Panamá

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No último semestre, a liberdade de imprensa foi ameaçada por medidas de órgãos do governo do presidente Ricardo Martinelli e do Órgão Judiciário do Ministério Público. Em 30 de abril, o tribunal do Primeiro Distrito Judicial do Panamá emitiu uma sentença condenando a Corporación La Prensa S.A. a pagar trezentos mil dólares de multa por danos morais em favor de Argentina Barrera Flores, uma ex-procuradora que prestava serviços na Procuradoria-Geral. Barrera havia sido afastada pela procuradora-geral Ana Matilde Gómez por ter supostamente cometido erros administrativos e voltou ao trabalho após um processo contra a decisão que a havia destituído do cargo. A condenação da Corporación La Prensa baseou-se em uma interpretação de uma notícia sobre a demissão da autora da ação. Em 8 de maio, o repórter gráfico Mauricio Valenzuela, do jornal Panamá América, foi agredido por um segurança particular de um sargento da polícia quando fazia a cobertura de um evento do procurador-geral adjunto, Giuseppe Bonissi, e depois de ter discutido com um dos guarda-costas de Bonissi que lhe havia dito, ao confiscar as fotografias que ele havia tirado do seu chefe, “É hoje que você vai ser preso”. Em 26 de junho, quando redigia uma matéria em um cybercafé, o jornalista veterano Carlos J. Nuñez, de 70 anos, foi preso depois de fazer o teste de “Pele Police”, um aparelho eletrônico que contém informações sobre antecedentes criminais e que revelou que havia uma sentença pendente, de um ano de prisão, emitida por uma ação de calúnia e injúria movida em 1998 e decorrente de uma reportagem publicada no extinto tablóide La Crónica. Nuñez ficou preso durante 19 dias e foi libertado depois de pagar uma multa de 34 dólares. Em 6 de julho, o jornalista espanhol Paco Gómez Nadal, que escreve uma coluna semanal no jornal La Prensa, foi detido durante quatro horas no aeroporto internacional de Tocumen quando estava prestes a viajar para a Colômbia. Gómez disse que sua viagem foi proibida, alegando-se que havia uma decisão que o impedia de entrar no país, mas que a ordem não especificava os motivos para isso. Ele ficou detido durante algumas horas até que lhe devolveram seu passaporte e “sem nenhuma explicação” deixaram que fosse embora. Nadal considera possível que tenha sido um caso de retaliação política por causa das suas colunas que criticam o governo e por seu ativismo em questões ambientais. O Serviço Nacional de Migração disse que a ordem está ligada a problemas fiscais, versão que foi negada por Gómez Nadal. Em 7 de julho, o fotógrafo Mauricio Valenzuela foi preso e humilhado por membros da polícia por ter cometido o grave crime de tirar fotos dos policiais enquanto ia cobrir um protesto de trabalhadores do projeto de ampliação do Canal do Panamá. Apesar de ter se identificado, foi algemado, colocado em um carro da polícia e levado a uma delegacia, onde foi obrigado a se despir e foi colocado em uma cela junto com outros presos comuns. Valenzuela ficou detido durante seis horas e meia. Os policiais o acusaram de ter sido desrespeitoso. Em uma audiência alguns dias depois na Corregedoria de Veracruz, o fotógrafo recebeu multa de quinze dólares por “perturbar a ordem pública”. O presidente Ricardo Martinelli pediu desculpas pelo incidente, disse que os policiais seriam punidos, mas nenhuma medida foi tomada nem houve progressos no caso. Em julho, ocorreram conflitos em Changuinola, província de Bocas del Toro, ligados a protestos de membros do sindicato do setor bananeiro. A cobertura noticiosa dos confrontos foi muito difícil, e jornalistas de diversos meios denunciaram que a polícia dificultou seu trabalho. O presidente Martinelli, porém, queixou-se da cobertura, responsabilizando a mídia pelo incidente, e convidou os donos das principais emissoras de TV, meios de comunicação impressos e radiais a um café da manhã, durante o qual a mídia esclareceu o papel que desempenha na democracia. Em agosto, como resultado da divulgação de supostas escutas telefônicas ilegais por parte do procurador do governo, foram intimados a depor ao Ministério Público os jornalistas Santiago Cumbrera, do Panamá América, e Álvaro Alvarado, de um canal de TV. Os dois jornalistas prestaram depoimento como supostas “testemunhas” e os funcionários do Ministério Público pediram que revelassem suas fontes de informação. Os dois recorreram ao artigo 4 da Lei 22 de 29 de junho de 2005 que consagra o direito ao sigilo das fontes de informação. O tema da despenalização da calúnia e da injúria para funcionários de alto escalão do governo, magistrados, juízes e funcionários eleitos pelo povo voltou à cena durante este período. Algumas decisões de juízes favoreceram a despenalização, respeitando o espírito com que o artigo 196 do Código Penal foi introduzido. Em 17 de setembro, o procurador-geral adjunto, Giuseppe Bonissi, pediu à Corte Suprema de Justiça que declarasse inconstitucional o segundo parágrafo do artigo 196 do Código Penal, que despenalizou os crimes de calúnia e injúria para os funcionários de alto escalão do governo. A atitude de Bonissi está ligada a uma advertência de inconstitucionalidade apresentada para estender a despenalização a todos os funcionários e não só aos funcionários de alto escalão do governo e funcionários eleitos pelo povo. Em 28 de setembro