O Governo Federal tem demonstrado sua intenção de cercear e minar as liberdades de imprensa e expressão. A Conferência Nacional de Comunicação, a Conferência Nacional da Cultura e o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) realizados sob a iniciativa governamental - revelam as intenções do poder executivo brasileiro em criar e firmar mecanismos de controle social da mídia.
No início de março, em São Paulo, participantes do Fórum Democracia e Liberdade de Expressão externavam essa preocupação e representantes de diversos países latino-americanos alertavam que o cerceamento da liberdade começa, justamente, pelo argumento de que é necessário exercer o controle social da mídia.
Vale destacar que essas manifestações ocorreram mesmo após o ministro das Comunicações, Hélio Costa, em palestra para os participantes rejeitar qualquer possibilidade do governo tentar controlar os meios de comunicação, ocasião que defendeu ainda uma nova e grande lei de comunicação e da criação de novos marcos regulatórios para o setor.
No discurso que proferiu na abertura do Fórum, o presidente do Conselho Administrativo do Grupo Abril, jornalista Roberto Civita, criticou o PNDH, acusando-o de ser um exemplo de tentativa de controle governamental sobre os meios de comunicação. E o temor de Roberto Civita tem fundamento. Como bem lembrou o deputado Mendes Thame, esse Programa embute um dispositivo que permite a criação de um ranking de veículos de comunicação pelo critério dos direitos humanos. Trata-se de fazer distinção entre entidades privadas órgãos de imprensa ou veículos de comunicação sem qualquer razão ou justificativa, exceto a vontade do administrador", afirma o parlamentar. Para ele, o PNDH torna evidente o intuito do governo de causar embaraços sem autorização legal.
No mesmo Fórum, o diretor de Redação da Folha de S.Paulo, Otávio Frias Filho, opinou que não se pode considerar a situação da liberdade de imprensa no Brasil tão grave como em países como Venezuela, Equador e Bolívia, mas alertou para as tentações autoritárias, de controle da mídia, em governos muito populares, como o brasileiro: governos com índices de popularidade alta tendem a ser mais autoritários. Eu atribuo algumas ações (de controle da mídia) à sensação de força que essa popularidade confere.
Diante desse quadro, Otávio Frias Filho elencou três funções do bom jornalismo: municiar os cidadãos para terem atuação mais ativa e consciente, fazer uma espécie de taquigrafia da historia e funcionar como parte de um sistema de freios e contrapesos do poder. Para ele, essa última é a atribuição mais relevante do jornalismo livre, dentro do entendimento de que é saudável numa sociedade democrática alguma tensão entre governo e imprensa.
Já o vice-presidente de Relações Institucionais do Grupo Abril, Sidnei Basile, destacou que quem faz o controle da mídia é o cidadão: Você compra sua revista na banca, não gostou, está ruim, está mal feito, não compra mais. Esse controle social é perfeito e não precisa de outro. Basile acrescentou: Não é o Estado que fiscaliza a imprensa, mas sim a imprensa que fiscaliza o Estado.
Preocupante, também, é a postura de certas manifestações, na internet (vermelho.org), em defesa do governo. Alguns textos afirmam que representantes da grande mídia afirmaram que o PT é um partido contrário à liberdade de expressão e à democracia. Eles acreditam que se Dilma for eleita o stalinismo será implantado no Brasil. Para os defensores do controle social dos meios de comunicação a grande mídia já organiza campanha contra a candidatura de Dilma.
Os ataques via internet partem para ridicularizar o Fórum promovido por um instituto defensor de valores como a economia de mercado e o direito à propriedade, e que tem entre seus conselheiros nomes como João Roberto Marinho (Organizações Globo), Roberto Civita (Editora Abril), Eurípedes Alcântara (Revista Veja) e Pedro Bial (TV Globo) Em sua palestra no mesmo evento, Marcel Granier, presidente da RCTV, maior rede de televisão da Venezuela, fechada por Hugo Chávez em 2007, classificou de preocupantes o silêncio e a cumplicidade das democracias latino-americanas a respeito das restrições à liberdade de expressão em Cuba e na Venezuela.
Os meios de comunicação estão preocupados ainda em relação à Conferência Nacional da Cultura, embora o Ministério da Cultura tenha informado, em meados de janeiro, que o evento tem por objetivo prioritário debater a cultura no país. As preocupações dos empresários de comunicação brasileiros foram expressas pelos jornais O Globo e O Estado de S. Paulo. Nos textos, os dois veículos ressaltam o caráter "autoritário" do documento e o associam a tentativas de cerceamento do direito de informação e de expressão. "O texto-base da conferência poderia figurar num museu de teratologia política, como alcance da estupidez humana. Antes de enviá-lo para lá, no entanto, será preciso evitar a sua conversão em roteiro oficial de uma política de comunicação, ciência e cultura", diz o Estadão.
A Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abert) considerou uma ameaça à liberdade de expressão a previsão de controle dos meios de comunicação que consta do texto-base da 2a Conferência Nacional de Cultura. O documento da conferência afirma que o suposto monopólio dos meios de comunicação representa uma ameaça à democracia e aos direitos humanos.
A Associação Nacional dos Jornais (ANJ) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também veem nesse documento um ataque do governo à mídia. A direção executiva da Associação dos Jornais criticou as diretrizes do texto: "A ANJ lamenta e condena qualquer iniciativa que vise a impedir a plena liberdade de expressão. Nesse caso, assim como em outros relatados recentemente, trata-se de proposta antidemocrática e anticonstitucional, uma vez que a plena liberdade de expressão é um dos preceitos básicos da nossa Constituição. É condenável essa tentativa de dirigismo, de interferência no conteúdo dos meios de comunicação."
A OAB manteve o tom de crítica ao texto-base da 2ª Conferência Nacional de Cultura. Segundo a entidade, o governo confunde a concentração de grandes empresas jornalísticas nas mãos de grupos econômicos com monopólio. Na opinião da OAB, o Planalto não pode interferir na liberdade dos meios de comunicação de informar a sociedade: A liberdade de opinião jornalística, ainda que se possa discordar dessa opinião, é um direito fundamental. O Estado deve fomentar essa liberdade e não restringi-la".
Sobre o Programa Nacional dos Direitos Humanos, em meados de janeiro a Associação Nacional de Editores de Revistas (ANER), ABERT e ANJ distribuíram nota à imprensa manifestando sua perplexidade diante das ameaças à liberdade de expressão contidas no Decreto que cria o PNDH. Segundo as entidades, a propósito de defender e valorizar os direitos humanos, que estão acima de qualquer questionamento, o decreto prevê a criação de uma comissão governamental que fará o acompanhamento da produção editorial das empresas de comunicação e estabelecerá um ranking dessas empresas, no que se refere ao tema dos direitos humanos. O decreto prevê ainda punições e até mesmo cassação de outorga, no caso dos veículos de radiodifusão para as empresas de comunicação que não sigam as diretrizes oficiais em relação aos direitos humanos. A defesa e valorização dos direitos humanos são parte essencial da democracia, nos termos da Constituição e de toda a legislação brasileira, e contam com nosso total compromisso e respaldo. Mas não é democrática e sim flagrantemente inconstitucional a idéia de instâncias e mecanismos de controle da informação. A liberdade de expressão é um direito de todos os cidadãos e não deve ser tutelada por comissões governamentais. As associações representativas dos meios de comunicação brasileiros esperam que as restrições à liberdade de expressão contidas no decreto sejam extintas, em benefício da democracia e de toda a sociedade.
Outros fatos que merecem destaque são os seguintes:
O jornal O Estado de S.Paulo está sob censura prévia praticamente oito meses, proibido pelo poder judiciário de veicular qualquer informação sobre um suposto envolvimento do empresário Fernando Sarney filho do ex-presidente da República e atual presidente do Senado em desvio de dinheiro e prática de caixa dois em campanha política sob alegação de que a investigação está sob segredo de justiça.
A suspeita de participação do filho de Sarney no esquema surgiu a partir da operação Boi Barrica, da Polícia Federal, e veio a público em reportagem publicada dia 16 de julho de 2009 em O Estado de S.Paulo, com base em informações obtidas de forma legítima. Duas semanas depois, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal proibiu o grupo Estado de dar mais informações sobre o caso e estipulou multa de R$ 150 mil para cada reportagem contrária a decisão.
No dia 14 de dezembro de 2009, foi assassinado José Givonaldo Vieira, de 40 anos, proprietário e diretor da Rádio Bezerros FM e Folha do Agreste, na cidade de Bezerros, no estado de Pernambuco. Viera viajava no seu carro quando foi interceptado por outro carro do qual um desconhecido saltou e o qual disparou três vezes contra seu peito e sua cabeça. O incidente ocorreu do lado de fora da Rádio Bezerros, onde ele apresentava o programa Bezerros Comunidade, que abordava temas sociais. Não se sabe qual foi o motivo do assassinato.
No dia 18 de dezembro, Fernando Sarney entrou com pedido de desistência da ação contra o Estadão. O jornal, no entanto, não aceitou o arquivamento do caso e, em 29 de janeiro de 2010 manifestou-se ao Tribunal de Justiça do DF sua preferência pelo prosseguimento da ação para que o mérito seja julgado.
Madrid, Espanha