Equador

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As ameaças à liberdade de expressão, que continuaram durante os últimos meses, multiplicaram-se a partir de 30 de setembro, dia em que a polícia e parte da Força Aérea se rebelaram contra o presidente Rafael Correa. Todos os meios de comunicação foram obrigados a suspender suas transmissões e a fazer a retransmissão da cadeia nacional “ininterrupta e indefinida” para que os cidadãos só pudessem conhecer a versão do governo sobre o incidente. Desde então, várias pessoas foram intimidadas ou detidas de forma ilegal por afirmarem discordar da tese oficial de tentativa de golpe de Estado ou por terem dito que apoiavam o movimento dos policiais. Os acusados não tiveram direito ao processo devido. Um dos casos mais graves é o do diretor do Hospital da Polícia, onde o presidente se refugiou naquele dia. O diretor foi acusado pelo presidente de participar da “tentativa de assassinato” contra ele quase um mês depois dos acontecimentos e apenas algumas horas depois de o médico declarar à CNN não ter visto ninguém ameaçar Correa com uma arma. O presidente disse que o governo “infelizmente” não controla todos os meios de comunicação, o que permite supor que poderá ser acelerada a aprovação do projeto de Lei da Comunicação, do governo. Seu trâmite ficou suspenso depois de uma carta enviada em julho pela Relatora para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos na qual ela expressava sua preocupação quanto às cláusulas que essa lei pretende incluir. Em 29 de outubro, a Comissão anunciou que uma delegação da CIDH visitará em janeiro o Equador, antes que a Assembleia Nacional aprove o projeto de lei, para dar continuidade ao debate. Outros fatos relevantes em ordem cronológica: Em 25 de março, Rubén Montoya, diretor do jornal El Telégrafo, que foi assumido pelo governo, foi destituído por “má administração comercial e perdas registradas” durante sua gestão. Dias mais tarde renunciaram a subdiretora, Carol Murillo, e 21 colunistas de opinião, esses últimos mediante manifesto em que denunciaram “atos de censura e de violação dos direitos à liberdade de expressão e de imprensa”. Em 1º de maio, o presidente iniciou seu discurso afirmando que os jornaleiros são “gente muito explorada” e que são os jornais que devem pagar o IVA e não os jornaleiros. Em 19 de maio, Carlos Delgado, jornalista do jornal El Mercurio, de Manta, foi hospitalizado um dia depois de denunciar ter sido agredido e detido por vários policiais depois de fotografar pessoas que estavam sendo detidas na praia. Em junho, durante a Copa do Mundo de futebol, o governo iniciou uma campanha publicitária agressiva contra os meios de comunicação mostrando imagens de víboras e disparos de armas de fogo para representar o conteúdo dos noticiários. Vários setores criticaram a campanha, mas o presidente respondeu: “Estou muito contente... porque ela reflete muito bem nossos sentimentos, essa ira que nós cidadãos sentimos ao ver certos abusos de uma certa imprensa, não de toda... Estão recebendo um pouco do seu próprio veneno”. Em 1º de julho, a comissão correspondente da Assembleia Nacional entregou um relatório favorável da maioria do projeto da Lei de Comunicação. O passo seguinte deverá ser a aprovação no plenário, trâmite que está sendo adiado indefinidamente. Dias depois, a relatora da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), Catalina Botero, enviou uma carta ao presidente da Assembleia, Fernando Cordero, na qual criticava a “redação ambígua” de vários artigos do projeto de lei que poderiam servir para “dar um poder discricionário às autoridades de controle” sobre o sistema de comunicação. A relatora critica, também, que se pretenda impor o diploma universitário como condição para o exercício do jornalismo e a formação de um Conselho de Comunicação. Em outra carta, a Human Rights Watch expressou preocupações semelhantes. Em 4 de julho, os jornais El Comercio, El Universo, Expreso, Hoy, El Diario de Manabí, entre outros, enviaram cartas ao secretário de Comunicação, Fernando Alvarado, pedindo-lhe que dissesse quais são os meios de comunicação ladrões e que promovem a violência e dos que fala a campanha que o governo transmitiu durante a Copa