CUBA

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O estado atual do jornalismo cubano encara agora uma encruzilhada sem precedentes na história contemporânea: pela primeira vez em 47 anos de controle absoluto do Estado, Fidel Castro não é quem governa nominalmente em Cuba. A transferência temporária do poder de Fidel Castro a seu irmão, o General Raúl Castro, devido a uma crise aguda de saúde, não trouxe até o momento nenhum sinal de mudança no mapa do jornalismo e da liberdade de expressão. Continuam ocorrendo atos repressivos contra os comunicadores independentes, maltrato aos jornalistas presos e a mais estrita vigilância governamental para limitar o acesso da população a canais de informação alternativos. Enquanto a propaganda oficial atingiu níveis inéditos de exaltação, triunfalismo e censura, o número de jornalistas encarcerados sobe a 26 e não cessaram as ações coercivas contra o movimento de informadores independentes, desde ameaças policiais, detenções temporárias, buscas em plena rua, despejos e apreensão de objetos pessoais, até flagrantes violações do direito do cidadão à informação e a orquestrada perseguição governamental contra o acesso clandestino a canais de televisão estrangeiros, especialmente dos Estados Unidos. A maioria dos jornalistas encarcerados sofre graves problemas de saúde, deterioração física e psicológica, devido aos maus tratos, à escassa e inadequada alimentação e à falta de cuidados médicos, entre outros fatores. Os jornalistas independentes na prisão por exercer seu direito à liberdade de imprensa e à liberdade de expressão são: Ricardo González Alfonso, Víctor Rolando Arroyo, Normando Hernández González, Julio César Gálvez, Adolfo Fernández Saínz, Omar Rodríguez Saludes, Héctor Maseda Gutiérrez, Mijaíl Barzaga Lugo, Pedro Argüelles Morán, Pablo Pacheco Ávila, Alejandro González Raga, Alfredo Pulido López, Fabio Prieto Llorente, Iván Hernández Carrillo, José Luis García Paneque, Juan Carlos Herrera, Miguel Galván Gutiérrez, José Ubaldo Izquierdo, Omar Ruiz Hernández, José Gabriel Ramón Castillo, Lester Luis González Pentón, Alfredo Felipe Fuentes, Armando Betancourt, Alberto Gil Triay, Odelín Alfonso y Oscar Mario González. Depois de ser sentenciada a sete meses de prisão, foi libertada Lamasiel Gutiérrez Romero, de 37 anos, a única mulher jornalista que permanecia atrás das grades em Cuba. Sua libertação se deu apenas horas depois da reunião da SIP em março passado. Foi posta em liberdade sob a condição de desistir completamente de seu exercício profissional, mas continua enviando suas informações. Em 5 de agosto também foi libertado o jornalista Santiago Du Bouchet, diretor da agência Habana Press, depois de cumprir um ano e sete dias de prisão pelo suposto delito de resistência. Uma situação alarmante é a do jornalista Oscar Mario González, que permanece detido desde 22 de julho de 2005 em uma prisão de La Habana, sem ser formalmente acusado nem ter direito a fiança. González, de 62 anos, foi preso perto de sua casa pela polícia sob alegações de que se dirigia a um protesto contra o governo em frente à sede diplomática da França. Poderá ser acusado de violar a Lei para a Proteção da Segurança Nacional e a Economia de Cuba (lei 88), de 1999, que serviu para aplicar grandes penas a dissidentes e jornalistas na primavera de 2003. Um recurso legal para obter sua libertação foi recusado pelas autoridades na semana passada, apesar dos problemas de saúde que afligem o detido. Foi preso em 5 de junho foi preso e continua na prisão o jornalista Armando Betancourt, da agência Nueva Prensa Cubana, sob acusações de desordem pública. Betancourt foi interceptado pelas autoridades policiais de Camagüey quando se preparava para reportar um despejo ocorrido em sua localidade. Em 16 de setembro a polícia política deteve em sua casa de La Habana o jornalista Odelín Alfonso, colaborador da agência Cubanet. Alfonso tinha sido detido pelas autoridades em maio passado e foi advertido que seria acusado se não abandonasse suas atividades como