Em três semanas haverá eleições presidenciais que marcarão o encerramento de um ciclo de doze anos de governo, no qual a imprensa viveu seu período mais adverso desde a volta da democracia.
Os obstáculos encontrados pelo jornalismo são os mesmos registrados naquela fase em que os países latino-americanos tiveram governos intolerantes às críticas. Entre outros problemas destacam-se: o uso de recursos públicos para montar aparatos gigantescos de comunicação destinados ao descrédito do jornalismo independente e da oposição; partidarismo da mídia pública; distribuição discriminatória da pauta de publicidade oficial com o objetivo de cooptar seus beneficiários ou de castigar os meios de comunicação que não apoiam o governo; aplicação seletiva de normas para perseguir as dissidências; sanção de leis específicas para desarticular a mídia de oposição e favorecer as manifestações governistas; pressão sobre os anunciantes privados para quebrar economicamente as empresas jornalísticas; utilização dos órgãos de controle e dos serviços de inteligência para pressionar, intimidar e espionar; fechamento de comunicações imposto aos jornalistas de oposição; exclusão das conferências de imprensa presidenciais; emprego de cadeias nacionais para proselitismo; discurso oficial visando a desmoralização dos jornalistas.
Neste período houve diversos ataques e dificuldades para o jornalismo.
A presidente Cristina Kirchner discursou quase 40 vezes em cadeia nacional sobre o ocorrido no ano, para destacar a sua gestão, descumprindo o estabelecido na lei da mídia sancionada durante a sua Presidência que só permite seu uso “em situações graves, excepcionais ou de grande importância institucional". Em repetidas ocasiões serviram como veículo de manifestações injuriosas dirigidas contra a imprensa, como em 5 de agosto,ao comparar magistrados, jornalistas e meios de comunicação que tratam de supostos casos de corrupção com os grupos de repressão que sequestravam, torturavam e matavam durante a ditadura militar.
Os gastos em divulgação e propaganda oficial do Estado nacional no segundo mandato de Cristina Kirchner chegaram a 900 milhões de dólares, pelo câmbio oficial. Enquanto isso, a verba empregada foi muito maior em Futebol para Todos, o programa estatal que televisiona os campeonatos de futebol da primeira divisão e que tem o Estado nacional como anunciante exclusivo.
O canal público programou este ciclo no horário em que se realizava o primeiro debate de candidatos presidenciais na história da Argentina, no qual o candidato governista havia declinado de participar. No dia seguinte, soube-se que o governo tinha destinado uma verba adicional de $400 milhões em publicidade oficial.
Após as denúncias da imprensa, um candidato do partido do chefe de governo da cidade de Buenos Aires renunciou à sua candidatura a deputado nacional, por destinação questionável de publicidade oficial que está sob investigação da Justiça.
O primeiro semestre deste ano se encerrou com uma verba superior a 145 milhões de dólares no orçamento de publicidade oficial. A sua alocação arbitrária de recursos atendeu, em grande parte, aos interesses eleitorais e inflamou a mídia alinhada ao discurso oficial.
Neste contexto de permanentes ataques contra as empresas jornalísticas, preocupa a promoção pelo governo de um projeto de lei que já está meio aprovado, para criar uma Comissão de caráter nitidamente político visando denegrir o setor empresarial, e associando-o à ditadura militar de 40 anos atrás. Tudo isso à margem do Poder Judiciário e burlando, portanto, as garantias do devido processo legal.
Este padrão duplo reflete-se também em outras políticas para a mídia, como na distribuição de frequência audiovisual. Há alguns dias, o jornal Perfil denunciou que foi excluído de um concurso de televisão digital por sua linha editorial.
O trabalho jornalístico foi prejudicado por numerosos atos de violência e intimidação. Em abril, o jornalista Rodrigo Mansilla, de FM El Chubut e do diário El Chubut, foi golpeado e ameaçado por um funcionário municipal com o cargo de secretário. Em julho, a guarita de segurança do edifício do jornalista Jorge Lanata foi apedrejada, nela sendo encontradas as cápsulas das balas aparentemente disparadas para intimidação. Em agosto, o cinegrafista Jorge Ahualli, do canal de TV a cabo CCC, de Tucumán, foi golpeado quando filmava a distribuição de alimentos por militantes políticos em pleno processo eleitoral nesta província.
Muitos dos ataques registrados neste período estão vinculados à cobertura dos casos de narcotráfico, que crescem de maneira alarmante em nosso país. Um grupo de funcionários dos canais 5 e El Tres e do diário La Capital, todos de Rosário, foi ameaçado e agredido ao realizar reportagens sobre um homicídio atribuído a quadrilhas de narcotraficantes. Maximiliano Pascual, do jornal La Posta Hoy, de Arroyo Seco (Santa Fé), que fez uma reportagem sobre o caso de narcotráfico denominado “Carvão Branco”, sofreu cortes com arma branca em suas orelhas feitos por desconhecidos.
Em junho, o Tribunal Superior de Justiça de Córdoba ratificou a validade de leis que obrigam a mídia impressa dessa província a ceder uma página diária aos partidos políticos durante os 10 dias anteriores a cada eleição provincial. Em julho, foram bloqueadas as contas bancárias da empresa editora do diário El Tribuno, de Salta, como medida preventiva e excessiva em um processo por difamação promovido pelo ministro de Economia desta província. Em setembro, o diário Democracia, de Junín (Buenos Aires), sofreu um corte súbito na distribuição da pauta publicitária municipal em represália a críticas publicadas contra a administração do prefeito.
Na Argentina não há nenhuma lei de acesso às informações públicas nem normas que regulem a distribuição da pauta de publicidade oficial. O país apresenta disposições discriminatórias relativas à obrigação de matérias que recaem sobre a mídia impressa. Mas ele carece de normas que contemplem a defesa dos direitos sobre os conteúdos jornalísticos digitais. Os meios públicos de comunicação continuam sendo usados como instrumentos políticos e não há nenhuma conferência de imprensa.
Madrid, Espanha