14 Janeiro 2015

CASO VALÉRIO LUIZ E A LUTA CONTRA A IMPUNIDADE

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Cronista esportivo Valério Luiz de Oliveira. (radioamantes.files) 12 de janeiro de 2015 Em 5 de janeiro de 2015, o empresário Maurício Sampaio foi eleito presidente do Atlético Clube Goianense, time de futebol de Goiânia, para o biênio 2015/2016. Sampaio é acusado de ser o mandante do assassinato do radialista esportivo Valério Luiz de Oliveira em 5 de julho de 2012, em frente à Rádio Jornal 820 AM, no bairro Setor Serrinha, em Goiás. A eleição de Sampaio aconteceu enquanto ele aguarda em liberdade o júri popular. O inquérito da Polícia Civil apontou ainda a participação no crime do motorista Urbano de Carvalho Malta, Do açougueiro Marcus Vinícius Pereira Xavier,  bem como dos policiais militares Ademá Figueredo e Djalma da Silva. O advogado Valério Luiz de Oliveira Filho escreveu este texto para o site Impunidade, a convite da SIP,  em que ele fala sobre o assassinato de seu pai e a indignação diante da eleição de Sampaio. MANIFESTO PELO JORNALISTA ASSASSINADO VALÉRIO LUIZ, MEU PAI Valério Luiz de Oliveira Filho* Dia 05 de julho de 2012. Eu estava esperando meu pai chegar do trabalho para discutirmos sobre alguns clientes que havíamos conseguido. Ele estava ajudando na recém-iniciada carreira de advogado do filho e falava em abandonar o jornalismo. O programa “Debate Esportivo”, da Rádio Jornal 820 AM (atual Rádio Bandeirantes 820 AM), terminava por volta das 14h00. Dez minutos depois, via de regra, o Ford Ka preto já apontava lá em casa e o dono descia com seu tênis cinza e suas meias levantadas até as canelas. Naquele dia, porém, estava atrasado. Às 14h22, meu celular toca. Era Lorena, minha madrasta, desesperada: “Valerinho, pelo amor de Deus, vem aqui pra porta da rádio que seu pai tomou um tiro”. A ligação caiu. Disquei então para Pedro Gomes, administrador da rádio, que perguntou onde eu estava. “Em casa”, respondi. Pedro se prontificou a enviar um carro para me pegar, porque, e o plural usado foi perturbador, meu pai “havia levado uns tiros”. Quando o Fiat/Uno plotado chegou, sentei no banco do passageiro e a coordenadora financeira da Jornal 820, que estava no banco de trás, passou a mão pelo meu ombro, em sinal de condolência. Naquele momento, imaginei o pior. Pessoas me ligavam, mas não diziam nada específico, só perguntavam se estava tudo bem. O carro não conseguiu virar na rua da rádio, devido à grande aglomeração de gente. Desci na esquina e continuei o trajeto a pé. À medida que ia me aproximando da esquina seguinte, aparecia a cena que mudaria minha vida para sempre: o Ford Ka preto parado na diagonal, com as duas portas abertas, os vidros crivados de balas e o pé do meu pai, com seu tênis cinza e a meia levantada, pendendo para o lado de fora. Não tive coragem de me aproximar, de ultrapassar as faixas amarelas já apostas. Fiquei parado, incrédulo, como se aquela imagem fosse a película de um filme prestes a se dissolver. “Nosso pai morreu, Laura”, foi o que precisei dizer à minha irmã mais nova, quando me ligou logo depois. Meu avô, chegando ao local, gritava e insistia para chamarem uma ambulância. Avisaram-no que era tarde demais, e senti o peito dele explodir feito uma bomba: “Mataram meu filho!”. O choro e os brados vindos daquela voz poderosa, de veterano radialista, marejavam os olhos e estampavam nos rostos de todos a mesma consternação: “Como as coisas chegaram a este ponto?”. Eu continuava em silêncio, olhando fixamente o pé do meu pai pendendo daquele carro baleado, e dentro de mim crescia a certeza de que, quem quer que fizera aquilo, iria pagar. Foram meses e meses de investigação policial, de luta, de agonia. Fizemos protestos pelas ruas de Goiânia, em jogos nos Estádios, nos reunimos com autoridades, tudo para cobrar a elucidação do caso. Eu já estava com uma petição pronta para o Ministério Público Federal quando, em primeiro de fevereiro de 2013, recebi a notícia das primeiras prisões temporárias. Corri pra delegacia. Ouvi sobre uma espécie de despachante e motorista, Urbano Malta; um sargento da Polícia Miliar, Djalma da Silva; e um açougueiro, Marcus Vinícius. No dia seguinte, era preso Maurício Sampaio, ex-Vice-Presidente do Atlético Clube Goianiense e um dos