30 Outubro 2012

O golpe

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Eram onze irmãos e irmãs: agora são 10. Salvador Medina Velázquez dava uma carona em sua motocicleta a seu irmão Gaspar na sexta-feira, 5 de janeiro de 2001, na Rua 1o de março, uma estrada de barro de Capiibary, província de San Pedro, Paraguai, marcada pelos sulcos de veículos de quatro rodas e cercada de arbustos e cercas de arame, afastada assim da estrada principal, mais larga, com menos curvas, e também sem pavimentação. Salvador, 27, era o presidente da diretoria da estação de rádio comunitária FM Ñemity e ensinava guarani na escola primária paroquial do local. No ar, sempre que podia, denunciava o contrabando de madeira da reserva florestal do Ministério de Agricultura e as operações da gangue que atuava na cidade de Ara Pyahu, a 20 km de Capiibary e que estava supostamente envolvida em uma série de assaltos e outros crimes. Fazia as denúncias junto com seus irmãos Pablo, 40, correspondente do diário de Assunção ABC Color, que havia escrito sobre os dois temas, e Gaspar, 32, que ensinava na mesma escola que ele e que era apresentador de um programa musical de rádio.
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Os irmãos haviam organizado naquela noite – véspera de Dia de Reis – uma reunião na casa de seus pais. Salvador tinha feito duas viagens, levando parentes em sua motocicleta pela Rua 1o de março. Na última viagem, por volta das 20 horas, um homem mascarado apareceu de repente por entre os arbustos do lado esquerdo da estrada. Deu três passos à frente e, agora a 1,5 m de distância, levantou o braço. Atirou à queima-roupa, segundo Gaspar. Salvador acelerou. A bala, que se alojou em seu quadril, entrou pelo ombro esquerdo, o que indica que ele se inclinou para frente assim que viu seu agressor, consciente de suas intenções. Acelerou novamente, perdeu o controle e caiu. O agressor usava uma máscara preta. Aproximou-se friamente e atirou novamente. Mas errou o alvo. Gaspar disse que pegou Salvador pelo braço e que este, apertando o próprio peito com a mão esquerda, murmurou: "Isso não pode estar acontecendo". O homem mascarado continuava ali, imperturbável. Andaram cambaleando por 20 a 23 metros, mas Salvador, exausto, disse: "Não posso continuar. Meu coração não agüenta mais.". E caiu, respirando com dificuldade. Gaspar virou-se e gritou para o agressor: "Por quê? Você vai me matar?" Não havia ninguém por perto. O homem mascarado atirou para o alto e Salvador, exausto, disse: "Estou indo. Estou morrendo.". E morreu, de bruços. O homem mascarado apertou o gatilho uma quarta vez, mas não houve disparo, e ele fugiu por entre os arbustos. Gaspar, desesperado, correu para buscar ajuda. Durante a confusão, Salomón, outro dos irmãos Medina, viu, na porta da frente de sua casa, Daniel Enciso Marilin, 29, suposto dono da arma que supostamente pertenceu a um policial, segundo o detetive Mónico Orué. Marilin disse a Salomón, muito sério: "Seu irmão foi atingido por uma bala". Ele foi um dos últimos a chegar ao local do crime pouco antes de o corpo ser removido. "Foi assassinato premeditado, calculado, um acerto de contas, um assassinato encomendado", disse Gladys Vallejos, promotora pública substituta em Curuguaty, a 38 km de Capiibary. "Quem encomendou o assassinato?" ela pergunta. Reconhece que a polícia não agiu de forma rápida, que não bloqueou as estradas naquela mesma noite e não informou sobre o crime dentro das seis horas exigidas. Mas a polícia foi incapaz de bloquear qualquer estrada porque tinha apenas um veículo, um caminhonete Mitsubish que estava enguiçada. "Temos uma moto que não funciona bem para patrulhar duas vezes ao dia uma área muito grande com estradas ruins e uma população de 40.000 pessoas", disse o detetive Orué para se justificar. Seu escritório é precário, de madeira, como a maioria das casas de Capiibary, mas pelo menos o rádio da polícia ainda funciona. Naquela noite, ele tinha apenas um patrulheiro de plantão, mas este estava ocupado fazendo um churrasco para levantar fundos com o povo local. Os outros membros da unidade que possui 12 a 14 homens haviam ido a outra cidade para receber seu pagamento. Com