A liberdade de imprensa e de expressão está seriamente limitada, não pela aplicação de censura prévia por parte das autoridades, mas sim pelas conseqüências e riscos inevitáveis aos quais se expõem aqueles que discordam da opinião oficial e manifestam sua opinião publicamente. Isso tem conduzido à autocensura de alguns meios, resultado das repetidas ameaças, o que talvez seja de igual ou maior seriedade que a própria censura.
Os acontecimentos do último ano podem ser considerados parte de um processo sistemático voltado a controlar o conteúdo divulgado pelos meios de comunicação social, controlar o tipo de informação que a sociedade tem o direito de receber e, finalmente, restringir a liberdade de expressão. Os primeiros anos do governo de Hugo Chávez não foram fáceis; porém este será o ano da batalha contra a mídia, conforme anunciado pelo presidente em sua mensagem anual perante a Assembléia Nacional em 17 de janeiro de 2003. O pretexto continua sendo o mesmo: exigir que a mídia divulgue a verdade, que obviamente deve corresponder à verdade oficial.
As agressões contra jornalistas e meios de comunicação se intensificaram. O jornalismo converteu-se em uma profissão de alto risco, o que tornou indispensável o porte de coletes à prova de balas e máscaras contra gás. Mesmo assim, mais de uma centena de jornalistas foram feridos e um repórter gráfico foi morto enquanto cobria os eventos de 11 de abril de 2002.
Deve-ser observar que quando o governo não se atreve a cometer esses atos por conta própria, o faz por meio dos chamados círculos bolivarianos. Esses grupos violentos têm agredido fisicamente jornalistas, fotógrafos e cinegrafistas, além de destruir os equipamentos e incendiar veículos dos meios de comunicação. Eles também exibem cartazes voltados a intimidar os meios, chamando os proprietários e diretores de inimigos do estado, comerciantes do terror e fabricantes de mentiras, acusando-os de golpistas. Recentemente na Colômbia, o ministro das Relações Exteriores da Venezuela acusou os jornalistas de estarem planejando o assassinato do presidente do Supremo Tribunal, tornando os meios um alvo fácil do ódio por parte dos partidários do presidente Chávez.
Estes fatos obrigaram os jornalistas e meios a buscar a proteção da Comissão e do Tribunal Interamericano de Direitos Humanos, que emitiram medidas cautelares para garantir a vida, integridade física e o exercício da liberdade de expressão. O cumprimento dessas medidas, porém, não tem sido devidamente acatado, o que levou os dois órgãos a condenar repetidamente a atitude do governo com relação às suas disposições e a falta de respeito à liberdade de imprensa.
Deve-se salientar que, de acordo com o artigo 31 da Constituição da Venezuela, o Estado é obrigado a adotar as medidas necessárias para dar cumprimento às decisões emanadas dos órgãos internacionais criados pelos tratados de direitos humanos e ratificados pela República. Mesmo que esta disposição comprometa não somente o Poder Executivo, mas também os outros poderes do Estado, o Supremo Tribunal de Justiça absteve-se de tomar as medidas necessárias para assegurar o cumprimento dos pareceres da Comissão e do Tribunal Interamericano de Direitos Humanos. Foi, na realidade, a sentença 1.013, de 12 de junho de 2001, que proporcionou os elementos teóricos indispensáveis para restringir a liberdade de expressão, e esses critérios têm servido como base para muitas das ações atualmente tomadas contra a liberdade de expressão.
Além de alguns processos judiciais contra jornalistas este ano, o governo da Venezuela deu início a processos administrativos contra cinco estações de televisão, em resposta a reportagens sobre declarações feitas por várias figuras públicas, inclusive membros da Assembléia Nacional, com relação aos eventos de 11 de abril de 2002 e eventos posteriores. Essas estações também seriam punidas por divulgar as declarações de oficiais da Força Armada Nacional, que tinham sido convocados para prestar declarações perante a Assembléia Nacional, e os quais foram declarados inocentes pelo Supremo Tribunal de Justiça. Esses processos têm o objetivo de amedrontar, apresentando ameaças, inclusive, de fechar temporariamente os canais de televisão. Eles também ignoram a importância da doutrina do relato da verdade no exercício da liberdade de imprensa, e pretendem intimidar de maneira geral todos os meios de comunicação, inclusive os meios impressos, de modo a controlar o tipo de informação que esses podem difundir e dirigir a opinião pública por uma única via.
