31 Julho 2009
Resolução do Conselho da Justiça Federal dificulta trabalho da imprensa
A Resolução nº 58 do Conselho da Justiça Federal (CJF), em vigor desde 25 de maio de 2009, poderá contribuir para aumentar ainda mais a sensação de impunidade no Brasil. Isso porque a Resolução permite que os juízes e os policiais federais proíbam o acesso dos repórteres a documentos que considerarem sigilosos.
(Solo en portugués)
Brasília A Resolução nº 58 do Conselho da Justiça Federal (CJF), em vigor desde 25 de maio de 2009, poderá contribuir para aumentar ainda mais a sensação de impunidade no Brasil. Isso porque a Resolução permite que os juízes e os policiais federais proíbam o acesso dos repórteres a documentos que considerarem sigilosos.
Na prática, a medida pode inviabilizar também o acompanhamento de investigações de crimes e ameaças contra jornalistas, e até mesmo impedir o acesso a processos mais antigos. Sem a possibilidade de uma ampla divulgação e do acompanhamento feito pelos meios de comunicação, estes processos correm mais risco de serem arquivados ou sofrerem pressões.
O risco é que a medida seja usada para evitar o acesso da imprensa especialmente quando os processos tiverem como foco figuras públicas e privadas de alto poder aquisitivo ou com projeção política. Em muitos casos de jornalistas assassinados, os suspeitos de serem os mandantes são políticos ou policiais.
A Resolução nº 58 tenta impedir a repetição do que aconteceu na Operação Satiagraha. Esta operação da Polícia Federal, iniciada em 2008, revelou a participação do doleiro Naji Nahas, do ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta e do banqueiro Daniel Dantas, entre outros, em um esquema ilegal de milhões de dólares em investimentos no Exterior. Durante as investigações, que levaram à prisão de 17 envolvidos, a imprensa divulgou gravações telefônicas e registros dos processos, denúncias de tentativas de suborno e manipulação do caso.
A partir desta resolução, podem até tirar da Internet o nome dos réus, criticou o repórter Rubens Valente, da Folha de S.Paulo, durante o congresso da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), realizado em julho. Com a medida, hoje não se sabe se um candidato à presidência da República tem um processo sigiloso, protestou Valente, que há anos tem denunciado os casos de corrupção, lavagem de dinheiro e outros crimes. Os processos agora são apenas números.
O vice-presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Nino Oliveira Toldo, diz que entende a preocupação do CJF no que diz respeito ao vazamento de informações, o que pode atrapalhar o andamento de processos. Mas considera preocupante o Artigo 10 da resolução, que diz: É absolutamente vedado aos magistrados, servidores, autoridades policiais e seus agentes o fornecimento de quaisquer informações, direta ou indiretamente a terceiros ou a órgão de imprensa, de elementos contidos em processos e procedimentos de investigação criminal sob publicidade restrita, sob pena de sua responsabilização funcional.
Como resultado, repórteres que cobrem a área de Justiça relatam que, a partir da resolução, muitos juízes têm decretado sigilo em tudo e para tudo, para não serem "acusados" de permitir um vazamento.
Toldo lembra que, antes da Resolução, muitas vezes, em casos rumorosos, para não atrapalhar o andamento do processo, era possível tirar cópias de parte dos documentos e passar para a assessoria de imprensa divulgar. O Artigo 10 veda essa possibilidade. Houve um excesso de zelo, e talvez a Ajufe faça um estudo para mitigar esse excesso. Muitas vezes o sigilo não está em todo o processo, mas em algumas informações, argumenta.
A discussão se dá entre dois direitos fundamentais, explica. Por um lado a Constituição diz que é preciso preservar o direito à informação, porque muitos processos criminais são de interesse público. Por outro, há o receio de exposição pública de um réu e seu direito à preservação da imagem e de sua privacidade.
Quando entra no terreno de restringir o direito fundamental à informação, a matéria precisa ser bem discutida, envolvendo a sociedade como um todo para não ferir direitos conquistados, acredita Roberto Livianu, promotor de Justiça Criminal de São Paulo e Doutor em Direito Penal pela Universidade de São Paulo. Livianu informa que não cabe ao CJF, órgão com abrangência limitada, legislar. O assunto precisa ser regulamentado por uma lei federal, porque prevê um debate anterior no Parlamento, para que não se criem monstros jurídicos, esclarece.
Segundo o professor, as regras em relação ao sigilo são disciplinadas pelo Código de Processo Penal de 1941, e já existe uma comissão específica estudando formas de modernizá-lo. Quando a Resolução diz que um juiz pode, a seu critério, estabelecer a não publicidade para defender a intimidade do indivíduo, este conceito amplo pode dar margem a abusos.
Por exemplo: o sigilo poderá será estendido durante décadas. Isso porque, como no Brasil os réus aproveitam todos os recursos de que têm direito, levando a discussão às cortes superiores, os processos geralmente se arrastam indefinidamente. E uma década depois, quando a decisão poderá ser divulgada, talvez ela não tenha mais o mesmo efeito do ponto de vista de interesse público.
Veja cópia, na íntegra, da Resolução nº 58 do Conselho da Justiça Federal:
http://daleth2.cjf.jus.br/download/res058-2009.pdf