repórter. O governo continua apelando para a intimidação dos jornalistas do chamado Grupo dos 75 que foram libertados com licença extrapenal por motivos de saúde. A licença extrapenal é uma cláusula amparada pelo Decreto Lei 62, de 1987, que estipula o cumprimento da sentença em prisão domiciliar, mas não contempla a supressão da sanção penal e deixa aberta a opção de que o beneficiado pode retornar à prisão se as autoridades determinarem que não cumpre as regras de “boa conduta”. Dos que receberam a licença extrapenal, Jorge Olivera, condenado a 18 anos de prisão, e Oscar Espinosa Chepe, condenado a 20, têm vistos de refugiados para emigrar com suas famílias para os Estados Unidos, mas o governo não lhes concede a permissão de saída. Outros dois desse grupo, Carmelo Díaz Fernández e Edel José García, também têm vistos norte-americanos à espera da autorização governamental para viajar. Todos eles são pessoas enfermas com diversos problemas, e em sua maioria de idade avançada. As autoridades não só lhes fazem intimações aos tribunais para impor-lhes “normas de conduta social” e restrições para viajar fora de seu local de residência, como também os perseguem com buscas e ameaças das organizações pró-governamentais de suas vizinhanças. Em 27 de setembro inspetores da polícia submeteram a uma minuciosa busca a casa de Díaz Fernández, sob o pretexto de encontrar uma antena parabólica para captar emissões televisas estrangeiras. A busca foi feita sem ordem judicial nem autorização escrita. O jornalista e psicólogo Guillermo Fariñas decidiu pôr fim à sua greve de fome como protesto por não ter livre acesso à Internet em 31 de agosto, exatamente sete meses depois de ter iniciado um protesto que atraiu interesse internacional devido às proibições impostas pelo governo sobre a rede cibernética. Alimentado por soro intravenoso e com diagnóstico de extrema gravidade durante vários meses do jejum, Fariñas atualmente se recupera de problemas renais e cardíacos na cidade de Santa Clara, Villaclara, e prometeu continuar com suas reclamações por meio de outras ações pacíficas. O uso da Internet em Cuba está limitado a órgãos centrais do Estado, instituições educacionais e culturais e estrangeiros que pagam o serviço em moeda cambiável. Nenhum cubano pode acessar livremente a Internet, nem mesmo pagando a comunicação em moeda cambiável. O governo admite que tem “regulamentos de Internet” e que bloqueia páginas eletrônicas com a argumentação de que “causam dano à soberania do país”, porque pertencem a “organizações contra-revolucionárias subversivas e terroristas”. O governo culpa os Estados Unidos por bloquearem a conexão a uma fibra óptica submarina, que aumentaria a possibilidade de largura de banda e reduziria os custos de conexão à rede a partir da ilha. Os jornalistas que continuam encarcerados com penas de até 27 anos enfrentam condições penitenciárias desumanas. Dezoito dos prisioneiros têm sérios problemas de saúde, afetados por padecimentos crônicos e enfermidades adquiridas durante a reclusão. O governo cubano negou-se a conceder-lhes licença extrapenal. Há também um deficiente físico, Miguel Galván Gutiérrez, condenado a 26 anos. Em 29 de agosto o jornalista Juan Carlos Herrera Acosta, protagonista de várias greves de fome na prisão, foi agredido por dois guardas da prisão Kilo 8, em Camagüey. Herrera Acosta, condenado a 20 anos, do Grupo dos 75, teve um olho ferido durante a agressão e em seguida foi arrastado pelos corredores da prisão. O prisioneiro tinha protestado reclamando seu direito a chamadas telefônicas familiares, o que lhe é negado com regularidade. Em 13 de setembro o jornalista Alberto Gil Triay iniciou uma greve de fome na prisão de Valle Grande, a oeste de La Habana. Preso desde novembro passado, Gil Triay sofreu vários infartos durante seu confinamento. Foi julgado em 22 de junho sob acusações de “propaganda subversiva” e poderá ser condenado a sete anos prisão. A ofensiva para impedir a proliferação dos sinais clandestinos de televisão por satélite, principalmente