A ameaça à liberdade de imprensa em que se transformaram os tribunais em muitos países também está presente no Uruguai e esse é sem dúvida um dos temas mais preocupantes atualmente. Houve decisões judiciais muito importantes, tomadas de forma oportuna, e que respaldam e reforçam essa liberdade básica amparada constitucionalmente, mas ultimamente uma série de processos e julgamentos explicitam a existência de sérios riscos. Esses riscos e ameaças, que já são mais do que potenciais, encontram um terreno muito fértil nas posições sustentadas pela Promotoria, também já denunciada aqui, e que se refletem na maioria das decisões dos atuais promotores.
Em um recente processo contra um líder sindical por declarações feitas contra o presidente da República, o promotor do caso quis processar criminalmente o redator responsável do meio que publicou as declarações apesar de o líder sindical ter assumido responsabilidade total por elas. Mesmo quando o jornalista assumiu responsabilidade pela publicação, o promotor tentou exigir a identificação do jornalista ou jornalistas que haviam feito a entrevista. Em nenhum momento considerou legítimo nem de interesse público que um meio jornalístico entrevistasse e divulgasse expressões de um líder sindical e de oposição ao governo. O promotor mudou de um dia para outro sua posição e a certa altura pediu o arquivamento do processo contra o redator responsável aplicando o princípio in dubio pro reo (na dúvida a favor do réu), o que significa que considerava que o jornalista havia cometido um crime ao divulgar as expressões em questão, mas que não havia elementos suficientes para pedir a condenação.
Em outro caso, encontra-se pendente uma intimação a um jornalista por causa de uma entrevista que fez com um militar reformado. Por causa das declarações deste, organizações de defesa de direitos humanos processaram-no criminalmente por apologia do crime. O que provocou a denúncia foi a entrevista publicada, mas o tribunal responde a um pedido das organizações e quer que o jornalista entregue as fitas de gravação ou qualquer elemento que contenha as conversas entre ele e o entrevistado.
O direito de resposta está sendo aplicado no Uruguai de forma abusiva e indo além do admitido na Convenção Americana de Direitos Humanos. A SIP considera essa uma das piores formas de censura.
Em um caso, que não resultou em condenação, moveu-se um processo porque um advogado e líder político pretendia continuar utilizando os espaços de um meio. Este havia feito uma reportagem sobre uso de influências e por isso os envolvidos escreveram cartas que foram publicadas dando sua versão. Em uma delas, o advogado incluía uma série de dados incorretos e insultos e a publicação acrescentou os esclarecimentos correspondentes. Diante disso, o advogado recorreu à justiça porque entendia que tinha direito a continuar escrevendo no meio.
Um jornal de Montevidéu foi obrigado pela justiça, em duas oportunidades, a inserir respostas em sua capa e contracapa. Essas decisões foram tomadas mesmo depois de o jornal publicar por vontade própria as respostas solicitadas e os esclarecimentos correspondentes e o pedido de desculpas.
Um jornalista foi detido e ficou incomunicado porque negou-se a revelar a fonte de uma investigação sobre corrupção policial. Esse caso está sendo investigado pelo Supremo Tribunal de Justiça a pedido do sindicato dos jornalistas.
Outro jornalista foi denunciado por publicar informações referentes a empréstimos que um banco do governo concedeu a políticos e legisladores. O caso está pendente.
Um grupo político moveu processo pelo direito de resposta contra um jornal e um semanário por terem publicado notícias de interesse público em um caso e uma coluna de opinião, em outro. Esses casos ultrapassam os limites do que se pode defender seriamente em termos desse controvertido direito de resposta.
Mesmo que esses processos não tenham continuidade, esse tipo de indústria de julgamentos, que tem sido bem recebida pelos tribunais e envolve muitos argumentos de acusação restritivos à liberdade de imprensa, representa muito gasto de tempo e uma enorme despesa para os meios que devem contratar advogados sem terem a chance de exigir indenização por gastos não previstos para esses julgamentos.
