O clima geral para a prática do jornalismo foi perturbado por um discurso obstinado em alguns setores do poder que insistem na ideia do lawfare, uma teoria que defende a conivência entre a mídia e os juízes. Neste contexto, aumentaram os ataques contra a Corte Suprema de Justiça.
Os jornalistas também foram afetados por vários casos de perseguição judicial e por um alto nível de estigmatização por parte de altos funcionários do governo, em nível nacional e nas províncias.
Nesse período, ocorreram dois graves ataques aos meios de comunicação envolvendo incêndios. Em novembro, homens encapuzados atacaram as instalações do jornal Clarín em Buenos Aires com coquetéis Molotov. Algumas semanas depois, quatro dos responsáveis, todos membros de um grupo anarquista, foram identificados e presos. Em dezembro, manifestantes contrários à mineração destruíram e incendiaram partes das instalações do jornal El Chubut, na cidade de Trelew. Três manifestantes foram presos.
No âmbito judicial, é preocupante o pedido feito pela auditoria do Ministério Público da província de Santa Fé ao meio de comunicação Aire, da mesma província, para que entregasse o conteúdo de uma conversa entre um de seus jornalistas e um procurador, relativa a uma queixa apresentada pelo presidente do tribunal local. Por outro lado, é positiva a decisão da Corte Suprema de Justiça de suspender a execução da decisão mencionada no nosso relatório anterior, em outubro passado. A decisão obrigava o jornalista Santiago O'Donnell a entregar os originais das gravações que havia obtido com entrevistas realizadas para a elaboração de um livro de investigação. Organizações da imprensa, como a Adepa, disseram que o sigilo das fontes jornalísticas, consagrado na Constituição, não deve ser violado.
Outro acontecimento positivo para a liberdade de imprensa foi a absolvição do jornalista do Clarín, Daniel Santoro, pela Câmara Federal de Mar del Plata.
Houve decisões judiciais em desacordo com a liberdade de expressão, entre elas a do Tribunal Superior de Justiça da província de San Luis contra o jornalista Diego Masci, diretor do portal "Zbol". Masci foi considerado, em instâncias anteriores, material e criminalmente responsável pelo crime de violação de privacidade devido à publicação de um vídeo do atual ministro provincial do Meio Ambiente que era, no momento das filmagens, ministro da Educação da província de San Luis. O tribunal manteve a decisão de primeira instância, ratificada na segunda instância, que ordenou o pagamento de uma multa ao condenado e também ordenou ao Google que removesse o vídeo da plataforma do Youtube. Isso constituiu um precedente em nível provincial do chamado "direito ao esquecimento".
Em outra decisão judicial, a justiça paraguaia ordenou a captura internacional do jornalista argentino Julio Chiapetta, uma decisão contrária às normas interamericanas relativas a ações penais contra jornalistas como consequência de suas expressões.
Nas últimas semanas, a Corte Suprema analisou a validade do "direito ao esquecimento", com base no caso "Denegri, Natalia v. Google". A Adepa alegou, num amicus curiae que teve o apoio da SIP, a incompatibilidade desta figura com os princípios da liberdade de expressão. A Adepa também apontou, no âmbito da apresentação, os danos causados ao debate público pela dinâmica das plataformas digitais.
Quanto aos meios de comunicação estatais, são preocupantes as denúncias de demissões por motivos ideológicos. Há também tentativas de órgãos estatais de estabelecer critérios para a cobertura jornalística, como ocorreu com relação às produções do 40º aniversário da recuperação das Ilhas Malvinas. Houve também o anúncio de um projeto ligado à regulamentação das redes sociais, que foi rapidamente abortado ou suavizado diante das reações críticas da opinião pública.
No que se refere à estigmatização da imprensa, um incidente lamentável foi o encaminhamento, pelo presidente do país, de uma mensagem no Twitter que classificava o jornalismo como uma "vergonha nacional". Por sua vez, o governador da província de Chaco declarou que a mídia deveria ser regulamentada, porque "as pessoas começam a pensar o que a mídia e os jornalistas propõem". De maneira semelhante, o governador de La Rioja disse que deveriam ser colocados limites ao jornalismo, porque "há quem invente, minta e gere esta situação de desânimo na sociedade". Em dezembro, a senadora Juliana Di Tullio tentou associar o jornalista Hugo Alconada Mon, do La Nación, que foi precisamente quem revelou estas manobras, a ações judiciais movidas contra sindicalistas. Nas últimas semanas, Eugenio Zaffaroni, até alguns meses atrás juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos e também ex-juiz da Suprema Corte de Justiça da Argentina, reiterou declarações que fez em 2020 nas quais associara a mídia às políticas de comunicação do nazismo e do estalinismo. Igualmente preocupantes foram as declarações do então embaixador argentino em Israel e Chipre, Sergio Urribarri, que afirmou que Daniel Enz, editor da revista Análisis, fazia parte de uma manobra judicial e política para prejudicá-lo. Poucos dias depois, Urribarri foi condenado a oito anos de prisão por corrupção e teve que renunciar ao seu cargo. Irene Benito, outra jornalista do interior que é vítima de assédio judicial, sofreu um revés em um caso que tenta criminalizar seu trabalho.
A sustentabilidade do setor jornalístico está gravemente ameaçada por uma combinação de fatores. A economia do país está sofrendo os efeitos de dois anos de pandemia, o país enfrenta uma inflação mensal superior a 5%, um déficit crônico nas contas públicas e um clima empresarial particularmente adverso, agravado por um horizonte político incerto. A publicidade privada na mídia caiu drasticamente durante a pandemia e a publicidade estatal nacional representa agora 20% do volume que representava há uma década. As grandes plataformas tecnológicas assinaram acordos de conteúdo com uma centena de veículos de mídia argentinos, o que é um primeiro passo positivo, mas claramente insuficiente. Os valores são muito baixos em relação ao que o conteúdo jornalístico contribui para as plataformas e para o impacto econômico que tem para as empresas de mídia.
No dia 25 de janeiro completaram-se vinte e cinco anos do assassinato do jornalista José Luis Cabezas. Sua morte traçou um limite que, felizmente, não foi cruzado desde então na Argentina.