21 Dezembro 2010

Riscos para Jornalistas na Tríplice Fronteira: Impunidade é o principal problema

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Na região da Tríplice Fronteira, onde os territórios do Brasil, Argentina e Paraguai são separados apenas por ruas ou pontes, nem todos os jornais e rádios conseguem denunciar a entrada e saída de contrabando de carros e mercadorias, o narcotráfico e o tráfico de armas. Neste cenário em que vigoram a corrupção e a impunidade de todos os lados, há um agravante nas cidades pequenas, em que todos os moradores praticamente se conhecem: aqueles que denunciam estes crimes são alvos de ameaças, agressões, e até mesmo da morte.
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Na região da Tríplice Fronteira, onde os territórios do Brasil, Argentina e Paraguai são separados apenas por ruas ou pontes, nem todos os jornais e rádios conseguem denunciar a entrada e saída de contrabando de carros e mercadorias, o narcotráfico e o tráfico de armas. Neste cenário em que vigoram a corrupção e a impunidade de todos os lados, há um agravante nas cidades pequenas, em que todos os moradores praticamente se conhecem: aqueles que denunciam estes crimes são alvos de ameaças, agressões, e até mesmo da morte. A burocracia e a falta de entrosamento entre os representantes da Justiça para investigar e punir os culpados nos três países contribuem para manter esta situação. O promotor Rudi Rigo Burkle, coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) da cidade de Foz do Iguaçu, no Brasil, critica: “Há barreiras burocráticas. Se um acusado estiver evadido e localizado no Paraguai não temos, salvo alguns casos específicos, a colaboração da polícia do Paraguai para fazer diligências e localizar o sujeito. Então se não soubermos exatamente onde ele está no Paraguai, é praticamente impossível enviar um mandado de prisão e que a autoridade paraguaia cumpra este mandado. Até porque, na maior parte das vezes, os fugitivos acabam adotando outra identidade e ficam no outro país”, informa Burkle. Também há dificuldade para obter provas. No Paraguai só uma operadora diz ter capacidade técnica para realizar interceptações telefônicas. “É praticamente impossível ter êxito em coibir o crime organizado sem a interceptação telefônica. Pode-se prender as mulas (intermediários que levam a droga), mas não o comando da organização”, argumenta Burkle. O promotor especializado em Anticorrupção no Paraguai, Arnaldo Giuzzio, reconhece que tem conseguido trabalhar graças ao apoio dos profissionais de comunicação. “Se o caso cair nos meios de comunicação, a investigação avança”, observa. Mas salienta: “A corrupção surge e é reflexo da própria sociedade, e na sociedade estamos todos, inclusive os jornalistas”. O resultado da impunidade, sobretudo em pequenas localidades da fronteira, é o medo e, em alguns casos, a autocensura. “O temor de que aconteça algo a tua família é o que maior impacto tem no exercício da liberdade de imprensa e na autocensura”, admite Juan Augusto Roa, correspondente do diário ABC Color no departamento Itapúa, no Paraguai. “É muito complicado. Todo mundo sabe onde estudam nossos filhos, nosso endereço. Não é como tomar precauções em uma cidade grande, onde podemos pôr em prática certas teorias que aprendemos nos cursos para evitar inconvenientes”, concorda Rosendo Duarte, correspondente do ABC Color em Salto del Guairá. O presidente do Foro de Periodistas Paraguayos (Fopep), Jorge Benitez, repórter do jornal ABC Color em Assunção, explica que a entidade realiza oficinas de prevenção para os jornalistas que atuam em áreas de risco. Assim como o Foro de Periodismo Argentino (Fopea) e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), faz o monitoramento e alertas, condenando qualquer ataque à liberdade de imprensa e de expressão. “Nossa situação no Paraguai é peculiar. Políticos muito tradicionais e líderes regionais são os que geralmente fazem ameaças a jornalistas. No sul, no departamento de Misiones, um dos colegas foi agredido quando estava em seu programa de rádio - um político se sentiu ofendido e o atacou”, conta. Outro risco, segundo Benitez, são as ações judiciais contra jornalistas: “Há casos que levam oito anos na Justiça. Os sindicatos são débeis, não há advogados especialistas na defesa de jornalistas, então dependemos que nossas empresas nos defendam. É uma forma de tentar restringir o trabalho jornalístico”. No Brasil, o grande tema dos noticiários até meados de dezembro de 2010 - a operação policial de ocupação e retomada do Complexo de favelas do Alemão, no Rio de Janeiro, sudeste do Brasil - também tem relação com a fronteira. O repórter Sérgio Ramalho, do jornal O Globo, fez uma reportagem mostrando que 70% das áreas de plantio de maconha em Capitán Bado e Pedro Juan Caballero, no Paraguai, cidades na fronteira com o Estado do Mato Grosso do Sul, no Brasil, são dominados por um consórcio entre duas facções criminosas brasileiras: o Comando Vermelho, do Rio de Janeiro, e o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo. Este fato vem sendo acompanhado de perto pelo repórter Candido Figueiredo, correspondente do jornal ABC Color. “A reconquista de espaços antes ocupados por traficantes de drogas no Rio de Janeiro vai refletir ainda mais nas áreas de fronteira”, diz Figueiredo, que vive há 15 anos sob escolta policial em Pedro Juan Caballero, fronteira com Ponta Porã, no Estado do Mato Grosso do Sul, onde atuam as organizações criminosas. O jornalista Andrés Colmán Gutiérrez, do diário Última Hora, do Paraguai, teme que, se não houver uma reação forte do Governo em enfrentar essas organizações, poderá acontecer nessa região da fronteira algo parecido com o que ocorre no México, com ataques e assassinatos, inclusive de jornalistas “Tomara que não”, diz Gutiérrez. “Mas estamos em alerta e tratando de fazer o Estado reagir com maior presença dos órgãos de segurança, e, ao mesmo tempo, dar garantias aos jornalistas de que a Justiça funciona”. Para Figueiredo, casos como os dos radialistas Samuel Román e Santiago Leguizamón, assassinados no Paraguai como represália porque noticiaram fatos relacionados ao narcotráfico na região, tiveram muita repercussão porque os jornalistas se uniram e exigiram Justiça. No caso de Leguizamón, ninguém foi condenado. No de Román o autor intelectual foi julgado e sentenciado. “Já sofremos (no jornal) diversos tipos de atentados. Duas vezes os traficantes metralharam a nossa redação. Como seguimos com as denúncias, recebemos ofertas de dinheiro, de compra da nossa consciência. Então, para que o jornalista possa trabalhar nesta área tem que ter integridade e um pouco de coragem também. A gente tem que trabalhar pensando que pode ser o último dia de tua vida, mas é uma coisa que se tem no sangue. A gente quer fazer um bom trabalho e está fazendo. E quando a gente faz um trabalho honesto, sério, até os mafiosos respeitam a tua posição e o teu trabalho”, enfatiza Figueiredo.

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