Brasil

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O constante processo de amadurecimento do Brasil não diminuiu a tensão que sempre marcou o período que antecede as eleições. Em 2002, os tribunais ouviram vários casos envolvendo conflitos político-eleitorais que ilustram a tentativa de restringir o trabalho da imprensa e assim impedir o exercício do direito à informação. O recurso judicial das medidas preliminares foi amplamente utilizado para impedir que informações de interesse público chegassem aos leitores e eleitores. A implementação da Lei 10.406 no novo Código Civil em 11 de janeiro provocou um novo debate sobre o direito à informação e questões de censura, proteção da confidencialidade e o direito à privacidade. O novo código, assim como a Constituição, proíbe a divulgação de textos, palavras e imagens para proteger a honra e reputação de uma pessoa. As únicas exceções são, além da autorização do envolvido, quando é necessária a administração da justiça ou para manter a ordem pública. Ou seja, tudo que possa ser ofensivo à honra, à boa reputação ou à respeitabilidade das pessoas poderá ser levado a juízo como razão para impedir a divulgação pela imprensa. Essa lei viola a liberdade de imprensa em nome da disciplina. Esses são os principais acontecimentos sobre liberdade de imprensa: Em 23 de outubro de 2002, o Correio Braziliense (Brasília/DF) sofreu um ato de censura prévia praticada sob proteção judicial. Uma ordem de busca e apreensão, assinada pelo juiz Jirar Meguerian, determinou que o oficial de justiça Ricardo Yoshida, acompanhado por seu advogado Adolfo Marques da Costa, da Coalizão Frente Brasília Solidária, entrasse na redação do jornal para censurar qualquer matéria que transcrevesse partes de uma gravação realizada pela Polícia Federal, com autorização judicial, e que vinculava o governador Roriz aos irmãos Pedro Passos e Márcio Passos. Os dois eram empresários acusados de irregularidades na distribuição de terras em Brasília. O oficial de justiça e o advogado de Roriz revistaram todos os setores da empresa envolvidos na produção de notícias, a redação do jornal e a gráfica, e revisaram todas as páginas do jornal. O juiz Meguerian emitiu a ‘‘ordem de busca e apreensão, com violência, e entrada forçada, na sede, se necessário (...) de todos os exemplares do jornal Correio Braziliense, edição de 24 de outubro, se publicassem partes ou todo o conteúdo das fitas gravadas das escutas telefônicas interceptadas por ordem judicial”. Em 25 de outubro de 2002, com cinco votos a favor e nenhum contra, o Tribunal Superior Eleitoral anulou a decisão de Jirair Meguerian. O Jornal de Brasília (DF) também foi censurado por meio de uma medida preliminar concedida pelo juiz Nívio Gonçalves, vice-presidente e corregedor do Tribunal Regional Eleitoral, a pedido do candidato Geraldo Magela e da Aliança Frente Brasília Esperança, que apoiava sua candidatura ao governo do Distrito Federal. A censura foi motivada pela publicação de uma matéria, em 14 de outubro, que mostrava o recebimento de dinheiro para a regularização de condomínios. Em 24 de outubro, o mesmo juiz Jirair Meguerian emitiu ordem de busca e apreensão contra o Jornal da Comunidade (Brasília/DF) que apresentaria denúncias contra o candidato ao governo do Distrito Federal pelo Partido dos Trabalhadores, Geraldo Magela. Em 27 de outubro, a juíza Érika Soares de Azevedo Mascarenhas, da 6ª Vara Criminal de São Paulo, decretou a prisão de três meses, podendo ser substituída por serviços comunitários e uma multa de dez salários mínimos, ao jornalista Luís Nassif. A condenação do jornalista foi resultante do que a juíza chamou de “intenção inequívoca” de difamar a construtora Mendes Júnior. Em 21 de novembro, Ricardo Sérgio de Oliveira, ex-diretor do Banco do Brasil, moveu ação contra Josias de Souza, diretor da Sucursal da Folha de S. Paulo de Brasília, por se sentir ofendido por artigos do jornalista e solicitou indenizações judiciais que chegam a R$500 mil. Os textos que Sérgio considerou ofensivos foram publicados na coluna dominical “No Planalto”, assinada por Josias de Souza. Tratam-se de artigos baseados em documentos apresentados em investigações oficiais realizadas pelo Ministério Público, Receita Federal, Banco Central e a Polícia Federal. Em 21 de novembro, a Folha de S. Paulo foi condenada a pagar uma indenização de 200 salários mínimos a Nicéa Camargo, ex-esposa de Celso Pitta, ex-prefeito de São Paulo. A sentença que condenou o jornal foi pronunciada pela juíza da 40ª Vara Cível da Comarca de São Paulo, Fátima Vilas Boas Cruz. A ação foi movida por causa de uma notícia sobre o uso de notas fiscais falsificadas para justificar gastos. Nicéa afirma que se