em La Habana, atingiu novos patamares. São cada vez mais freqüentes as incursões pelos bairros para localizar os centros de redistribuição do sinal, desmantelar as redes de serviço, destruir as antenas e multar os infratores. Em 10 de agosto a imprensa oficial fez fortes advertências contra o mercado negro de antenas parabólicas na ilha. O jornal Granma insistiu que receber sinais de satélite sem autorização não só constitui violação das leis nacionais e internacionais, como também oferece um “terreno fértil para aqueles que pretendem destruir o espírito da revolução” de Castro. A advertência oficial foi feita depois que a TV Martí, uma emissora do governo dos Estados Unidos dirigida à audiência cubana, decidiu expandir para seis dias suas transmissões a partir de um avião, equipado com tecnologia especial para impedir que o sinal seja interceptado pelas autoridades da ilha. A TV Martí não teve até o momento uma recepção regular nos receptores dentro de Cuba. Entretanto, calcula-se que cerca de 30.000 cidadãos cubanos paguem pelo serviço de satélite clandestino como uma alternativa de informação e entretenimento à televisão estatal, caracterizada por uma forte carga de propaganda política que promove a chamada “Batalha de Idéias”. A recepção de televisão por satélite e por cabo em Cuba é restrita a hotéis e residentes estrangeiros. Os controles governamentais sobre a informação recrudesceram ostensivamente após a enfermidade e transferência de poder de Fidel Castro. O estado de saúde do governante foi oficialmente declarado “segredo de Estado”, enquanto as autoridades recusaram centenas de petições da imprensa mundial para viajar a Cuba ao tomar conhecimento da notícia. Vários jornalistas estrangeiros que entraram com visto de turista foram expulsos do país. Outros incidentes se registraram durante os últimos seis meses: Em 25 de abril Roberto Santana Rodríguez, colaborador independente de Cubanet, foi visitado em seu domicílio pelo chefe da Polícia, um membro do Partido Comunista, o coordenador local do Comitê de Defesa da Revolução e um membro da Associação de Combatentes. Nesse dia o jornalista tinha previsto participar de uma teleconferência na Seção de Interesses Norte-americanos. Agentes da Segurança do Estado haviam abordado Santana em 13 de fevereiro e 7 de abril, quando o ameaçaram a abandonar a atividade jornalística ou lhe aplicariam a Lei 88, que castiga com até 20 anos de prisão. Além disso, aplicaram uma campanha de descrédito contra ele. Em 23 de maio Armando Betancourt Reina, correspondente da agência Nueva Prensa Cubana, foi detido em um bairro na cidade de Camagüey, aonde havia sido convidado por vizinhos do lugar para dar cobertura jornalística a uma violenta operação policial de despejo, iniciada em 21 de maio e durante a qual também foram presos habitantes da área. Betancourt foi transportado para a sede da Segurança do Estado em Camagüey, a mais de 500 quilômetros ao leste de La Habana e foi acusado de perturbação da ordem pública. Em 18 de agosto o jornalista Carlos Serpa Maceira, diretor do Bureau de Imprensa Puente Informativo Cuba Miami do Bureau e da Agência Lux Info Press, foi abordado por agentes da Polícia Nacional, que lhe revistaram a carteira de trabalho e identificação, o transportaram à estação de Marianao, La Habana, onde permaneceu sete horas sob o argumento de que não tinha a documentação necessária para se movimentar pela capital. Serpa denunciou ter recebido ameaças e interrogatórios por parte dos oficiais de Segurança do Estado, um dos quais advertiu que seria multado em $3.000 pesos por violar o decreto lei 217 do Conselho de Estado de Cuba, ao encontrar-se na capital cubana sem ter residência oficial. Serpa Maceira tinha denunciado em maio que sua família, residente na Ilha de Pinos, de onde se origina, era vítima das represálias do governo devido ao seu trabalho jornalístico. Segundo relatou, durante várias semanas na madrugada cortam a energia elétrica somente em sua casa e não nos vizinhos. Em meados de agosto o presidente