17 Fevereiro 2014

Morte de cinegrafista reabre debate sobre federalização dos crimes contra a imprensa

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De Clarinha Glock, URR-Brasil 12 de fevereiro de 2014 Santiago Andrade (atribunamt.com.br) A morte do repórter cinematográfico da TV Bandeirantes (ou TV Band) Santiago Andrade em 10 de fevereiro de 2014 trouxe à tona uma triste realidade brasileira: somente neste ano três comunicadores foram agredidos durante manifestações e protestos de rua. No dia 25 de janeiro, dois jornalistas foram feridos em São Paulo: Sebastião Moreira, da Agência EFE, foi agredido por policiais militares, e Paulo Alexandre, freelancer, apanhou de guardas civis metropolitanos. Andrade morreu após ter sido atingido por um rojão, no dia 6 de fevereiro de 2014, quando cobria uma manifestação no Centro do Rio de Janeiro contra o aumento das passagens de ônibus. Estas estatísticas levaram à retomada das discussões sobre a necessidade de adotar medidas de proteção para os repórteres e jornalistas, de endurecer as penas aos agressores e de adotar a federalização das investigações dos crimes praticados contra os profissionais da Comunicação no exercício da sua atividade. De acordo com a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), em 2013 114 profissionais foram feridos em todo o país durante a cobertura de protestos. Entre eles, o repórter fotográfico Sérgio Silva, que perdeu o olho ao ser alvejado por balas disparadas por um policial militar enquanto cobria as manifestações em São Paulo, em junho de 2013. Mas ao contrário do que aconteceu agora, quando a polícia rapidamente localizou e prendeu o jovem manifestante suspeito de ter lançado o rojão que atingiu Andrade, nos outros casos não houve a identificação e prisão dos culpados pelas agressões. Pelo contexto histórico em que aconteceu a morte de Andrade, deve começar agora uma nova fase na história do jornalismo brasileiro, assim como aconteceu em 2002, com o assassinato do jornalista da TV Globo Tim Lopes. Naquele ano, Lopes fazia uma reportagem com uma câmera escondida para denunciar a exploração de menores de idade e o consumo de drogas em um baile funk na Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro. Descoberto por traficantes que dominavam a área, o repórter teve o corpo esquartejado e queimado em pneus. Seus assassinos foram presos e condenados. A partir de sua morte, foi fundada a Abraji, algumas empresas de comunicação aumentaram as medidas de proteção em coberturas, com o fornecimento de capacetes, coletes à prova de balas e carros blindados, e multiplicaram-se os cursos para habilitar jornalistas a um trabalho seguro em ambientes hostis. Além disso, iniciou-se um processo de negociação para incluir a prevenção e a proteção a riscos nas cláusulas trabalhistas. O momento político e social traz agravantes: a proximidade da Copa do Mundo, a ser realizada em junho de 2014, e das eleições para presidente da República, governadores, senadores, deputados federais e deputados estaduais, que vão ocorrer em outubro. Estes dois fatos tornaram a punição exemplar aos responsáveis pelo crime uma questão de honra, e urgente. O resultado foi uma investigação rápida por parte da polícia e muitas manifestações de autoridades condenando a morte de Andrade. Sem falar na enxurrada de apelos, via redes sociais e demais canais de comunicação, para que os próximos protestos sejam pacíficos. Desde junho de 2013, uma sucessão de manifestações geradas pela insatisfação popular, principalmente de jovens articulados através das redes sociais, tomou as ruas das cidades brasileiras demandando o passe livre no transporte coletivo, justiça, fim da corrupção, entre outras reivindicações. A repressão e truculência da polícia e a violência de alguns manifestantes viraram manchete dos jornais. Entre os grupos que participaram dos protestos estavam membros que se apresentaram como black blocs, em uma referência aos movimentos autonomistas europeus das décadas de 1970 e 1980 surgidos na Itália e Alemanha. No Brasil, em meio aos protestos pacíficos, eles apareceram de rosto tapado por uma máscara negra em ações de depredação de instituições públicas e privadas. No início das investigações sobre a morte de Andrade, a imprensa noticiou que um integrante dos black blocs era o principal suspeito de ter lançado o rojão que atingiu e matou o repórter cinematográfico. Preso, o suspeito admitiu para a TV Globo ter acendido o rojão, mas por meio de seu advogado, Jonas Tadeu, negou a participação nos black blocs. O advogado disse que seu cliente, um jovem de 23 anos acusado do crime, e outros manifestantes teriam sido aliciados por políticos e pagos para participarem dos protestos. O rojão que atingiu e matou Andrade poderia ter atingido qualquer pessoa que estivesse passando pelo local. Mas a morte do repórter naquela situação configura uma ameaça à liberdade da população de ser informada, já que ele estava cumprindo sua função jornalística. Este caso é especialmente mais significativo diante da realidade atual, em que a agressão contra repórteres cinematográficos, fotográficos, jornalistas e comunicadores em geral, durante estes eventos, tem partido tanto da polícia, como de pessoas revoltadas pelas coberturas parciais e estereotipadas feitas por alguns grupos de comunicação. O levantamento da Abraji mostra que, desde junho de 2013, na maioria dos casos envolvendo jornalistas o autor da agressão foi um policial, guarda civil ou segurança. Inclusive durante a cobertura da morte do cinegrafista da TV Bandeirantes as agressões continuaram. Diante da delegacia de polícia em que um suspeito prestava depoimento, manifestantes se encontraram com amigos e colegas de Andrade. Aos gritos, jornalistas acusaram os manifestantes pela violência, e um rapaz retrucou. Dirigindo-se a um repórter, ameaçou-o, dizendo que ele "era o próximo (a morrer)". A cena foi transmitida pela emissora TV Record. Mostra ainda uma moça, conhecida como Sininho, afirmando que não vai conceder entrevista e que a mídia é "carniceira". Em resposta às agressões e violências contra os jornalistas, ainda em 2012 a ministra Maria do Rosário Nunes, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, determinou a criação do Grupo de Trabalho sobre Direitos Humanos dos Profissionais de Comunicação ligado ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana.  