Aos numerosos casos de processos contra a imprensa contendo queixas com indenizações desproporcionais, acrescentou-se nesse período a denúncia feita pelo jornal El Herald, da Flórida, membro da Sociedade Interamericana de Imprensa, pela obstrução do trabalho dos jornalistas movido pelo juiz dessa cidade, Ricardo Santana.
Em duas ocasiões, nos dias 13 e 14 de agosto, o juiz Santana impediu a entrada dos jornalistas do El Herald a audiências no tribunal, o que viola o direito à informação.
O fato foi trazido ao conhecimento dessa vice-presidência regional da SIP pela direção do El Herald¸ assim como da Organização da Imprensa do Interior e da Associação de Imprensa Uruguaia que se dirigiram por escrito ao Supremo Tribunal de Justiça pedindo sua intervenção.
Contrastando com esse panorama judicial negativo, deve-se observar que a Câmara de Deputados do Uruguai aprovou recentemente um projeto de lei sobre o direito à informação e habeas data. O projeto de lei que está sendo agora examinado no Senado, permitiria que os cidadãos tivessem acesso a todos os documentos do governo, que coletassem informações e a difundissem. O presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa da SIP, Rafael Molina, expressou estar satisfeito com os progressos em matéria de liberdade de expressão que esse projeto representaria. Espera-se que no trâmite até sua aprovação, a lei não sofra modificações que alterem sua busca de transparência e que sua regulamentação garanta seu cumprimento de forma eficaz.
Representantes de alguns setores políticos da coalizão de esquerda insistiram durante o período de declarações que mostram uma inquietante tendência para regular o funcionamento da imprensa uruguaia. Primeiro foi um documento depois qualificado como "minuta", no qual se propunha que as pessoas que desejassem exercer o jornalismo deviam obter o apoio de um partido político. No presente mês de outubro, um senador do mesmo grupo reiterou o conceito da necessidade de "democratizar os meios de comunicação". Nesse sentido, essa vice-presidência garante que não existem restrições que impeçam a livre expressão de suas idéias a nenhum partido político, setor social ou filosófico. O acesso à opinião pública, assim como a capacidade de criar um meio de imprensa escrito, radial ou televisivo não estão, no Uruguai, restritos por motivos ideológicos, e de fato funcionam no país sem impedimentos, meios que revelam preferência política das mais diversas tendências. De modo que tais propostas são consideradas inquietantes para o futuro da liberdade de imprensa e informação no Uruguai.
Vários jornalistas foram agredidos durante o exercício de suas funções entre março e hoje. Nesse sentido, a Associação da Imprensa Uruguaia (APU) denunciou o caso do jornalista Enrique Filgueira, agredido por um membro de um grupo musical; o de uma jornalista do jornal El País, agredida por diretores de institutos públicos de ensino primário, e o de vários jornalistas agredidos por sindicalistas que afirmaram estar exercendo funções de proteção para o embaixador de Cuba, Joaquín Álvarez, quando esse abandonava o país. Nesse último caso, o líder sindical Juan Castillos pediu desculpas publicamente.
A APU deu seu apoio a vários jornalistas do interior do país que denunciaram ter sido despedidos ou ter tido seus programas suspensos por causa de pressões políticas, e censurou a atitude do Serviço de Imprensa da Presidência da República ao impedir o acesso de jornalistas do Canal 1 a uma coletiva.
Durante anos existiu no Uruguai um duplo critério tributário entre a imprensa editada em Montevidéu e a do resto do país. Como sinal positivo pode-se interpretar a decisão da administração atual no sentido de equiparar os impostos com base no menor peso fiscal. Apesar disso, os encargos tributários continuam sendo um dos maiores impedimentos para que a liberdade de imprensa chegue ao nível desejado no país.
Outra dificuldade econômica não diretamente relacionada à crise que assola a região é relativa aos custos de distribuição extremamente altos em vigor no Uruguai, como já foi informado em outras assembléias da SIP. Nesse sentido, estão sendo analisadas soluções conjuntas ou alternativas mais econômicas.
Madrid, Espanha