CUBA

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O jornalismo cubano passa por um doloroso momento de precariedade, desgastado por 46 anos de controle estatal sobre os meios de comunicação, uma violenta escalada de repressão contra a liberdade de expressão e de jornalistas presos, e a total indiferença das autoridades perante a demanda de informações por parte da população. A situação originada pela repressão desencadeada pela ampla ação policial e processos sumários de dois anos atrás, não deixou de existir e agravar-se na atualidade. O panorama atual não poderia ser mais desolador. No momento do fechamento deste relatório, o jornalista Víctor Rolando Arroyo, de 56 anos, encontra-se enfermo no salão de prisioneiros do hospital da província de Holguín, no extremo leste da ilha, após uma greve de fome de 23 dias. Arroyo, condenado a 26 anos de prisão durante a onda de repressão da primavera de 2003, decidiu optar pelo jejum em protesto contra os contínuos maus tratos dos carcereiros e negou-se a receber tratamento médico, apesar da deterioração de sua saúde. Depois de permanecer por vários dias no hospital da província de Guantánamo, foi transferido em 3 de outubro para Holguín. Seus familiares, que viajaram de Pinar del Río, no extremo leste da ilha, têm acesso limitado a visitas. Todos os acordos internacionalmente reconhecidos para o tratamento de prisioneiros políticos em greve de fome não tem sido cumpridos pelas autoridades cubanas. Na província de Villaclara, o jornalista preso, Héctor Maseda Gutiérrez, de 62 anos, condenado a 20 anos, já completou 13 meses sem receber visitas de familiares e nem visitas conjugais. Desde janeiro deste ano até há poucos dias, esteve submetido a um “regime especial incrementado”, sofrendo humilhações de todo tipo, como represália por suas declarações escritas retiradas do sistema penal e pela atitude mantida por sua esposa, Laura Pollán, líder do movimento cívico conhecido como Damas de Branco. Pollán foi advertida pelas autoridades policiais, no início do ano, de que seu marido sofreria as conseqüências caso ela não abandonasse seus protestos públicos em favor da liberação dos prisioneiros políticos. O número de jornalistas presos chegou neste período a 26, com a prisão de Oscar Mario González, que está detido desde o último 22 de julho sem ser formalmente processado, e de Albert Santiago Du Bouchet, processado e condenado sumariamente a um ano de prisão, em 9 de agosto, por participar de uma investigação de rotina sobre um distúrbio de rua. González, do Grupo de Trabalho Decoro, foi detido perto de sua casa sob suspeita de que participaria naquela manhã de um protesto anti-governo em frente à Embaixada da França em Havana. Já foi informado pelas autoridades de que será processado por violar a Lei de Proteção da Segurança Nacional e a Economia de Cuba (lei 88), de 1999, a qual serviu para ordenar as condenações a dissidentes e jornalistas em 2003. Em 9 de agosto a repórter Lamasiel Gutiérrez Romero, da agência Nueva Prensa Cubana, na Isla de la Juventud, foi condenada a sete meses de liberdade condicional sob acusações de “resistência à ordem e desobediência civil”. Gutiérrez tinha sido presa por três agentes da Segurança do Estado, em 14 de julho, quando se dispunha a viajar a Havana, e passou sete horas em uma cela durante o interrogatório policial. Depois de libertar seis jornalistas do chamado Grupo dos 75 com licenças extrapenais por motivos humanitários, no ano passado, o governo congelou a concessão deste benefício. A licença extrapenal por motivos de saúde é uma cláusula amparada pelo Decreto-lei 62, de 1987, que implica o cumprimento da sentença em prisão domiciliar, mas não estipula a anistia nem a supressão da sanção penal. Dois dos jornalistas beneficiados com a licença extrapenal, Raúl Rivero e Manuel Vázquez Portal, conseguiram obter a permissão do governo cubano para emigrar. Rivero, diretor vice-presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa da SIP, viajou com sua família para a Espanha em abril; Vázquez Portal aos Estados Unidos em junho. O resto dos libertados com a licença extrapenal, Jorge Olivera, Oscar Espinosa Chepe, Carmelo Díaz Fernández e Edel José Garcia, tiveram suas permissões de saída retidas e correm o risco de retornar à prisão caso o governo assim determine. À saída de Rivero e Vázquez Portal para o