sentiu ofendida pela notícia publicada em agosto de 1998. A Folha alegou que não foi uma calúnia, difamação ou injúria, mas que se limitou a informar que as notas utilizadas eram irregulares sem dizer que a falsificação havia sido feita por Nicéa, que pediu uma indenização por danos morais de R$50 mil. A juíza acatou parcialmente o pedido depois de uma tentativa de acordo. Em 3 de dezembro, o processo contra o diretor de redação do jornal Zero Hora, Marcelo Rech, e o colunista José Barrionuevo, movido pelo então governador do Rio Grande do Sul, Olívio Dutra (PT) foi arquivado pela 6ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado (TJE). O pedido foi apresentado pelo Ministério Público, que se baseou na prescrição do crime e na inexistência da intenção de ofensa ao governador. Os jornalistas chegaram a ser condenados a cinco meses de prisão, pena que foi substituída pelo pagamento de cinco salários mínimos, por ter afirmado que Dutra havia sido cúmplice na destruição do Relógio de 500 anos, provocada por conflitos ocorridos em Porto Alegre durante a comemoração do Descobrimento do Brasil, em abril de 2000. Em 4 de fevereiro, a revista Você S/A, da Editora Abril, sofreu censura prévia pela justiça paulista, que concedeu uma liminar a favor da empresa Dow Right Consultoria em Recursos Humanos para condicionar a publicação de uma matéria ao direito de resposta na mesma edição. De acordo com a decisão do juiz da 2ª Vara Cível do foro de Pinheiros, Antônio Dimas Cruz Carneiro, a notícia só pode ser veiculada se incluir a “resposta da autora em seguida a cada trecho negativo que lhe for atribuído, observando-se rigorosamente a igualdade de espaço e destaque entre as acusações e as defesas.” Segundo Carneiro, “exercido a posteriori nem sempre o direito de resposta é eficaz para o cumprimento do objetivo legal, pois nem sempre as pessoas que lêem as imputações lêem também as respectivas explicações do destinatário das acusações e assim a melhor forma de se garantir o exercício do direito de resposta é fazendo com que esta conte com igual destaque na própria matéria que contém os fatos negativos noticiados”. Em 11 de março, o chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, Álvaro Lins, decidiu reeditar no Boletim Interno da instituição a antiga “Lei Mordaça”, proibindo que os delegados e inspetores dêem entrevistas. A informação só pode ser transmitida através do setor de comunicação social da Polícia Civil. A nova determinação é uma cópia exata de uma lei publicada em julho de 1999, assinada pelo então e atual Secretário de Segurança, Josias Quintal. Álvaro Lins justifica sua medida alegando que “em virtude de entrevistas (...) que contêm uma visão parcial, equivocada e dados estatísticos imprecisos que, ainda que de boa fé, muitas vezes contribuem para gerar e aumentar a sensação de insegurança na população (...) está proibida qualquer entrevista de policiais aos meios da imprensa”. Em 12 de março, a Rede Globo foi condenada em primeira instância a indenizar o ex-senador Luiz Estevão e a divulgar a sentença da justiça em horário nobre. Isso porque a juíza Maria de Fátima Rafael de Aguiar Ramos entendeu que alguns comentários de Arnaldo Jabor sobre Estevão teriam sido ofensivos. A ação por danos morais foi impetrada em 2002 depois que Jabor comentou a alteração nas dimensões das traves do campo do Bezerrão para o jogo entre o Brasiliense e o Atlético Mineiro. A alteração da largura das traves foi atribuída, à época, ao ex-senador que é dono do time de Brasília. A Globo alegou que a divulgação dos fatos foi lícita e que não há danos morais e materiais, mas a juíza não aceitou o argumento. O valor da indenização foi de R$ 5 mil e ainda cabe recurso. Em 13 de março, o jornalista Xico Sá foi condenado em São Paulo a quatro meses de prisão por causa do título de um texto que desagradou o comando da Polícia Militar. Dessa decisão, convertida em pena alternativa (prestação de serviços à comunidade) cabe recurso. A condenação leva a data de novembro do ano passado, mas só foi comunicada ao jornalista em 13 de março de 2003. O artigo, publicado no Diário Popular (hoje, Diário de S. Paulo), em novembro de 2000, referia-se à repressão a integrantes do MST – Movimento dos Trabalhadores Sem-terra. Por terem invadido a sede do Incra, em São Paulo, os militantes foram surrados por policiais militares, tiveram a cabeça raspada e, despidos, foram presos no Carandiru. O juiz da 12ª Vara Criminal de São Paulo, Ruy Alberto Leme Cavalheiro, considerou que o texto contra os policiais era muito forte e aceitou o argumento de que a crítica aos PMs que participaram da ação abalou toda a corporação.

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