Argentina

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Em um momento em que o mundo está se tornando mais complexo, mais global e mais dependente da tecnologia e da qualidade de vida, os líderes políticos estão vivendo uma séria crise de confiança, questionando sua capacidade de solucionar problemas cotidianos e de atender às demandas da sociedade adequadamente. Um relatório da Transparência Internacional sobre os índices de corrupção mundialm que coloca o país na posição 109 de 180, revela o problema de distribuição da publicidade, enquanto a Associação de Entidades Jornalísticas da Argentina chamou a atenção sobre a conflituosa relação com a mídia, pediu tolerância e convidou a proteger a diversidade na mídia. O conflito entre o governo e o setor agropecuário, agravado por uma constante pressão fiscal que explodiu com a imposição de impostos sobre a exportação de grãos, já tinha começado quando o governo iniciou campanhas para desacreditar a mídia, jornalistas e representantes de outros setores políticos e econômicos. Houve momentos muito tensos quando o governo afirmou que todas as informações publicadas nos jornais ou divulgadas nos meios eletrônicos eram parte de operações para desestabilização e de conspiração. A situação começou a mudar em 17 de junho, quando o Poder Executivo decidiu submeter ao Congresso a votação da polêmica Resolução 125 sobre impostos para o setor rural. Um mês depois, o vice-presidente Julio Cobos votou contra o plano do governo, o que resolveu o impasse no Senado. Um dia antes, duas medidas simultâneas do governo e do setor agrícola haviam criado um clima de tensão máxima e um cenário praticamente inaceitável para o país. O Senado deu uma lição de civismo que deve ser vista como uma injeção de democracia representativa em uma instituição enfraquecida. Foi um divisor de águas ao se reconsiderar uma iniciativa do governo que havia ignorado o consenso e atacado aqueles que não concordavam com a opinião oficial, a ponto de serem tratados como inimigos. Correspondentes estrangeiros e a Igreja Católica apontaram essa falta de diálogo como o fator principal na fragmentação social na Argentina. Editoriais em quase todos os jornais do mundo concordaram que essa crise havia levado o país a um abismo. Essa forma abusiva de impor os pontos de vista do governo fez com que Ricardo Lorenzetti, presidente do Supremo Tribunal da Justiça, dissesse que o debate é como os pulmões de uma sociedade, ou seja, que é essencial para que uma sociedade seja forte e expresse sua diversidade. Criticou o pensamento unilateral e alertou para a possibilidade de que uma situação semelhante se instaurasse em toda a América Latina. O governo entendeu a situação dessa mesma maneira. Reorganizou a liderança e mudou nitidamente sua postura com a mídia, como uma forma para se comunicar com o povo. Coletivas de imprensa voltaram a ser feitas. Nem a presidente Cristina Fernández de Kirchner nem o presidente anterior, Nestor Kirchner, haviam realizado coletivas. As salas do palácio presidencial foram reabertas para jornalistas com uma agenda aberta. A presidente respondeu perguntas de jornalistas dos meios de comunicação mais importantes do país e de correspondentes estrangeiros durante mais de 2 horas e meia. Não foram permitidas perguntas subseqüentes, mas o gesto foi bem visto pelos cidadãos. Sergio Massa, chefe de gabinete da presidente Cristina Fernández de Kirchner, elogiou a mídia e enfatizou que seu governo vai considerar a liberdade de imprensa como um valor fundamental. Prometeu fortalecer o diálogo e trabalhar com a imprensa. Em uma reunião com a Entidades Jornalísticas Argentinas (ADEPA), Massa disse que o mais importante é estabelecer a sinceridade e a credibilidade entre o governo e a mídia, mesmo quando tenham opiniões diferentes. O conflito havia causado violência verbal que constituiu um ataque não só à imprensa mas também a todos os cidadãos. Os principais alvos dessa arremetida foram o Grupo Clarín e o La Nación. O confronto com o Clarín foi mais radical e incluiu faixas exibidas em eventos públicos e transmitidas com destaque pela televisão do governo. Diziam “Clarín mente”, ou “Todo Negativo”, referindo-se à rede de notícias Todo Noticias (Tudo Notícias), que pertence ao Grupo Clarín. O mesmo aconteceu com a revista Noticias e o grupo Prisa, da Espanha. Houve também agressões verbais feitas por líderes tais como o polêmico Luis D’Elia e comentários ameaçadoras pelo ex-presidente Kirchner. A Igreja Católica e Eduardo Mondino, defensor público da Argentina, destacaram a falta de democracia e pluralismo. Em abril, a Associação dos Magistrados e Oficiais de Justiça declarou que os juízes, ou seja, eles mesmos, tendem a não investigar o poder político. O juiz Recondo foi mais além e disse que só os juízes super-heróis ou com uma coragem extraordinária assumiriam o desafio de investigar um funcionário. E acrescentou que o governo é o único responsável por essa situação. Outro ponto importante na