Mundial de futebol. Alvarado se negou a fornecer essas informações. Em 12 de agosto, a Superintendência de Bancos modificou a cláusula constitucional que proíbe que pessoas ligadas ao setor financeiro possuam ações de um meio de comunicação. Para isso, estendeu a referida proibição aos cônjuges ou parentes até o quarto grau de consanguinidade ou segundo grau de afinidade dos acionistas, membros da diretoria, representantes legais e administradores de qualquer instituição bancária. Autorizou, também, a participação em um meio apenas quando for inferior a 25% do capital. A Assembleia Nacional ameaçou investigar essa resolução. A Superintendência de Bancos mudou, então, de atitude. Agora os acionistas e representantes dos bancos, seus cônjuges e seus parentes no segundo grau de consanguinidade ou primeiro grau de afinidade não poderão ter nenhuma participação na propriedade de um meio de comunicação. Em 20 de agosto, emitiu-se ordem de prisão contra Juan Alcívar, correspondente do jornal La Hora em La Concordia, acusado pela Procuradoria de atos terroristas por ter supostamente jogado uma bomba durante um comício do presidente Correa. Para emitir essa ordem de prisão foi decisiva a declaração de um funcionário municipal de La Concordia, cujo prefeito havia criticado duramente Alcívar nos últimos meses por seu trabalho jornalístico. Alcívar passou para a clandestinidade alegando que não havia garantia de que teria um julgamento justo. Em 13 de setembro substituiu-se a ordem de prisão preventiva pela obrigação de comparecer ao tribunal a cada quinze dias. Em 27 de agosto, o jornalista Jorge Ortiz, da Teleamazonas, fez sua última aparição no seu programa de TV. Explicou ter decidido “afastar-se para não ser um obstáculo na venda do canal”. A mudança dos proprietários da Teleamazonas ocorreu porque a nova Constituição proíbe que os banqueiros possuam ações em meios de comunicação. Em 31 de agosto, o jornalista Juan Carlos Calderón, coautor, com Cristina Zurita, do livro El Gran Hermano, informou que um funcionário da Procuradoria havia pedido por telefone seu endereço e o da sua companheira para lhes “mandar um aviso”. O livro relata os contratos que o governo celebrou com Fabricio Correa, irmão do presidente da República. Em 6 de setembro, o governo assumiu o poder de outro meio, o matutino PP, El Verdadero. “Vamos todos comprar o El Verdadero e começar a derrotar essas empresas lucrativas que dizem que fazem comunicação quando na verdade só defendem seus próprios negócios e interesses”, disse o presidente Rafael Correa dias antes do seu lançamento. Em 10 de setembro, o juiz Humberto Aguilera ordenou o bloqueio e embargo da conta bancária do jornalista Freddy Aponte, acusado pelo ex-prefeito de Loja, José Bolívar Castillo, de suposta injúria caluniosa. Em 17 de setembro, a ministra de Obras Públicas, María de los Ángeles Duarte, pediu que se impedisse a distribuição do livro El Gran Hermano, no qual foi mencionada, e que “se recuperassem” os exemplares que já haviam sido vendidos. Em 30 de setembro, por volta do meio-dia, as rádios e televisões privadas foram obrigadas a participar de uma cadeia “ininterrupta” liderada pelo canal Ecuador TV e a Radio Pública. Duas estações não participaram: Radio La Luna, de propriedade de Paco Velasco, deputado pelo governo, e a Radio Municipal de Quito, afiliada ao governo e dependente do prefeito. Mais tarde, o governo tentou se justificar alegando que havia entrado em vigor o estado de exceção, mas o decreto para o estado de exceção foi emitido depois de dada a ordem para que os meios interrompessem suas transmissões e não se cumpriu o requisito constitucional de definir que liberdades estavam sendo limitadas. No início da noite, várias pessoas entraram violentamente nos estúdios da Ecuador TV para exigir que se permita que os setores não governistas expressem seu ponto de vista sobre o que está ocorrendo. Mais tarde, a Ecuavisa e a Teleamazonas abandonaram a cadeia para divulgar as imagens da invasão armada no Hospital da Polícia onde o presidente estava. A organização Fundamedios registrou 22 agressões a jornalistas de meios públicos e privados, em Quito e em outras cidades, durante o dia 30 de setembro. Em alguns casos, os policiais