Em sua ânsia por restringir a liberdade de imprensa, o presidente tem declarado repetidamente que nenhuma liberdade é absoluta. Ironicamente, embora os jornalistas e os proprietários de meios de comunicação estejam sempre cientes de que a liberdade de expressão tem certas limitações e que pode ser submetida a restrições legítimas, o presidente Chávez omite que, segundo o artigo 337 da Constituição, a liberdade de informação é um direito intangível, que não pode ser suspenso, mesmo em casos de estado de emergência.
Este ano, o governo lançou uma série de iniciativas que têm o efeito combinado de incentivar a censura prévia, ao impor medidas punitivas que têm o efeito de operar como mecanismo inibitório, para impedir a difusão de determinadas informações e idéias. Entre elas, deve-se mencionar o Projeto de Lei Orgânica de Participação Cidadã, que criaria um Conselho de Vigilância dos Meios de Comunicação Social, formado por indivíduos de comunidades, bairros ou paróquias, encarregados de velar pela veracidade e imparcialidade das informações divulgadas.
Também existe o Projeto de Lei sobre a Responsabilidade Social no Rádio e na Televisão, que, com o pretexto de proteger a infância, tem o objetivo de impedir a crítica política. São disposições que deixam ampla margem para a arbitrariedade, e que serão aplicadas por uma entidade sob completo controle do Poder Executivo, e tentará impedir toda denúncia ou crítica política. Um projeto que classifica como infração muito grave, e merecedora de multas de vulto ou suspensão e fechamento do meio, a divulgação de mensagens que promovam ou incitem o não cumprimento da ordem jurídica, mesmo que tal conduta não constitua delito.
O projeto também ignora o precedente fixado pelo The New York Times vs. Sullivan, que estabeleceu princípios hoje amplamente reconhecidos sobre a liberdade de expressão, e desconhece reiteradas decisões da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que assinalam que as leis de desacato e rejeição são incompatíveis com as disposições da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. O projeto em discussão define como uma infração muito grave a difusão de mensagens que promovam ou incitem a desobediência às instituições e autoridades como o presidente da República, ministros de Estado, deputados, magistrados do Supremo Tribunal de Justiça, representantes públicos, promotor geral ou controlador geral da República. O resultado é que nunca será permitido que os meios atuem como os guardiões da liberdade.
A grave crise econômica enfrentada pela Venezuela obrigou o governo a adotar um controle do câmbio que, desde janeiro passado, tem impedido o acesso de todos os venezuelanos às divisas necessárias para a importação de mercadorias e o pagamento de serviços no exterior. O próprio presidente, entretanto, já anunciou que este controle do câmbio será utilizado como prêmio e castigo. Chávez declarou que não haverá dólares para os golpistas, ou para as empresas que se juntaram à greve nacional realizada em 2 de dezembro de 2002 e em 2 de fevereiro passado. O presidente também declarou que a importação de papel-jornal não é uma prioridade, e isso constituirá um meio para restringir a liberdade de expressão, o que está proibido explicitamente pelo artigo 13 N° 3 da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos.
Estas ações fazem parte da guerra declarada pelo governo da Venezuela contra as idéias e especialmente as idéias políticas de oponentes ao atual regime. Isso explica os ataques contra a imprensa, as ordens de prisão contra numerosos dirigentes políticos da oposição, e a perseguição de universidades públicas e privadas, incluindo- se a ameaça de intervenção de algumas delas.
Madrid, Espanha