relação entre o governo e os meios é a distribuição da publicidade oficial. Considerando-se apenas o orçamento do governo, e sem considerar o de outros órgãos públicos descentralizados e as províncias, em 2007 o investimento foi 55% maior do que o do ano anterior. Até agora, em 2008, o conflito com o campo foi responsável por um aumento de 48% no orçamento. Em um recente seminário realizado na Câmara dos Deputados, criticou-se a falta de interesse do governo quanto aos projetos que regulamentam a distribuição dos gastos com publicidade. Laura Alonso, da Fundação Poder Cidadão, analisou o apoio do governo ao empresário Rudy Ulloa, ex-motorista de Nestor Kirchner e um dos investidores mais importantes nos meios de comunicação. A mesma crítica foi feita por Eleonora Rabinovich, da Associação de Direitos Civis. Deputados da oposição mencionaram que nos últimos quatro anos a publicidade oficial passou de 46 para 322 milhões de pesos. Afirmaram também que não se pode falar de modificação da lei de radiodifusão a menos que se fale de livre acesso às informações públicas, descriminalização da injúria e calúnia e a criação de uma estrutura legal para estabelecer diretrizes para evitar a discriminação na distribuição da publicidade. O governo anunciou que está estudando possibilidades de modificar a lei de radiodifusão. Não se pode negar a necessidade de atualizar a estrutura legal para a operação de freqüências públicas de emissoras privadas, que data dos anos da ditadura militar. Como existem ainda temores de conflitos entre o governo e a mídia, esse é um momento delicado para se instaurar um debate tão importante quanto o do estabelecimento de novas diretrizes para rádio e TV. Um exemplo do nível de tensão no relacionamento com a mídia foi a adoção, pelo Comitê Federal de Radiodifusão, de uma polêmica resolução contra a rádio Continental, do Grupo Prisa, da Espanha, que proibiu a retransmissão da sua programação de amplitude modulada (AM) por outro sinal de freqüência modulada (FM). O governo propôs a criação de um “Observatório de Imprensa” para acompanhar o trabalho das empresas de radiodifusão e de outras publicações. A entidade, que se basearia em uma estrutura pública liderada pela Universidade de Buenos Aires, seria um risco e uma forma de intimidação para as informações opostas à visão oficial. A proposta foi finalmente arquivada depois de um duro debate público impulsionado pelos meios. Uma decisão saudável do Supremo Tribunal da Justiça colocou no topo da hierarquia jurídica a doutrina da “real malícia”. Trata-se de afirmar que qualquer pessoa que emita uma opinião ou uma informação que seja em seguida considerada equivocada, deve tê-lo feito como uma ação dolosa para ser considerada passível de punição. Como isso foi respaldado pela Corte Suprema do país no caso “Patitó contra o jornal La Nación”, estabelece jurisprudência para todos os juízes do país. Outros fatos importantes neste período foram: A Assembléia constituinte para emendar a constituição da província de Entre Ríos aprovou o direito de resposta com o seguinte texto: “Qualquer pessoa, cuja honra ou reputação seja prejudicada por informações ofensivas, maliciosas ou incorretas que a prejudiquem, por qualquer tipo de meio de comunicação, tem o direito de obter uma correção ou resposta no mesmo meio. Uma mera crítica não está sujeita ao direito de resposta. A lei vai regular o exercício do direito previsto nesta disposição.”. Ao clima de intolerância, soma-se a agressão ao fotógrafo León Szajman, da Revista Caras, em 20 de maio, e que incluiu a destruição do seu equipamento de trabalho. Em Lobos, província de Buenos Aires, agravou-se o conflito do município com o jornal La Palabra, por não se aceitar sua linha editorial. O castigo é econômico, já que há mais de um ano e meio esse jornal não recebe publicidade oficial. O governo municipal moveu ação contra o jornal por publicar declarações críticas de terceiros. Também em Buenos Aires, o jornal Mi Ciudad, de Florencio Varela, processou o município por recusa ao acesso a informações públicas. Outro caso afetou o suplemento esportivo do jornal La Voz de Colón em Buenos Aires. Os diretores do clube impediram os jornalistas de trabalhar nos vestiários e no campo e incentivaram simpatizantes e jogadores a agredi-los verbalmente. Em Neuquén, um tribunal restringiu a cobertura jornalística nas audiências em que foram julgadas pessoas envolvidas em crimes contra a humanidade. Os fotógrafos do jornal Río Negro, Leonardo Patricio e Cecilia Maletti, foram ameaçados telefonicamente por causa das fotografias que tiraram durante a audiência. Em San Lorenzo, província de Santa Fe, o diretor do semanário Síntesis, César Ríos, enfrenta sérios problemas por causa das manobras políticas para amedrontá-lo e desprestigiá-lo. Em agosto, na cidade de Azul, Buenos Aires, membros de grupos da esquerda assediaram o jornalista Maiano Grondona quando saía de uma palestra.

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