base nas evidências iniciais, a promotora Vallejos ordenou a prisão de Marilin, Milcíades Maylin (seu primo), o suposto assassino, e Timoteo Cáceres, diretor da escola na qual Salvador havia trabalhado. Cáceres era suspeito porque havia ameaçado vizinhos com uma arma que costumava levar no cinto e que apontava como se fosse uma espada. Temia que Salvador, ou possivelmente seu irmão Gaspar, pudesse lhe tirar o emprego que tinha há cinco anos – um cargo de importância em uma pequena comunidade e pelo qual, segundo dizem, recebia um salário de quase 1,5 milhão de guaranis (um pouco mais de US$400) por mês. Cáceres, 32, estava freqüentemente bêbado e não aparecia para dar aulas, segundo o detetive Orué, o que fez com que os membros da Associação dos Pais da Rua 1o de março pedissem a Salvador que escrevesse uma carta às autoridades reclamando sobre sua conduta e pedindo sua demissão. A teoria da promotora Vallejos é que, cego de raiva, ele havia contratado os primos Mailyn e Marilin para executar o assassinato. Na semana anterior ele havia colocado sua moto e equipamento de som à venda, esperando conseguir 700.000 guaranis (um pouco menos de US$200) – o suficiente para se livrar de alguém no interior do Paraguai, segundo Pablo. Teoria comprometida Claudio Barrientos López e Mirta Miranda haviam estado, naquela mesma noite, até às 22 horas, na casa do irmão de Mirta, Rolando Miranda Martínez. Era uma sexta-feira como qualquer outra em Capiibary, a 280 km de Assunção. Não havia nenhuma novidade, nada novo sobre o que falar a não ser o calor insuportável e os violentos temporais de um verão particularmente quente. Tinham bebido mate, infusão popular na região do Rio da Prata e cuja versão paraguaia, conhecida como tereré, é bebida com gelo e é um estímulo para um bom bate papo – segundo alguns, até para confissões. Claudio, um fazendeiro de 23 anos, solteiro, tinha nada ou quase nada para confessar. Nem sua namorada, Mirta, e muito menos Rolando, eletricista de 26 anos que os recebia. Mas naquela noite, depois de se despedirem, o tereré os deixaria com um gosto amargo. Claudio e Mirta foram para casa, que ficava a dois quarteirões. Na entrada, viram a sombra de um intruso na sala. Não entraram. Assustados, foram buscar ajuda e voltaram com Rolando. Claudio parou na porta e gritou: "Polícia!", fingindo ser um policial. O intruso, ou suposto ladrão, virou-se enquanto mexia nas roupas do casal. Tinha um velho revólver de calibre 38 com o cano cortado, segundo o relatório policial feito posteriormente. Tentou correr, mas tropeçou no batente da porta e caiu. Claudio o havia agredido, e o golpe foi tão forte que ele cambaleou e deixou a arma cair. Rolando pulou em cima dele, pegou-o pelo pescoço e viu que era Milcíades Mailyn, um vizinho, desempregado e sem endereço fixo, solteiro, de 23 anos, que gritou em guarani que era amigo deles e que não o matassem, que ele acabara de cometer um crime e precisava urgentemente mudar de roupa para que a polícia não o reconhecesse. Quando lhe perguntaram onde havia cometido o crime, respondeu que tinha sido em um local cheio de arbustos na Rua 1o de março. O relatório policial disse que a arma que estava com Mailyn, que Claudio e Rolando mantiveram com eles depois da luta, continha três cartuchos usados e uma bala não utilizada. Os dois o soltaram, sem saber que algumas horas antes Salvador havia sido assassinado. No dia seguinte, duas pessoas não identificadas visitaram a casa do casal – em nome de Mailyn, segundo disseram – para recuperar a arma. Eles a levaram. No dia seguinte, um domingo, a polícia prendeu Mailyn por volta das 16 horas. Ele estava com seis amigos. Nervoso, disse que seu nome era Bernardo Gaona. Mas foi identificado por seu primo Marilin, que também foi preso depois que sua identidade foi verificada no bando de dados da Polícia Nacional. Nenhum dos dois queria dar nenhuma declaração. Cáceres, enquanto isso, contratou um dos advogados mais caros de Coronel Oviedo, uma cidade conhecida como local de reuniões do Partido Colorado. Ele havia contratado o advogado com o suporte de líderes políticos locais ou de graça, acredita Pablo, visto que ele havia vendido sua motocicleta e