Cuba

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O panorama do jornalismo em Cuba continua marcado pela resistência à mudança e a censura governamental, com novos episódios de campanhas de propaganda nos meios oficiais, perseguição aos jornalistas independentes e desprezo pelas necessidades de informação da população. Neste período, os meios de comunicação controlados pelo Estado viram-se envolvidos em uma extravagante e hipócrita campanha em favor da liberação dos chamados "Cinco Heróis Prisioneiros do Império", cinco cidadãos cubanos processados e condenados por um tribunal dos Estados Unidos por pertencerem a uma rede de espionagem a serviço do governo da ilha. As referências a esses supostos patriotas são permanentes, argumentando-se que se tratavam de pessoas infiltradas nos Estados Unidos para combater o terrorismo e neutralizar as atividades dos grupos da comunidade cubana de Miami. Simultaneamente, o principal jornal do país e órgão do Partido Comunista, o Granma, desfia comentários difamadores, afirmando em um de seus artigos "comemorativos" do primeiro aniversário dos atentados terroristas em Nova York e Washington, que "se o 11 de setembro não tivesse ocorrido, o presidente George W. Bush e o complexo militar industrial o teriam inventado". Os meios cubanos, entretanto, não fizeram a mínima menção de um caso de espionagem a favor de Cuba no Departamento de Defesa dos Estados Unidos, que foi descoberto no ano passado e em que o espião foi sentenciado há alguns dias por um juiz federal em Washington. Este caso, protagonizado pela cidadã norte-americana Ana Belén Montes, constitui o incidente de espionagem de maior envergadura envolvendo Cuba nas últimas quatro décadas, com comprometedoras implicações para a segurança nacional nos Estados Unidos. Outro espetáculo de propaganda orquestrado pela imprensa oficial foi a campanha de coleta de assinaturas em apoio de uma reforma constitucional que viria a declarar o socialismo "irrevogável". A manobra representou uma resposta tácita a um projeto de referendo apresentado por grupos de oposição pacífica, com o apoio de mais de 10.000 assinaturas de cidadãos cubanos residentes no território nacional - o chamado Projeto Varela. Como já é costumeiro, o evento foi ocultado do público e as informações jornalísticas sobre o projeto foram divulgadas exclusivamente pela imprensa independente e os meios internacionais. Paralelamente ao silenciamento informal do Projeto Varela, o governo cubano criou uma esmagadora campanha que inundou os meios de comunicação com afirmações pueris sobre o apoio da cidadania às reformas constitucionais, sem fornecer informações sobre os reais motivos desta inusitada campanha. Como conseqüência desta política totalitária, o desafio para os jornalistas independentes do controle do governo sobre as informações públicas é continuar enfrentando a repressão oficial. O caso mais notório continua sendo o de Bernardo Arévalo Padrón, que foi recentemente transferido para uma área de trabalhos forçados, dentro da prisão de Ariza, Cienfuegos. A situação é alarmante, pois os funcionários da penitenciária constantemente informam os prisioneiros comuns de que perderão o direito a visitas e outros privilégios por causa das "indisciplinas" de Arévalo, que enviou vários relatórios sobre a prisão aos meios de comunicação. Arévalo, fundador da agência de notícias independente Línea Sur, cumpre uma sentença de seis anos de prisão desde 28 de novembro de 1997, sob acusações de "desacato" à figura do presidente Fidel Castro e do vice-presidente Carlos Lage. Outros acontecimentos significativos desde março são: Os repórteres Léxter Téllez Castro e Carlos Brizuela Yera, da Agência de Imprensa Livre Avileña e do Colégio de Jornalistas Independentes, estão detidos e respondem a acusações com sentenças de seis e cinco anos, respectivamente. Ambos foram detidos em 4 de março durante um protesto cívico em Ciego de Avila, e desde então têm enviado informações sobre as condições de vida e os maltratos que testemunham nas penitenciárias onde permanecem detidos. O repórter Carlos Alberto Domínguez, da agência Cuba Verdad, está detido desde 29 de março na prisão de Valle Grande, onde continua denunciando as péssimas condições de vida dos prisioneiros dessa penitenciária. Seu julgamento ainda não foi realizado. O correspondente Angel Polanco, que mora em Havana, ficou detido cinco dias na sede da Segurança do Estado da capital. Os agentes policiais revistaram sua casa, confiscaram os equipamentos do escritório e seus arquivos, e se apoderaram de US$1.500. O jornalista tinha voltado de Miami, onde recebera tratamento médico. O jornalista Carlos Serpa Maceira sofreu uma agressão policial em Nueva Gerona, Isla de la Juventud, e posteriormente recebeu uma multa de 30 pesos. Outros membros da imprensa independente foram vítimas do tratamento policial que é usado regularmente para lhes negar o acesso às fontes de informação e a cobertura de eventos. Em todo o país, os repórteres independentes são tratados da mesma maneira: chamadas telefônicas de intimidação, detenções temporárias em suas residências, advertências, multas, inspeções