A ministra chegou a falar da possibilidade de criação de um Observatório de Imprensa, que ainda não saiu do papel. Novos projetos de lei e de emendas à Constituição surgem a cada novo caso impactante, somando-se a outros projetos e emendas que aguardam análise e votação. Estão nesta lista o Projeto de Lei (PL) nº 1078, de abril de 2011, que altera a Lei 10.446, de 2002, para dispor a participação da Polícia Federal “na investigação de crimes em que houver a omissão ou a ineficiência nas esferas competentes, e em crimes contra a atividade jornalística”. E a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 15, de 2010, que fixa a competência dos juízes federais para processar e julgar os crimes praticados contra jornalistas quando no exercício de sua atividade profissional. O Projeto de Lei do Senado nº 167, de 2010, altera o Código Penal, assegurando prioridade de julgamento em processos relacionados ao assassinato de jornalistas. No dia 12 de fevereiro, o deputado federal Domingos Sávio (PSDB), líder da Minoria na Câmara, apresentou o Projeto de Lei nº 7107/2014 que pretende classificar como hediondos os crimes cometidos contra a vida, a segurança e a integridade física de jornalistas e profissionais da imprensa que estejam no exercício de suas atividades. O projeto, segundo sua assessoria, aperfeiçoa a Lei 8.072/1990 que aborda os crimes hediondos. O Projeto de Lei 370/07 já previa tipificar o crime de extermínio e estabelecia que esses delitos fossem investigados e julgados pelas autoridades federais, aumentando as penas de homicídio (simples e qualificado) se o crime fosse praticado por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio. Também previa pena de reclusão de quatro anos a oito anos para quem participasse de milícia privada.   Diante da repercussão da morte de Andrade, a presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, anunciou via Twitter ter orientado a Polícia Federal a dar apoio às investigações sobre a morte de Andrade. No mesmo dia, representantes da Federação Nacional de Jornalistas (FENAJ) se manifestaram defendendo a federalização. “Forças regionais e conservadoras podem incidir sobre as investigações, que, muitas vezes, são falhas e contaminadas", justificou Celso Schröder, presidente da FENAJ e conselheiro da Comissão Temática do Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional, durante encontro realizado em 10 de fevereiro para tratar da liberdade de expressão. Outra conselheira e membro da FENAJ, Maria José Braga, lembrou que o repórter cinematográfico da TV Bandeirantes estava sozinho ao filmar, e não podia observar o que ocorria ao seu redor. Braga sugeriu a criação de um protocolo para constituir comissões de segurança nas redações com o objetivo de avaliar os riscos das coberturas e definir medidas para diminuir os perigos. Foi proposta ainda a criação de um Observatório Nacional para unificar as estatísticas sobre violência contra jornalistas. Como cada entidade utiliza um critério, os números variam. Um grupo de trabalho convocado pelo Ministério da Justiça, incluindo representantes de empresas de comunicação e jornalistas, também se reuniu em 11 de fevereiro de 2014 para discutir políticas de proteção aos profissionais dos meios de comunicação. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, prometeu levar o tema à discussão no encontro de secretários de Segurança Pública em 13 de fevereiro em Aracaju, no Sergipe. Uma nova reunião com membros da Associação Nacional dos Jornais (ANJ), Associação Brasileira de Rádios e Emissoras de Televisão (Abert), e Abraji está agendada para terça-feira, dia 18 de fevereiro. Vida e morte de Santiago Andrade - Entenda o caso Santiago Ilídio Andrade tinha 49 anos e trabalhava na TV Bandeirantes desde 2004. Segundodeclaração à imprensa de um amigo e colega que preferiu não se identificar, no dia 6 de fevereiro, quando foi ferido, o cinegrafista havia participado antes de outra cobertura. Foi escalado para filmar a manifestação depois do seu horário, e sua equipe ficaria poucos minutos no local. "Se estivesse com um auxiliar de câmera, talvez a tragédia não tivesse acontecido, porque daria tempo de ser avisado", disse este jornalista. Andrade ficou internado no Centro de Tratamento Intensivo do Hospital Souza Aguiar, no Rio de Janeiro, durante quatro dias. Passou por uma cirurgia para estancar o sangramento e estabilizar a pressão intracraniana,  mas não foi suficiente. Constatada a morte cerebral em 10 de fevereiro, a família doou os órgãos, atendendo a um desejo do cinegrafista. Reportagem do jornal Folha de S.Paulo assinalou que em julho de 2013 o cinegrafista participou do curso "Jornalismo em Área de Conflito", ministrado pelo Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil. Conforme a notícia, em seu discurso de conclusão de curso Andrade lembrou de outro colega da Bandeirantes: Gelson Domingos da Silva, morto em 2011 com um tiro de fuzil durante confronto entre policiais e traficantes na favela de Antares, na zona oeste. Andrade será cremado na quinta-feira, 13 de fevereiro, no cemitério do Caju, na zona norte fluminense.    

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