equipamento de som antes do assassinato. Isso poderia ser uma coincidência ou uma pista. O Partido Colorado domina o Paraguai desde 1954 e dominou o país inclusive durante a ditadura de Stroessner, que durou 35 anos. Nas eleições para vice-presidente do Paraguai, depois do assassinato de Luis María Argaña, em 23 de março de 1999, o vencedor foi Julio César "Yoyito" Franco, do Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA). Salvador tinha boas relações com ele, apesar de não ter partido político. Um dos diretores da estação de rádio, Carlos Balbuena, disse que tinham começado a conversar sobre a possibilidade de Salvador se candidatar a um cargo público, mas ninguém pôde confirmar esse fato. Cáceres tem algum apoio político, segundo um relatório policial – supostamente de membros do partido Colorado. A arma terminou indo parar nas mãos de Justo Franco, 18, filho de Luis Alberto Franco, líder local do Partido Colorado que, segundo Pablo, é suspeito no tráfico de madeira que Salvador denunciava nas suas transmissões por rádio. Os Franco não têm nenhuma relação com o presidente Franco. "Ele estava atrapalhando" A promotora Vallejos encontrou-se com Claudio Barrientos López e Mirta Miranda. Disse-lhes para colaborar como testemunhas, caso contrário seriam considerados cúmplices. Posteriormente, emitiu-se ordem de prisão para os dois, junto com Rolando Miranda Martínez, irmão de Mirta, e Pablo Quiñonez Torres, implicado no tráfico de madeira, e Justo Franco. Todos os cinco continuam soltos, assim como Luis Alberto Franco, pai de Justo e ex-presidente do Partido Colorado em Capiibary. Essa é uma situação curiosa, especialmente depois do encontro de Claudio e Mirta com a promotora Vallejos – tão curiosa quanto as batidas que a polícia realizou e que deveriam ser secretas, mas que foram divulgadas pela estação de rádio na qual Salvador trabalhava – sinal de que se um deles tinha a arma, teria tempo e oportunidade de se livrar dela. Isso significa também que a teoria inicial da raiva do diretor da escola devido a uma suposta conspiração contra ele fica comprometida – ou significa que assumiu outra proporção? Não há dúvida de que adquiriu uma dimensão política com traços de crime organizado, mais ligada às denúncias de Salvador no ar do que a seu trabalho como professor. Em suas reportagens para o ABC Color, Pablo escreveu, em setembro de 2000, sobre o relacionamento de Luis Alberto Franco com o negócio de madeira nas reservas florestais administradas pelo governo. A administração do presidente Luis González Macchi não fez nada depois do assassinato, segundo os moradores de Capiibary – pelo menos não imediatamente. O ministro do Interior, Julio Fanego, deixou claro que Salvador tinha andado em telhado de zinco, ou, em suas palavras, esbarrado em alguém. "A coisa mais fácil para o criminoso foi matá-lo, simplesmente para calar sua boca. Estava incomodando algum criminoso envolvido no tráfico de madeira aqui, roubo de gado ou coisa do gênero", disse o ministro. Isso associaria o assassinato de Salvador mais à sua atividade jornalística do que a seu trabalho como professor. Carlos Mariano Godoy, um repórter do ABC Color enviado de Coronel Oviedo para que Pablo não fizesse a cobertura do assassinato de seu irmão, disse: "Nas províncias do Paraguai, vivemos cotidianamente a falta de segurança pessoal; esse caso teve repercussão porque ele era um jornalista". Um assassinato semelhante foi o de Benito Ramón Jara. Ele era freelancer para a Radio Ybu Yaú e foi assassinado enquanto andava de moto na cidade de Ybu Yaú, no norte do Paraguai e fronteira com o Brasil em 13 de abril de 2000. Recebeu seis tiros. Outro jornalista, Mauri Konig, do jornal brasileiro O Estado do Paraná, foi surrado com paus e correntes, conforme testemunhou, enquanto investigava o recrutamento ilegal no Exército e na polícia paraguaios de jovens do Brasil. Um de seus três agressores usava uniforme. O jornalista tinha feito reportagens sobre prostituição de crianças brasileiras na região. O caso mais famoso – e ainda não solucionado – , entretanto, foi a morte de Santiago Leguizamón, proprietário da Radio Mburucuya, e freelancer da Radio Ñandutí, Canal 13 TV