quando Arango apareceu foram para outro condomínio a alguns minutos de distância,o Multicentro, na rua 87 com 12. Arango e Bedoya saíram do carro e passaram pela porta de entrada para ver um apartamento.A área estava escura,visto que a iluminação pública havia se apagado inexplicavelmente nesse dia.O guarda disse ao motorista que estacionasse a alguns metros de distância,de modo que ao voltar pelo portão alguns minutos depois tivessem que caminhar apenas uma pequena extensão ao lado de uma fileira de árvores. Um homem surgiu repentinamente das sombras e disparou cinco vezes diretamente em Bedoya.O assassino usava uma camisa branca e um boné de beisebol. Ao descarregar sua pistola, o assassino gritou:"Bedoya, maricas". (Essa é outra insinuação que levou a polícia a seguir a teoria de um encontro amoroso homossexual.)Bedoya recebeu cinco tiros na parte inferior do abdômen e caiu no chão gravemente ferido.Arango jogou-se no chão;o motorista tremia dentro do carro. O bandido aproximou-se do portão,caminhando tranqüilamente até a esquina. Logo chegou uma moto.As versões da polícia diferem sobre se havia um ou dois assassinos.Os detetives que estiveram no local afirmam que o crime foi obra de assassinos profissionais. "Dispararam com a intenção de matar ",informou uma fonte.O assassino afastou-se calmamente.Ninguém tentou detê-lo.Circundou o muro;as testemunham dizem que ouviram uma moto se aproximar.A polícia acha que havia outro homem esperando na moto. A investigação O assassinato de Bedoya causou protestos irados do público de Cali e do resto da Colômbia. Centenas de pessoas vestindo luto compareceram a seu enterro.A morte de Bedoya foi notícia de primeira página nos principais jornais do país. Colunistas dedicaram crônicas inteiras para homenage á-lo.A reação imediata foi de apontar os narcotraficantes de Cali como culpados do crime. A comissão dos prêmios María Moors Cabot concedeu uma distinção especial póstuma a Bedoya. Rodrigo Lloreda foi a Nova York receber o prêmio, concedido anualmente pela escola de estudos de pós-graduação em jornalismo da Columbia University.O certificado está em exposição no Centro de Estudos Gerardo Bedoya,localizado no sótão do prédio do El País ,em Cali. Mais de dois anos depois do assassinato, a investigação ainda está em seu estágio preliminar. Muita gente simplesmente quer que desapareça. Alguns ex-colegas de Bedoya no El País quiseram falar sobre o caso.Mas Lloreda negou-se a dar entrevistas para a SIP.O chefe de segurança do jornal também não se mostrou disposto a colaborar.Este,cuja responsabilidade era coordenar a investigação por parte do jornal,insinuou que ainda há muitos outros aspectos do caso a ser explorados. O Pal ácio da Justiça de Cali é um prédio verde, um pouco abandonado,construído nos anos 50 na forma de labirinto.Os tribunais ordinários estão nos primeiros andares.É aí que fica o gabinete do procurador regional para Cali,que representa um sistema judicial paralelo estabelecido em 1991 para tratar dos casos de narcotráfico e terrorismo. É um dos seis gabinetes regionais da Colômbia que funciona dentro do sistema da justiça "sem rosto ", criado para proteger os juízes e as testemunhas em uma época em que mais de 200 juízes foram mortos pelos narcotraficantes. O chefe do gabinete é Lucas Pulido,funcionário público que tem um ar de intelectual.Para entrar no escritório de Pulido,deve-se passar por um detector de metais e apresentar uma identificação aos guarda-costas.Esse gabinete é responsável pelos casos relacionados ao tráfico de drogas e o terrorismo no departamento de Valle, na Colômbia ocidental. Pulido cuidou do caso de Bedoya desde o início,até que o processo foi transferido para a Unidade de Direitos Humanos,em Bogotá,mas ainda não se conhecem os progressos da investigação. O sistema investigativo sob o qual o caso se desenvolveu está "oscilando ",porque a maioria dos crimes contra jornalistas foi entregue a juízes regionais ("sem rosto "). Atualmente,o Congresso legisla para acabar com o sistema,sem que esteja claro o futuro das provas obtidas até o momento. Antes,um juiz anônimo controlava o imenso arquivo do caso –cerca de 500 páginas –que era mantido longe do exame público,como requer o sistema legal colombiano. No escritório de Pulido, Esperanza Leal, encarregada de coordenar o trabalho dos juízes sem rosto,defendia a falta de progresso no caso. "Não temos suspeitos reais", explicou." Trabalhamos sobre quatro hipóteses", acrescentou. E culpava a família pela estagnação do caso. "A família não quer falar conosco", explicou. "Sabem por que o mataram." Os investigadores concentraram-se no ângulo do homossexualismo sem ao menos questionar a pista do narcotráfico. "O que escrevia não era tão importante", declarou Leal. "Não vemos razão nenhuma para que fosse alvo dos traficantes." O secretário de imprensa, Jorge Mahecha, afirmou que Bedoya "não era um escritor de importância. Seus editoriais não mobilizavam a opinião pública. Não escrevia as piores coisas sobre o narcotráfico. Havia outros", declarou, quase em tom vitorioso. Pulido e Leal mostravam-se desconfortáveis. Quem são os outros jornalistas de Cali ?Mahecha olhou ao redor,confuso."Bom, temos Rodrigo Lloreda ",disse finalmente,fazendo uma careta. Devido à demora,as pistas foram perdidas e isso impediu o avanço de uma investigação justa e completa.Os investigadores seguiram as pistas fornecidas por María Eugenia Arango. Segundo o gabinete do procurador-geral especial de Cali,Arango apresentou-se como uma das principais amigas de Bedoya.Disse à polícia que Bedoya não teve relações sexuais com ela e que acreditava que nunca as tinha tido com outras mulheres.Como corroboração mencionou outro amigo de Bedoya,cujas declarações podem ser duvidosas,segundo o primo de Bedoya.Os investigadores negaram a possibilidade de que Arango estivesse envolvida no assassinato porque,segundo eles, Bedoya queria dar-lhe um apartamento."Por que o levaria à morte se ele pensava em sustentá-la?",perguntou Leal. Hugo Borrero disse que o primo Bedoya jamais lhe ofereceria algo assim."Era muito mão-fechada", afirmou. Algumas irregularidades Os atuais investigadores ignoraram até os procedimentos policiais mais básicos. Não deram importância ao retrato falado do possível assassino,que foi traçado com a ajuda de testemunhas oculares.Tanto Pulido quanto a coordenadora declararam que seu gabinete considera inúteis retratos desse tipo. "Na Colômbia,sinceramente,isso de retratos falados com base em testemunhas oculares não funciona ",disse a coordenadora."Todos parecemos índios.Então, como vamos encontrar os suspeitos?", disse com um sorriso forçado. "Só em casos excepcionais os retratos falados são úteis ",acrescentou o juiz Pulido. Há alguma esperança para o caso Bedoya?"Veremos,mas temos centenas de casos como esse", declarou a coordenadora,dando de ombros. Hugo Borrero,um homem alto de barba e cabelos brancos,era primo de Bedoya e seu melhor amigo.Os dois compartilhavam segredos.Borrero acredita que a investigação demonstra que existe uma conspiração,provavelmente por parte dos narcotraficantes."Primeiro o matam.Agora tentam assassinar sua reputação", disse.

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