e expulsões forçadas dos locais para onde vão com o objetivo de realizar seu trabalho. Os esforços para o treinamento profissional, em Cuba ou por convite ao exterior, são repetidamente bloqueados. A Sociedade Manuel Márquez Sterling, que reúne a metade dos 120 jornalistas independentes da ilha, foi impedida de realizar seus cursos de treinamento. Os jornalistas Claudia Márquez, Marvin Hernández Monzón, Víctor Domínguez e Luis García, convidados pelo Centro Latino-americano de Jornalismo (CELAP) para participar de seminários no Panamá e no México, não puderam nem começar os preparativos para a viagem, pois foram impedidos de viajar pelas autoridades da imigração. Persistem as demoras e negativas de permissão para emigrar ou viajar ao exterior. O jornalista e poeta Raúl Rivero, diretor da CubaPress, ainda é mantido em "cativeiro nacional" em que se encontra há 14 anos, apesar dos numerosos convites que recebe com regularidade para participar de feiras e eventos literários no exterior. Ele tem seu pedido de visto temporário sempre negado, embora tenha sido "convidado" a sair definitivamente do país. Após vários anos de represálias como essa, sua esposa pôde finalmente viajar para os Estados Unidos para visitar seu filho. Os jornalistas independentes ainda enfrentam as mesmas dificuldades para fazer suas reportagens chegarem às publicações e agências distribuidoras no exterior. Os relatórios continuam sendo transmitidos por chamadas telefônicas a cobrar e, com menos freqüência, por fax. O acesso à Internet e e-mail continua sendo um sonho impossível para os profissionais independentes da ilha. O decreto governamental 383/2001 proíbe até mesmo a venda de peças e ferramentas tecnológicas que alguns cidadãos poderiam usar para construir um computador pessoal em casa. Somente pessoas com uma carta especial de autorização do chamado Escritório Nacional de Segurança Tecnológica podem trazer um computador do exterior. Além disso, os jornalistas independentes não têm permissão de usar os serviços on-line em hotéis, cibercafés e centros turísticos por meio de cartões pagos em moeda forte, pois seu trabalho é considerado um "trabalho contra-revolucionário pago pelo inimigo". No começo de setembro, as autoridades estatais anunciaram o início do primeiro projeto cubano de televisão virtual na Internet, 24 horas por dia. A presença permanente da televisão cubana é fruto da colaboração de entidades governamentais da ilha e a empresa Hspeed Net da Alemanha. Este serviço, dedicado a promover no exterior a visão triunfalista do regime, amplia a primeira incursão da televisão cubana na Internet, que, nos últimos três anos, tem sido uma plataforma para a transmissão diária das chamadas Mesas Redondas Informativas e outros programas de propaganda política que, na linguagem demagógica do governo, são descritos como "frentes de batalha contra a liberdade de mentir". A União de Jornalistas de Cuba (UPEC), do governo, anunciou que a partir de agora e até fevereiro de 2003, estará homenageando o centenário do nascimento do jornalista checo Julius Fucik, em uma antiquada manobra de fortalecimento ideológico que chegou até a se vincular com a campanha de liberação dos cinco espiões detidos nos Estados Unidos. A data da morte do controverso jornalista, Fucik, 8 de setembro de 1943, era utilizada no bloco socialista para comemorar o Dia Internacional do Jornalista, mas posteriormente esta data foi substituída em Cuba por outra de caráter nacional, o 14 de março, dia do início do Patria, jornal fundado por José Martí em 1892. Um verdadeiro gesto demagógico e de incrível ironia ocorreu recentemente em Havana, sede do Terceiro Encontro Mundial de Correspondentes de Guerra. No evento, os participantes advogaram a prática ética do jornalismo e a lealdade à "verdadeira liberdade de imprensa, a que é fiel aos povos", contrastando-a com "a cativa proclamada pelos proprietários dos grandes meios". Neste contexto de discurso duplo, 40 representantes do jornalismo dos Estados Unidos visitaram Cuba, convidados pela Sociedade Americana de Editores de Jornais (ASNE). Usando o eufemismo, as autoridades máximas cubanas e os líderes da UPEC falaram aos visitantes sobre "vínculos comuns", espírito cooperativo e intercâmbios bilaterais, sem mencionar o embargo informativo que o próprio governo impôs aos seus cidadãos. Essa é uma velha estratégia que se baseia em abrir a ponte de comunicação em uma única direção, sob a supervisão do Estado. Não queremos concluir este relatório sem fazer menção ao colega e amigo Carlos Castañeda, membro proeminente do Comitê de Liberdade de Imprensa da SIP, que faleceu em 10 de outubro em Lisboa. Castañeda, que foi responsável pela elaboração do relatório sobre a situação do jornalismo em Cuba por vários anos, foi um apaixonado defensor da imprensa como um instrumento da democracia, o intercâmbio de idéias e a participação cidadã. Seus esforços incansáveis pela restauração de um sistema de imprensa livre em uma Cuba do futuro continuarão a guiar nossas demandas pela restauração de um espaço democrático de comunicação na ilha.

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