exílio, somam-se também no último semestre María Elena Rodríguez, Claudia Márquez, Miguel Saludes e Jesús Álvarez Castillo, radicados nos Estados Unidos, e Diolexys Rodriguez Hurtado, Belkys Rodríguez Bravo, Isabel Rey Rodríguez e Marvin Hernández Monzón,na França. Para os encarcerados com sentenças de três a 27 anos, continua em vigor, majoritariamente, um regime de severidade penal, afastados de seus lares e familiares a centenas de quilômetros de distância. São comuns as denúncias de humilhações, alimentação deplorável, falta de água potável, amontoados de presos nas celas e convivência com réus comuns de alta periculosidade. Uma dezena de presos está com a saúde afetada por enfermidades crônicas e adquiridas na prisão. Entre os jornalistas enfermos que continuam na prisão, sem as devidas condições higiênico-sanitárias, os casos mais alarmantes são os seguintes: 1. José Gabriel Ramón Castillo, de 46 anos, prisão de Boniato, Santiago de Cuba. Em setembro foi diagnosticado com cirrose hepática, além da hipertensão arterial e problemas circulatórios dos quais já padecia. 2. Normando Hernández González, de 36 anos, devolvido à prisão Kilo 5 ½, em Pinar del Río, depois de seis meses de hospitalização por alterações no estado de sua tuberculose (bacilo de Koch); síndrome de má absorção intestinal e úlceras estomacais. 3. Juan Carlos Herrera Acosta, de 39 anos, prisão Kilo 7, Camagüey: cardiopatia e hipertensão arterial, polineurite, infecções da pele (vitiligo), transtornos nervosos e perda de 15 quilos no peso. Depois de ficar hospitalizado entre março e maio, foi devolvido à prisão no início de junho. Em 23 de maio, durante sua permanência no salão de condenados do hospital “Amalia Simoni”, em Camagüey, foi golpeado, arrastado pelo chão pelos guardas e ameaçado com a abertura de um novo processo por “desacato à figura de Fidel Castro”. No final de setembro recebeu uma surra, que motivou protestos de seus companheiros de prisão. 4. Adolfo Fernández Saínz, de 57 anos, prisão da província de Holguín: hipertrofia prostática, hipertensão arterial, conjuntivite crônica, enfisema pulmonar, hérnia do hiato e cistos renais. 5. José Luis García Paneque, de 40 anos, Hospital Nacional de Reclusos da prisão Combinado del Este, em Havana: síndrome de má absorção intestinal e crises de depressão aguda. Perdeu mais de 35 quilos desde sua prisão. 6. Mario Enrique Mayo, de 41 anos, prisão Kilo 7, de Camagüey: hipertensão arterial, enfisema pulmonar, gastrite e problemas na próstata. Foi transferido quatro vezes de centros penitenciários em menos de três anos e foi hospitalizado em diversas ocasiões. No último julho fez uma greve de fome que enfraqueceu muito sua saúde. 7. Pedro Argüelles Morán, de 57 anos, prisão de Nieves Morejón, Sancti Spiritus: enfisema pulmonar, artrite generalizada e catarata nos dois olhos, pela qual está praticamente cego. 8. Julio César Gálvez Rodríguez, de 61 anos, Hospital Nacional de Reclusos da prisão Combinado del Este, Havana: hipertensão arterial, problemas no fígado, artrose cervical, lombalgia no osso sacro e estados depressivos. 9. Ricardo González Alfonso, de 55 anos, Hospital Nacional de Reclusos de Combinado del Este, Havana: foi submetido a uma operação da vesícula em janeiro; granuloma abdominal e sopro cardíaco congênito. 10. Alfredo Pulido López, de 45 anos, prisão Kilo 7, Camagüey: bronquite crônica, neuralgia occipital, hemorróides e hipertensão arterial. 11. Omar Ruiz Hernández, de 58 anos, prisão de Canaleta, Ciego de Ávila: hipertensão arterial e alargamento da aorta. 12. José Ubaldo Izquierdo, de 40 anos, prisão de Guanajay, Havana: enfisema pulmonar agudo e transtornos digestivos. Na vida pública são cada vez mais freqüentes os casos de perseguição policial, represálias, intimidação com despejos de moradias, detenções temporárias e assédio por grupos paramilitares, instigados e protegidos pelos próprios agentes policiais. A revitalização das chamadas manifestações de repúdio (antigo método repressivo) é a nova carta de força policial perante o crescente descontentamento popular. Em Aguada de Pasajeros, Cienfuegos, em 8 de agosto, foi detido por oito horas o médico Florencio Cruz, integrante da agência Línea Sur Press, do qual confiscaram medicamentos e dinheiro enviado dos Estados Unidos. Em Havana, em 22 de agosto, o jornalista da agência Havana Press, Carlos Ríos, foi