24 Julho 2009
Livro revela riscos de fazer jornalismo no Brasil
O repórter Mauri König, do jornal Gazeta do Povo, de Curitiba, sempre quis ser correspondente de guerra. Mas logo no início do livro Narrativas de um correspondente de rua (Ed. Pós-Escrito, 2008, Curitiba, Brasil) ele explica que nunca pisou em um campo de batalha como aqueles que se vê no noticiário internacional, ou consagrados em filmes.
(Solo en portugués)
O repórter Mauri König, do jornal Gazeta do Povo, de Curitiba, sempre quis ser correspondente de guerra. Mas logo no início do livro Narrativas de um correspondente de rua (Ed. Pós-Escrito, 2008, Curitiba, Brasil) ele explica que nunca pisou em um campo de batalha como aqueles que se vê no noticiário internacional, ou consagrados em filmes.
Sua guerra é outra: em reportagens publicadas ao longo de 17 anos de carreira, ele mostra o drama do cotidiano das fronteiras do país, dos redutos da floresta amazônica, das vítimas da fome e da miséria humana. São situações sobre as quais ninguém quer falar, seja por medo de represálias, ou porque são difíceis de enfrentar, de forma que muitas vezes persiste a impunidade dos criminosos.
No livro, König reproduz 15 reportagens, tal como foram publicadas, e acrescenta depois de cada uma delas um capítulo em que conta os riscos e as dificuldades por que passou. Em Dossiê Paraguai, série publicada no jornal O Estado do Paraná entre dezembro de 2000 e abril de 2001, explica como adolescentes brasileiros eram recrutados ilegalmente pelo Exército paraguaio, falsificando documentos, e viviam sob condições de quase escravos do outro lado da fronteira.
Alguns, inclusive, morreram de forma misteriosa. A matéria lhe rendeu prêmios nacionais e internacionais, mas principalmente cicatrizes. No making of intitulado Experiência de quase morte, o jornalista descreve o atentado que sofreu quando fazia a matéria, no ano 2000: San Alberto, 19 de dezembro, terça-feira, meio-dia. Vislumbro ao longe naquela estradinha vicinal um homem com a farda da Polícia Nacional do Paraguai fazendo sinais para o veículo parar. Levo a mão direto aos documentos no porta-luvas, como sempre faço nestas ocasiões. Ao virar-me com os papéis, recebo um soco desferido diretamente no nariz. Os óculos caem e tento me recompor, apesar das vistas embaçadas. Então sinto as mãos de dois sujeitos corpulentos me arrancando à força de dentro do carro. Levam-me de arrasto para trás da caminhonete vermelha, possivelmente uma Mitsubishi. Jogado ao solo, ouço num arremedo de português o seguinte aviso: Você nunca mais vai voltar ao Paraguai. Dito isso, iniciam a saraivada de golpes.
A repercussão do atentado e a perseverança de König fizeram com que a reportagem não só continuasse, como provocasse mudanças. A partir das primeiras denúncias, outras fontes se sentiram estimuladas a falar, e ele pôde escancarar, com todas as provas, irregularidades nas Forças Armadas do Paraguai. A imprensa paraguaia, que se omitia ou abordava o tema de forma eventual, passou a cobrar providências e, graças à pressão internacional, um ano depois o Congresso Nacional daquele país aprovou um projeto passando o serviço militar de obrigatório para facultativo.
Em outras 14 reportagens publicadas no jornal Gazeta do Povo, entre os anos 2003 e 2007, König revela, além dos riscos, seus conflitos éticos, e discute a relação com as fontes de informação. Como no trecho em que conta como foi feita a reportagem Infância no Limite, sobre a exploração de crianças e adolescentes nas fronteiras do Brasil com Uruguai, Argentina, Paraguai e Bolívia. É legítimo se disfarçar de turista para registrar uma festa em que uma jovem tem sua virgindade leiloada em uma das regiões mais perigosas da Amazônia? Abordar uma adolescente de 17 anos, sob o pretexto de fazer um programa sexual, e pagá-la para contar sua história e mostrar a conivência do hotel em que ela trabalha é ético? O jornalista fala ainda dos percalços que viveu nos 28 mil quilômetros percorridos para realizar as entrevistas, e suas técnicas para escapar dos perigos: (...) procurei treinar meu senso de observação e desenvolver a capacidade de memorizar as informações mais importantes. Tudo transcrito para o bloco de anotações tão logo chegávamos ao hotel. Assim foi possível, por exemplo, guardar nomes de locais e pessoas que fazem turismo sexual no Pantanal conforme revelados por uma garota de programa de Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul.
O livro traz informações preciosas para quem pretende fazer reportagens e abre uma discussão sobre os desafios da imprensa. Tenho feito palestras em universidades e sempre uso essas reportagens de uma forma didática para discutir os riscos das investigações jornalísticas e os dilemas éticos delas decorrentes, observa König. Nenhum evento mais grave ocorreu depois daquele atentado no Paraguai e das ameaças policiais que me forçaram a mudar de cidade. De alguma forma, esses contratempos serviram de aprendizado, acrescenta.
A organização e edição do material na forma de livro é um projeto do Instituto Cultural de Jornalistas do Paraná, com apoio do jornal Gazeta do Povo e da Universidade Positivo. Mais informações sobre a obra podem ser obtidas com o próprio König pelo email [email protected]