30 Outubro 2012
Assinado, arquivado, reaberto
Buenos Aires, Argentina Era um caso praticamente encerrado até que, de repente, um tal de Adrián Montenegro, suboficial da Polícia da província de Buenos Aires, anunciou na televisão que sabia quem havia matado Mario Bonino, funcionário da Secretaria de Imprensa do Sindicato dos Trabalhadores da Imprensa de Buenos Aires (Utpba). Seu corpo foi encontrado em 15 de novembro de 1993 nas águas turvas do Riachuelo, quatro dias depois de seu desaparecimento.
Montenegro, que mora no Paraguai e é parte do programa de proteção a testemunhas,apontou, no programa "Punto.doc/2", transmitido em 19 de abril deste ano pela América TV, "Lagarto Vargas e o major Carmona" como assassinos de Bonino. E forneceu detalhes: "São do grupo do delegado Rodríguez".
Por causa dessas pistas, Ricardo Esparis, advogado da Utpba, e a viúva de Bonino, Felicia Urbano, pediram a reabertura do caso no 10o Tribunal de Instrução, a cargo do juiz Raúl Irigoyen. O pedido foi concedido com base no abundante material que Montenegro forneceu durante sua entrevista na TV, assim como os depoimentos feitos pelos acusados, segundo informações da secretária para Direitos Humanos da Utpba, Ana María Careaga. Esse será, caso confirmado, o primeiro assassinato de jornalista na Argentina desde a restauração da democracia, em 1983.
Quando desapareceu, Bonino, de 37 anos, participava de um seminário intitulado "A rádio na virada do século" na Associação de Trabalhadores do Estado (ATE), em Buenos Aires, depois de ter distribuído um comunicado de repúdio a ameaças de morte a jornalistas da província de San Luis.
Antes de ir para o seminário, passou em casa, tomou um banho e brincou um pouco com seu filho, Federico, de oito anos. Prometeu-lhe que, na volta, ia levar algumas de suas figurinhas favoritas de futebol (eram ambos fãs do River). Prometeu por telefone a Felicia, sua mulher, que ao voltar iriam tomar um sorvete. Não voltou. Nos três dias seguintes, não houve sinal dele.
Na véspera do dia em que seu corpo foi encontrado no rio, em frente ao Serviço de Hidrografia Naval, no bairro de La Boca, o então presidente Carlos Menem e seu antecessor, Raúl Alfonsín, assinavam o chamado Pacto de Olivos, precursor da reforma constitucional de 1994 e, como conseqüência, da reeleição, no ano seguinte, do peronista que bateu o recorde de permanência no poder. Ao mesmo tempo, três homens não identificados forçavam a porta da sede da Utpba, agrediam o guarda de segurança Miguel Gavilán na cabeça com o intuito de destruir móveis e computadores.
Bonino começou sua carreira na seção de Esportes do jornal La Razón, de Buenos Aires. Trabalhou depois no jornal Sur e no Diario Popular.
Era difícil imaginar que aquele 15 de novembro de 1993 seria a data do primeiro de uma série de ataques a jornalistas, tais como Marcelo Bonelli (Clarín e Radio Mitre) e Hernán López Echagüe (jornal Página 12), e que iria culminar no dia 25 de janeiro de 1997 com o assassinato do fotógrafo José Luis Cabezas.
As duas investigações ordenadas pelo juiz Irigoyen revelaram que Bonino morreu em circunstâncias suspeitas. Todos os especialistas, incluindo Mariano Castex, são da mesma opinião. Ou seja, que ele não se afogou nem morreu por ingestão de substância tóxica. Bonino estava de dieta e havia parado de fumar, segundo sua família, o que poderia sugerir a possibilidade de uma parada cardíaca devido a estresse. Entre outras hipóteses, tendo-se descartado a de suicídio, uma teoria é de que tenha sido seqüestrado e não tenha resistido à pressão.
A Utpba havia iniciado uma campanha da qual, como militante sindical, Bonino participava ativamente: "A pior opinião é o silêncio". O então ministro do Interior, Carlos Ruckauf, na época vice-presidente da República, hoje governador da província de Buenos Aires, chegou a vincular o crime a setores fascistas das classes dominantes.
Menem endossou suas declarações, falando, inclusive, de setores mafiosos, mas a Utpba criticou as investigações do promotor especial designado por ele, Luis González Warcalde, por considerar que se tratava de um suicídio e por investigar mais a vítima do que os possíveis responsáveis.
A morte de Bonino (até agora não esclarecida) e de Cabezas compõem uma trilogia macabra com o assassinato de Ricardo Gangeme, proprietário e diretor do semanário El Informado Chutubense, da cidade de Trelew, em 13 de maio de 1999. Pode estar relacionada às 1.008 queixas de ameaças a jornalistas que a Utpba recebeu apenas entre 1989 e 1998.
A teoria fica agora reforçada pelas declarações de Montenegro, que afirma que membros da polícia de Buenos Aires estão envolvidos, assim como no caso Cabezas. Assinado, arquivado, reaberto.