detido e liberado no dia seguinte para forçá-lo a abandonar suas tarefas profissionais. Em 16 de setembro, Guillermo Fariñas, colaborador da agência Cubanacán Press, na cidade de Santa Clara, foi insultado e golpeado em plena rua por um grupo de manifestantes pró-governo ao sair de uma delegacia de polícia, na presença de agentes policiais. No final de março, a casa do jornalista Bernardo Arévalo Padrón, residente em Aguada de Pasajeros, Cienfuegos, foi pichada por cidadãos que disseram ser militantes do Partido Comunista de Cuba. Arévalo continua trabalhando na agência Línea Sur Press depois de cumprir uma sentença de seis anos de prisão por desacato à figura de Fidel Castro. Suas tentativas de processos de emigração estão bloqueadas depois da negativa dos Estados Unidos e França de concessão de asilo político, supostamente por seu vínculo anterior com o Ministério do Interior cubano. No início de agosto, o casal de jornalistas Luis Guerra Juvier e Aurora del Toro, da agência Nueva Prensa Cubana, foram expulsos da casa que ocupavam na cidade de Camagüey, por ordem de funcionários do governo. A ordem de despejo baseou-se nas supostas “atividades contra-revolucionárias” dos dois jornalistas. Em Las Tunas, no meio de agosto, o jornalista Héctor Riverón González, da agência Libertad, foi convocado por agentes da Segurança do Estado para ser advertido de que, se não se incorporasse a um posto de trabalho, seria preso e processado segundo a Lei 88 por seu trabalho informativo. Em todo o país continuam em atividade cerca de 30 profissionais da informação que desempenham seu trabalho de maneira irregular, apoiados fundamentalmente por agências, emissoras de rádio e publicações do exterior, como Cubanet, Nueva Prensa Cubana, Carta de Cuba, Radio Martí, Encuentro en la Red, e outros sites da Internet e emissoras locais de Miami. Na área da imprensa governamental, os meios oficiais dedicaram grandes espaços para promover a inauguração do canal Telesur, no último 24 de julho, como um meio de “destruir o latifúndio da mídia” e contribuir para criar uma consciência de integração. Cuba é um dos cinco países patrocinadores do canal de televisão, porém nem sequer o regime permitirá ao público cubano o acesso à totalidade de sua programação. Os cubanos poderão somente assistir a uma seleção de uma hora de fragmentos e programas, devidamente escolhidos por especialistas oficiais, como ocorre com os convênios de intercâmbio de programação assinados com a CNN e outras redes de televisão estrangeiras. A aliança estratégica dos meios cubanos com o jornalismo oficial venezuelano continua a toda velocidade. Após o lançamento em fevereiro da revista de “dupla nacionalidade” Patria Grande, Venezuela e Cuba assinaram um acordo de cooperação informativa para estreitar os vínculos entre a agência cubana Prensa Latina (PL) e a Agencia Bolivariana de Noticias (ABN). De acordo com o convênio, assinado em 23 de março, os jornalistas cubanos ajudarão na reestruturação e reativação da ABN, e fornecerão assessoria para “o tratamento informativo das notícias, o treinamento profissional do pessoal venezuelano e treinamento em novas tecnologias”. No Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, em 3 de maio, o Sindicato de Jornalistas de Cuba (UPEC), do governo, fez uma convocação, em Havana, para um colóquio sobre “a verdade seqüestrada”, no qual foi analisado “o momento histórico em que vive a América Latina e mais especialmente a Venezuela”, e enfatizou-se, paradoxalmente, que “a informação é um direito dos povos”. A suposta campanha antiterrorista que os meios estatais cubanos dizem apoiar em suas 548 publicações e mais de 270 páginas na Internet, resulta ser altamente questionável com relação à reação aos atentados que ocorreram em Londres, no último julho, quando seus sites na Internet chegaram a publicar um artigo com a seguinte declaração: “Os atentados de Londres são a expressão da justa cólera dos martirizados. Os mansos decidiram deixar de sê-lo”. (Lisandro Otero: “A resposta dos sofredores”. La Jiribilla, Semana 2-8 de julho de 2005). O governo cubano não tem economizado ameaças aos correspondentes estrangeiros credenciados em Havana, culpando alguns deles de juntarem-se à “guerra eletrônica” que tenta apresentar uma imagem de caos e crise econômica em Cuba.

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