da SIP, Diana Daniels e o presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação Gonzalo Marroquín, solicitaram aos sócios da organização hemisférica sua participação em uma campanha editorial para exigir a libertação dos jornalistas independentes encarcerados em Cuba por crime de consciência. Em agosto a notícia sobre a transferência temporária de poder do governante Fidel Castro ao ministro da Defesa e irmão, Raúl Castro, gerou interesse informativo na imprensa internacional. Entretanto, foi evidente a falta de informação a esse respeito, situação que se agravou para a imprensa independente do país. Em 2 de agosto de 2006 as autoridades cubanas negaram a entrada ao país a seis jornalistas estrangeiros e aumentaram os obstáculos para a entrega de vistos de imprensa. Os jornalistas foram interrogados por agentes do Ministério do Interior e obrigados a regressar a seu lugar de origem sob alegação de que não dispunham do visto de trabalho necessário para exercer o jornalismo em Cuba. Organizações internacionais e meios internacionais de imprensa pediram às autoridades de Cuba o acesso sem restrições de jornalistas estrangeiros ao país para informar sobre a situação. Em 4 de setembro Mirta Wong, esposa do jornalista independente encarcerado Oscar Mario González, denunciou que depois de visitá-lo na prisão observou que a saúde do jornalista havia piorado sem que as autoridades penitenciárias se ocupassem do caso. González está doente há seis meses com uma tosse constante e sofre de hipertensão, artrose cervical, artrite crônica e infecção dos condutos urinários. Em 9 de setembro representantes do Partido Comunista e membros do executivo dos Comitês de Defesa da Revolução visitaram algumas das várias Damas de Branco para adverti-las que se abstivessem de realizar atividades públicas durante a comemoração em La Habana da XIV Cúpula do Movimento de Países não Alinhados. Entre outras, foram “alertadas” Miriam Leiva, jornalista e esposa do também jornalista Oscar Espinosa Chepe; Laura Pollán, esposa de Héctor Maseda e Nulia Núñez, esposa de Adolfo Fernández Saínz, estes dois últimos encarcerados. Em 15 de setembro foi detido em La Habana por dois dias Ahmed Rodríguez Albacia, repórter da agência de imprensa Jóvenes sin Censura. O jovem de 21 anos de idade foi posto em liberdade em 17 de setembro depois de permanecer dois dias atrás das grades na unidade policial de Dragones, em La Habana Vieja. Segundo relatou sua mãe, Margarita Albacia, o chefe da unidade policial lhe negou permissão para ver seu filho e explicou que estava detido porque se encontrava sob investigação. Acrescentou que desde a manhã em que foi preso em sua casa estava sendo vigiada por uma força operacional da polícia política e uma brigada de resposta rápida, que emitiam mensagens ameaçadoras. Em 27 de setembro o jornalista Abel Escobar Ramírez esteve detido durante seis horas na Unidade Policial em Morón, província de Ciego de Ávila. Dois oficiais da polícia o prenderam enquanto conversava com um amigo. A polícia se apossou de três agendas com endereços e números de telefone e dados pessoais, entre outros pertences do jornalista. Sem entrar em detalhes, um oficial lhe disse que tinha sido detido por desobediência. Escobar Ramírez, de 50 anos de idade, é repórter de Cubanet e da revista Carta de Cuba. A mais recente operação de censura e desprezo governamental pelas necessidades de informação da população tem a ver com o manto de silêncio que o governo mantém sobre uma massiva epidemia de dengue hemorrágico no país. Apesar das fumigações massivas que o governo qualifica de “batalha antivectorial contra o mosquito aedes aegypti”, e das centenas de pessoas que foram hospitalizadas no território nacional, a imprensa oficial não assumiu ainda a existência da epidemia, embora os casos tenham mantido uma curva ascendente há pelo menos dois meses. Apenas a imprensa independente relatou a presença dessa enfermidade infecciosa em cidades e municípios do país.

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