e do diário Noticias de Assunção. Depois de fazer reportagens sobre tráfico de drogas, tráfico e corrupção, ele foi assassinado em 26 de abril de 1991, no Dia do Jornalista no Paraguai, na cidade de Pedro Juan Caballero, próximo a Ybu Yaú. Um ataque por dia O Paraguai em geral está passando por uma época ruim. Como afirmou o Monsenhor Ricardo Valenzuela, bispo auxiliar de Assunção, em um de seus sermões: "Queremos que nosso país tenha uma democracia firme e estável que garanta a promoção pacífica dos direitos humanos para todos mas, infelizmente, temos as limitações dos problemas econômicos, crise nas instituições políticas e perda de valores morais. Isso afeta particularmente as pessoas mais humildes, os pobres". Em Capiibary, conforme o detetive Orué disse depois de mais de dois meses em sua função, há um pouco de tudo. "Os que sofrem mais são os camelôs", disse. Em meados de 2000 a polícia queimou três acres de plantações de canabi, usada para produzir maconha. Há também o roubo de gado, conforme as denúncias de Pablo, estupro – uma sobrinha sua escapou de uma tentativa de estupro na Rua 1o de março. As pessoas se sentem desprotegidas, muitas andam armadas, algumas pensam em formar algum tipo de grupo de proteção de cidadãos. As estatísticas de 1999 revelam a ocorrência de um roubo a mão armada por dia no trecho entre Mbutuy e Curuguaty – a estrada de terra que liga Tayy Caré, Pinoty, Yasy Cañy, Capiibary, Río Corrientes e a Rua 1o de março, locais considerados perigosos. Em agosto de 1999, a Embaixada dos Estados Unidos avisou os cidadãos norte-americanos que não viajassem para as províncias de San Pedro, onde fica Capiibary, e Canindeyú. O homem mascarado matou Salvador, mas dada sua insistência, o alvo poderia ter sido Gaspar – ou ambos. "Acho que ele tinha de matar alguém da família", disse Pablo. Ele acha que tudo pode ter começado em Ara Pyahy, onde Gaspar foi diretor de escola. Disse que uma gangue liderada por Rosendo Villasanti operava na área, executando roubos e outros tipos de abusos. A comunidade local queria denunciá-los e Gaspar foi seu porta-voz. Acredita-se que os Villasanti sejam 8 a 10 irmãos que tiveram contato com os primos Mailyn e Marilin e seus parentes, outras oito ou 10 pessoas, e com um agiota de outra cidade, segundo Pablo. As informações chegaram primeiro dele, para o ABC Color, e depois de Salvador para sua estação de rádio, na qual Salvador trabalhava como apresentador do programa matinal de notícias e música quando o apresentador regular faltava. Ele destacava tudo que seu irmão escrevia sobre Capiibary e áreas adjacentes. Salvador costumava fazer suas próprias investigações sobre assaltos, roubo de gado e madeira ou tráfico de maconha, disse Pablo. "Ele me enviava detalhes que eu publicava no ABC Color", acrescentou. Quando se tornou apresentador do programa de rádio, Salvador deu destaque a esse tipo de notícia. Ele tinha atração pelo elemento criminoso sempre que usava o microfone – o que não era tão freqüente assim, apesar de ele ser presidente da diretoria da rádio. Pouco depois de Mailyn ter sido preso, Francisco Céspedes Podas, um fazendeiro de 43 anos, entrou com queixa formal contra ele pelo assassinato de seu irmão, Amado, em 9 de maio de 1997, em Capiibary. Cerca de 22 horas naquela noite, um homem baixo, magro, de cabelos ralos, acompanhado de mais cinco homens, pediu uma cerveja no bar de Amado Céspedes Podas, que na época era gerenciado por sua namorada, Hermengilda Maidana. Quando ela se virou, o homem louro – cuja descrição era igual à de Mailyn – acertou-a na cabeça com uma garrafa que havia pego no balcão. Hermengilda conseguiu ligar para pedir ajuda enquanto estava deitada no chão. Amado pulou da cama onde estava dormindo. O homem louro, segundo a queixa, atirou nele assim que ele entrou no bar. Amado, atingido no peito, caiu morto, segundo depoimento de Francisco. Era para ser apenas um assalto, o roubo de 700.000 guaranis (US$200), um gravador e toca-fitas e uma garrafa do rum Aristocrata. Falta de proteção "Estamos expostos todos os dias", disse Pablo, usando um boné, uma jaqueta sem manga e uma camiseta. No carro, o logotipo do ABC Color. "Agora temos proteção policial, mas não sei o que farei quando tudo isso acabar. Tenho medo – temo por minha mulher e por minhas duas filhas (um bebê e uma adolescente de 13 anos). No funeral do meu irmão, enquanto eu segurava o caixão, um homem se aproximou de mim e disse: ‘Você vai morrer igual a ele.’ Depois desapareceu. Eu estava usando o colete à prova de balas que a polícia havia me dado." Os pais de Salvador continuam com a proteção policial, mas em 15 de janeiro a proteção à casa de Pablo foi suspensa. Ao escrever seu primeiro artigo para o ABC Color desde o assassinato, sobre construção de estradas na região, ele se sentiu desprotegido. "Eu era um alvo fácil e eles poderiam ter me matado", disse. Salvador havia recebido apenas uma ameaça de morte em toda sua vida. Foi na estação de rádio, cara a cara. Nem Gaspar, membro da diretoria, nem Pablo nem Salomón sabiam quem havia feito as ameaças, apenas que elas foram feitas, e que ocorreram depois que Salvador, na época presidente da diretoria, decidiu se nomear subdiretor e a despedir o diretor de arte e vice-presidente Mercado José Benítez González. Os membros da diretoria reagiram no mesmo dia, 12 de dezembro de 2000, enviando-lhe uma carta na qual exigiam uma explicação – a qual ele nunca apresentou. "A estação de rádio ficou sem líder", disse Balbuena, membro da diretoria. Salvador nasceu em 1972 em Yaguarón, província do Paraguai. Era solteiro e não tinha namorada. Na escola, ganhou duas medalhas por bom desempenho. Sonhava em se tornar advogado, segundo Pablo, que o encorajara a ser jornalista. Estudou direito durante três anos em Assunção, onde, em março de 1999, participou de um protesto chamado "Marcha paraguaia", que protestava pelo assassinato do vice-presidente paraguaio Argaña. Durante a demonstração, sete jovens foram assassinatos por franco atiradores. Salvador, sem dinheiro, voltou para Capiibary. Havia tido também um ano de formação para professor. Terminou um curso de guarani e se tornou professor do idioma. "Em uma festa de fim de ano, avisei-o de que tudo que tínhamos exposto deveria ser informado à Procuradoria-geral e à polícia", disse Pablo. "Mas ele não confiava neles. Nunca havia sido ameaçado, a não ser na rádio. Era inimigo da corrupção e das atividades ilícitas". Pablo é ameaçado freqüentemente. "Tento ficar frio, mas mesmo assim me preocupo", disse. "Elas começaram depois de uma matéria que fiz sobre um surto de uma doença no Serviço Nacional de Saúde Animal em Canindeyú e que foi publicada no jornal. Algumas pessoas me telefonaram. Não ando armado. Minhas únicas armas são uma câmara e um computador." A promotora Vallejos acredita que as coisas estejam indo bem, mas, curiosamente, cinco suspeitos continuam soltos. Ela estava com dois deles antes de fugirem. É como se tivessem sido avisados, inclusive pela polícia, de que seriam presos se não colaborassem. E, na verdade, não colaboraram. Ela disse que os três que foram presos – e se encontram agora na Penitenciária Regional Coronel Oviedo – são os principais suspeitos. "O professor Cáceres era inimigo da vítima e os outros dois, Mailyn e Marilin, são dois bandidos locais bastante conhecidos", disse. Os três entraram com recursos, que foram rejeitados. "Até a data na qual serão formalmente acusados, em 9 de maio, não apresento nenhuma teoria", acrescentou. "Nos próximos 10 dias serão realizados interrogatórios". O local será a igreja de Capiibary. No dia do assassinato, enquanto Claudio Barrientos López, Mirta Miranda e Rolando Miranda Martínez bebiam seu tereré, sem saber que acabariam se tornando cúmplices em um assassinato por medo de represálias, Salvador dava uma carona em sua motocicleta, primeiro à sua irmã e dois sobrinhos e depois a uma de suas cunhadas. Depois voltou para pegar Gaspar, que mora atrás da estação de rádio. O homem mascarado, que se supõe ser Mailyn, poderia ter atirado em Salvador em uma das duas ocasiões anteriores, quando estava sozinho. Mas não o fez. Atirou na terceira vez, quando Salvador dava carona a Gaspar. Esse foi o golpe. Ele silenciou, assim, o som do motor e, com isso, a força da palavra – da liberdade de expressão.

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