BOLÍVIA

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O recente processo eleitoral foi um retrato da fragilidade das liberdades constitucionais perante um poder político que restringe direitos tão fundamentais como a liberdade de expressar e propor ideias, discutir propostas e divulgar o pensamento das pessoas, grupos sociais e partidos políticos da oposição. Pela primeira vez, cerca de seis milhões de eleitores tiveram que esperar até o último mês antes da consulta popular pelas propostas dos partidos políticos, apresentadas às pressas e com grandes limitações de espaço e meios de comunicação. Enquanto os partidários do governo vinham divulgando sua ideologia e propaganda desde 2005, em uma campanha permanente de proselitismo, o Tribunal Superior Eleitoral impediu que a oposição, dispersa pelos seus próprios problemas, tivesse tempo suficiente para disseminar os seus programas e propostas. A portaria do governo determinou que a campanha propriamente dita fosse apenas durante os 30 dias anteriores às eleições gerais de 12 de outubro. Há questionamentos sobre a imparcialidade da instituição responsável pela direção das eleições. Anteriormente, os seus membros, alguns dos quais são colaboradores próximos do presidente Evo Morales, impuseram aos meios de comunicação e empresas de pesquisa a obrigação de registro para credenciá-las legalmente a realizarem pesquisas de opinião pública e levantamentos das preferências eleitorais. A Associação Nacional de Imprensa da Bolívia (ANP, em espanhol), que inclui as principais empresas da mídia impressa, qualificou a medida como "censura prévia", algo proibido pela Constituição que dá ao Estado o papel de fiador do direito à liberdade de expressão. A regulamentação da propaganda política respondeu ao interesse em limitar a expressão de ideias e propostas dos partidos de oposição, enquanto se mostrou bastante flexível nas campanhas governamentais e na atuação do Chefe de Estado durante a entrega de obras públicas no país. A mídia têm procurado diversas formas de aproximar o público e os candidatos. O presidente, enquanto candidato, se esquivou do debate sobre a sua proposta eleitoral. Nesta mesma direção, a maioria dos candidatos do partido governista aos cargos de senadores e deputados rejeitou um debate aberto com a oposição. A mídia estatal - o canal de televisão Bolivia TV, a rede Patria Nueva e o jornal Cambio - não transmitiu nem divulgou os debates organizados pelas organizações jornalísticas, nos quais só participaram os quatro candidatos da oposição. O caso do canal estatal evidencia um comportamento de total desprezo pela opinião pública, quando a Ministra das Comunicações justificou a ausência dessa mídia na transmissão do debate entre os candidatos presidenciais, alegando "ignorar" quem define a sua política, sendo ela quem preside a diretoria dessa empresa. A pressão oficial sobre a mídia independente incluiu também a definição de condições nas entrevistas dos candidatos governistas. Um jornalista da rede privada TV Uno denunciou que, para aceitar uma entrevista com o candidato à vice-presidente, alguns temas foram impostos e outros proibidos, tais como os ligados ao tráfico de drogas. Houve preocupação também com o uso indiscriminado dos fundos públicos durante a campanha eleitoral, com enormes manchetes de publicidade e coberturas pela mídia estatal e semiestatal dos funcionários governistas. Neste caso, não houve nenhuma fiscalização pelas autoridades públicas, já cooptadas pelo partido governante. Além dessas restrições no período eleitoral, continuaram outros processos preocupantes para a liberdade de imprensa. Desde o início do seu mandato, em janeiro de 2006, o presidente Morales acusou a imprensa de ter se transformado em um agente político da oposição ao seu regime, por denunciar situações de abuso do poder e corrupção no governo. O governo continua com a criação de uma rede de meios de comunicação estatais e pro-governamentais que competem com a mídia privada. Fortaleceu a rede de televisão Bolivia TV e a rádio Patria Nueva, com a criação de uma rede de estações de rádio indígenas e a compra de ações nos meios de comunicação privados, transformando-os em mídia semiestatal, como no caso de alguns jornais e canais de TV. Esta mídia estatal recebe publicidade oficial em detrimento dos meios de comunicação privados. Após a denúncia de casos de corrupção ou de fatos de interesse público, o governo deu início a ações judiciais contra os jornais La Prensa e Página Siete, de La Paz. Após a publicação de informações sobre a demanda marítima da Bolívia, o governo entrou com ação contra jornalistas do La Razón. Apesar da reivindicação das organizações de mídia, o governo promoveu um seguro de vida para os jornalistas, capaz de afetar os orçamentos apertados dos meios de comunicação. A lei impõe aos meios de comunicação uma contribuição de 1% da sua receita real e efetiva, após dedução do IVA e o imposto sobre transações. A Lei de Combate ao Racismo, aprovada em 2010, criminaliza o trabalho jornalístico e prevê a possibilidade de prender jornalistas ou fechar meios de comunicação; enquanto a Lei do Regime Eleitoral também contém restrições à cobertura de processos eleitorais especiais, tais como a eleição dos membros do poder judiciário. A ameaça mais preocupante do governo é a promoção de uma Lei de Comunicações capaz de abrir as portas à intervenção e ao controle das organizações sociais no trabalho dos meios de comunicação. Jornalistas do Canal 33, entre eles Marianela Montenegro, foram vítimas de revistas, sequestros, multas e de todo tipo de pressões, sem amparo nas leis vigentes neste país. O Canal 33 também foi vítima de vários mecanismos de pressão, inclusive ações judiciais indefinidas e injustificadas que têm como objetivo seu estrangulamento econômico. Em abril de 2014, os jornalistas do La Razón, Ricardo Aguilar e Claudia Benavente, diretora, foram acusados de crimes de espionagem e revelação de segredos de Estado, em uma ação movida pelo Procurador-Geral e resultado de uma matéria publicada sobre a causa marítima boliviana. No processo, houve pressão para que revelassem suas fontes, em violação à confidencialidade. Depois de recursos impetrados perante as instâncias competentes, o Tribunal Departamental de Justiça resolveu que o caso deveria ser resolvido perante um Tribunal de Imprensa. O La Razón denunciou agressão comercial por parte do principal empresário do setor de cimento e candidato à presidência, que ordenou a retirada de toda a publicidade e assinaturas diárias do grupo empresarial que controla e associado a pelo menos sete marcas comerciais, ameaçando, assim, a estabilidade financeira do jornal.        

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