de 2010, o Segundo Tribunal Superior de Justiça do Primeiro Distrito Judicial condenou a diretora de notícias da TVN Canal 2, Sabrina Bacal, e o jornalista Justino González, que trabalhava para a mesma emissora, a doze meses de prisão comutáveis pelo equivalente em dias-multa, de dez dólares cada dia, e à inabilitação para o exercício da profissão pelo período de um ano contado a partir da data do pagamento da multa. Esta decisão abalou a comunidade nacional de jornalistas, porque os dois jornalistas haviam sido absolvidos em primeira instância por dois tribunais diferentes que haviam examinado a ação criminal movida contra eles pelo suposto crime de calúnia e injúria contra dois funcionários públicos que trabalhavam no Departamento Nacional de Migração e Naturalização do Ministério do Interior e da Justiça. Os tribunais haviam determinado em primeira instância que a notícia divulgada em setembro de 2005, na qual se afirmava estar em curso uma investigação por supostos crimes de corrupção relacionados a uma rede de tráfico de pessoas, havia sido feita com base em informações oficiais – um relatório da polícia – e que, por isso, era um relato fiel de uma informação e contava com o apoio oficial. Porém, nenhum dos três juízes do Tribunal Superior de Justiça invocou, na hora de revogar as decisões de absolvição, qualquer jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos nem a doutrina da Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre o relato fiel. Trata-se de algo fundamental porque desde a reforma do Código Penal, em 2007, que revogou o artigo 175 que penaliza quem reproduz uma calúnia ou uma injúria, a doutrina do relato fiel foi incorporada à legislação do país. A sentença condenatória do Segundo Tribunal Superior de Justiça também aplicou o artigo 2079 do Código Judicial, que havia sido incorporado à legislação panamenha em dezembro de 1986, ou seja, em plena época da ditadura militar e sob comando do então general Manuel Antonio Noriega. Este artigo estabelece que em favor da suposição de inocência, comete o crime de calúnia quem divulga informações sobre a identidade ou traços específicos que permitam identificar uma pessoa que está sendo investigada e permitam associá-la à respectiva investigação. Em 6 de outubro, o presidente da República anunciou que utilizaria seus poderes para dar o indulto aos jornalistas Sabina Bacal e Justino González. “A condenação é uma decisão independente do Órgão Judiciário, que respeito, mas que considero que pode transmitir, em âmbito nacional e internacional, mensagens equivocadas sobre a solidez da nossa democracia”, disse o presidente. Em 12 de outubro, um grupo de advogados e comunicadores sociais apresentou ao Departamento de Participação Cidadã da Assembleia Nacional um projeto de lei que pretende despenalizar totalmente a calúnia e a injúria para funcionários públicos e restringir o dever de proteção das identidades dos investigados pelo suposto cometimento de um crime, contido no referido artigo 2079 do Código Judicial, aos funcionários do Ministério Público, do Órgão Judiciário e da Polícia Nacional. O não cumprimento seria punido administrativamente e não por meio da exótica equivalência à calúnia. Em 14 de outubro, foi divulgada outra condenação a quinze dias de prisão, comutáveis por seu equivalente em dias-multa e emitida pelo Segundo Tribunal Superior de Justiça, contra o jornalista Rafael Antonio Ruiz, por uma notícia publicada no El Siglo, em 2005, e que afirmava haver uma investigação por lavagem de dinheiro contra um membro da escolta do então presidente Martín Torrijos Espino. Em 16 de outubro, o jornalista do La Prensa, José Otero, foi detido por policiais quando passeava com sua família no litoral atlântico do Panamá. Otero ficou detido durante três horas porque o dispositivo “Pele Police” revelou um caso pendente de calúnia, do ano de 2001, mas no qual havia sido absolvido. Otero foi solto depois da intervenção de funcionários de alto escalão do governo. Teme-se que sejam reabertos processos pendentes contra jornalistas por conta da declaração de inconstitucionalidade emitida pela Corte Suprema de Justiça em dezembro de 2008 para os decretos de indulto da então presidente Mireya Moscoso em agosto de 2004, dias antes de deixar o poder. Os indultos abrangeram vários jornalistas e comunicadores que haviam sido condenados ou estavam sendo processados por crimes contra a honra, na sua maioria em processos movidos por funcionários públicos. A Secretaria de Comunicação do governo continua centralizando as comunicações oficiais, apesar de algumas fontes do governo ainda manterem contato direto com a mídia. Continuam em vigor as restrições que impedem que os meios impressos tenham participação em empresas de rádio ou TV, mediante a Lei 24 de 1999, que reorganizou a estrutura legal que regula os serviços de rádio e televisão. O primeiro artigo dessa lei estabelece que o objetivo é promover e proteger o investimento e a livre concorrência e a qualidade entre os concessionários; porém, impõe uma limitação aos meios escritos ao impedi-los de adquirir, administrar ou operar estações de rádio ou TV na República do Panamá. Fica estabelecido que nenhuma rádio ou emissora de TV “poderᔠser controlada, direta ou indiretamente, por um jornal de circulação nacional.

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