homens mais poderosos de Goiás. Quando o inquérito finalmente se tornou público, a fria precisão da trama assustou a imprensa goiana: Maurício Sampaio contava com a amizade de alguns dos policiais militares mais violentos do Estado. Entre eles, Djalma da Silva e Ademá Figuerêdo, que faziam sua segurança pessoal durante os jogos no Serra Dourada. Urbano Malta era funcionário de Maurício, cuidava de caminhões deste e resolvia problemas atinentes ao grande cartório então controlado pelo patrão na capital. Da Silva conseguiu a arma, e Urbano habilitou, três dias antes do crime, dois celulares pré-pagos no CPF de um cheque de terceiro, um desavisado com quem mantinha negócios. Um dos telefones e a arma foram guardados no açougue de um amigo de Da Silva, Marcus Vinícius, pois o estabelecimento é próximo à rádio. No fatídico dia 05 de julho de 2012, então, Figuerêdo foi deixado no açougue de Marcus por uma viatura descaracterizada, pegou a arma, uma moto do açougueiro e seguiu rumo à emissora. Urbano, portando o segundo celular, estava de tocaia: ele se mudara algumas semanas antes para um imóvel, de propriedade de Sampaio, bem em frente à 820 AM. Precisamente às 13h59min17s, Urbano ligou para Figuerêdo, que já esperava a uma esquina de distância, e avisou da saída de Valério Luiz. Sem hesitar, o PM entrou pela rua Teixeira de Freitas, diminuiu a velocidade, emparelhou a moto com o carro do jornalista, e disparou seis vezes. Tenho calafrios ao lembrar que, pelo apurado, Urbano até abriu a porta do carro para checar se meu pai estava morto. Da Silva foi ao velório, de madrugada, quando ainda havia pouca gente, e ficou encarando o corpo. Figuerêdo até já respondia a processo por uma chacina em Aparecida de Goiânia, quando teria matado uma criança de quatro anos com um tiro na nuca. E Maurício Sampaio, bem, faturava mais de dois milhões por mês no cartório, contando com prestígio nas altas rodas da sociedade e do poder goianos. Ninguém imagina a sensação de revolta e impotência no meu coração. Marcus Vinícius confirmou que o mandante do crime foi mesmo o patrão de Urbano, Maurício Sampaio. Nos meses anteriores à execução, meu pai tecera ácidas críticas à administração do Atlético. Revelara, entre outras denúncias, que Maurício pagava torcedores para picharem os muros da sede com insultos a jogadores e dirigentes dos quais não gostava; que tentava comprar resultados de jogos no Campeonato Brasileiro; que colocava dinheiro no Clube para retirar em passes de jogadores depois e que os patrocinadores do time eram todos envolvidos em escândalos (à época, Linknet e Delta Construções). Por fim, quando Sampaio decidiu afastar-se do cargo, Valério declarou que “quando o barco está afundando, os ratos são os primeiros a pular fora”. Após tudo isso, e com a ação penal já em vias de ser mandada a Júri Popular, o Atlético Clube Goianiense aclama Maurício Sampaio como seu Presidente Executivo para o biênio de 2015/2016. Ao serem questionados por jornalistas, os Conselheiros e a Diretoria afirmaram “não ter relevância” o fato de Sampaio responder pelo assassinato de Valério Luiz. Tentam dissociar o “Maurício pessoa” do “Maurício dirigente”. Ora, a instituição é maior que os indivíduos e seus problemas pessoais, claro, mas como ignorar que, segundo a Polícia Civil e o Ministério Público, o Presidente do Atlético mandou matar um jornalista por causa das críticas que sofria quando era Vice-Presidente do mesmo Clube? Não podemos dar de ombros para o maior atentado à imprensa e à liberdade de expressão já visto em Goiás. A atuação jornalística e a morte do meu pai escancararam as relações escusas que o futebol trava com o poder, com o dinheiro e com a corrupção. Lutamos para que os réus sejam julgados e que, após a condenação, qualquer coronel pense duas vezes antes de pegar a carabina por causa de um microfone. Lutamos para que os jornalistas, classe à qual pertence toda a minha família, possam ser coesos não somente entre frases de textos, mas também na criação de uma cultura pela qual não se engula em seco por nada e nossa voz ecoe alta, clara, destemida. *Valério Luiz de Oliveira Filho, advogado e assistente de acusação no processo que julga a morte de seu pai, Valério Luiz de Oliveira.

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