rebelados obrigaram os jornalistas a entregar o conteúdo das suas câmeras de fotografia e câmeras de televisão. O caso mais grave foi o de Antonio Narváez, cinegrafista da Ecuavisa, que foi atingido por uma bala de borracha. A Ecuavisa denunciou também que um grupo de policiais tentou interromper a transmissão do canal agredindo seus funcionários nas antenas que ficam perto do vulcão Pichincha, em Quito. O canal Ecuador TV fez uma denúncia semelhante Em 5 de outubro, o jornal Hoy, de Quito, foi informado por escrito de que por ordem da Secretaria de Comunicação da Presidência o governo havia proibido que qualquer empresa pública e entidades do governo colocassem anúncios nesse jornal. O jornal Hoy mencionou que há mais de um ano está sendo sujeito a essa proibição. Em 12 de outubro, Andrea Romero, repórter da Teleamazonas, foi agredida por uma pessoa desconhecida enquanto fazia a cobertura de uma operação policial em um mercado da cidade de Quito. Em 15 de outubro, vários membros da oposição apresentaram um recurso de proteção contra o presidente da República, o secretário da Administração Pública e o Secretário de Comunicação por causa da cadeia de rádio e TV “indefinida e ininterrupta” de 30 de setembro. A juíza Gladys Terán recusou a ação de proteção em 28 de outubro. Em 16 de outubro, o presidente do Banco Pichincha, Fidel Egas, informou que a propriedade da Teleamazonas e Dinediciones (editora das revistas Mundo Diners, Fucsia, Soho e Gestión) será distribuída entre vários trabalhadores e funcionários do canal, um grupo de amigos seus e o grupo que edita o jornal La República do Peru. Três dias depois, o presidente da Assembleia, Fernando Cordero, afirmou que a transferência das ações da Teleamazonas poderia ser um caso de formação de testa de ferro e que por isso a operação vai ser investigada. Em 18 de outubro, simpatizantes do governo intimidaram Félix Narváez e a equipe de jornalismo da Ecuavisa qe cobriam os incidentes entre familiares dos policiais rebelados e simpatizantes do governo em frente ao Palácio de Carondelet. Em 21 de outubro, Ricardo Patiño, chanceler do Equador e secretário executivo do partido do governo, ao ser consultado sobre os motivos da cadeia de 30 de setembro, disse: “Não somos bobos para permitir que a mídia nos ataque, embora infelizmente não tenhamos o controle da mídia”. Mais tarde, acrescentou que as vítimas da rebelião de 30 de setembro, 10 mortos e mais de 200 feridos, fazem parte de um processo revolucionário como o que o governo está implementando. Em 23 de outubro, o presidente Correa ordenou a demissão e ação contra o diretor do Hospital da Polícia, coronel César Carrión, por ter declarado em uma entrevista para a CNN não ter visto ninguém ameaçando o presidente com uma arma no dia 30 de setembro. Mais tarde, o presidente acusou-o de ter fechado as portas do hospital com um cadeado para impedir que ele entrasse. Em 27 de outubro o coronel foi acusado de “tentativa de assassinato” do presidente. Cumpre pena de 90 dias de prisão enquanto está sendo investigado. Em 25 de outubro, o presidente informou que não incluirá no seu web site os nomes, pagamentos recebidos e outros dados de funcionários do governo por motivos de segurança, em uma nítida violação da Lei de Livre Acesso às Informações, atualmente em vigor. Em 29 de outubro, representantes da Fundamedios e da AEDEP (Asociación Ecuatoriana de Editores de Periódicos) foram recebidos pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) para expor seus comentários sobre o projeto de Lei da Comunicação e as denúncias sobre agressões a jornalistas e meios de comunicação. Uma delegação de agências do Estado (governo, Assembleia Nacional, Procuradoria) expôs também seus argumentos. A CIDH lembrou que o Equador se comprometeu a despenalizar os crimes relacionados à liberdade de expressão, mas o representante da Assembleia Nacional reconheceu que não se fez nenhum progresso nesse aspecto. No final do diálogo, a Comissão solicitou mais informações sobre a agressão a jornalistas e decidiu que uma delegação do órgão vai visitar o Equador em janeiro, antes que se aprove o projeto de lei, para que se dê continuidade ao debate.

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