Venezuela
O exercício da liberdade de expressão viu-se exposto a vários riscos nesse período e sofreu violações que comprometem a vigência da democracia e do estado de direito. Os meios, editores e jornalistas continuam exibindo coragem e consciência cívica, visto que o trabalho da imprensa tem apresentado conseqüências perigosas.
De seus conhecidos insultos, agressões e intimidações aos editores e comunicadores sociais e aparições públicas em cadeias semanais de rádio e de televisão, o presidente Hugo Chávez passou para uma fase de provocação sistemática do ódio e estímulo direto à violência popular dirigida aos jornalistas. Agora convoca ou anima seus seguidores, membros dos Círculos Bolivarianos, organizados com o apoio e fundos do governo, para que ataquem fisica e moralmente os jornalistas e seus bens, em circunstâncias antes nunca vistas.
Nas semanas mais recentes, foram constituídos "tribunais populares", dirigidos por seguidores da chamada Revolução Bolivariana, os quais, com a solidariedade presidencial, reuniram-se em praças públicas para "fazer justiça" para com os que consideram contra-revolucionários, especialmente donos dos meios e jornalistas que não seguem o "chavismo". O jornalista José Domingo Blanco é uma de suas vítimas.
A institucionalidade formal não foi capaz de reagir de forma clara e eficiente para proibir e punir esses atos, contrários à Constituição e às liberdades, já que é evidente que os poderes públicos estão sob controle de pessoas de confiança do presidente e submetidos a suas ordens autocráticas.
O Supremo Tribunal emitiu a sentença 1013 para proteger as incitações presidenciais e esta é atualmente considerada a base ideológica e normativa para amordaçar a imprensa por parte do Estado. O Tribunal emitiu outra decisão que eliminou o princípio de intangibilidade da matéria julgada para possibilitar a reabertura, por supostas razões de interesse público e de mero direito (ipso iure), das causas civis, administrativas, comerciais, fiscais e de outra ordem que já tiverem sido judicialmente encerradas. Com isso, abre-se um limbo jurídico a todos os cidadãos, entre eles os editores e os jornalistas, que se tornam vítimas fáceis e potenciais das chantagens do poder.
Na audiência pública realizada recentemente perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) por causa da denúncia feita sobre a Sentença 1013 pelo Bloco de Imprensa Venezuelano, o governo declarou que, para colocar ordem no debate criado pelos meios, seria criada uma Lei de Conteúdos, um tipo de código que reuniria as normas restritivas da liberdade de expressão contidas nessa sentença. O presidente referiu-se a essa lei em suas declarações de 10 de dezembro perante as Forças Armadas, e de 9 de janeiro, na Assembléia Nacional.
A Assembléia Nacional, por sua vez, editou uma Lei de Telecomunicações que, a partir de agora e aguardando a referida Lei de Conteúdos, permite que o governo, a seu critério, encerre os programas de rádio e de televisão que considerar contrários aos interesses nacionais, ou seja, tudo que for contrário aos interesses da revolução. Sob a ameaça informal de que estaria estudando uma Lei de Imprensa, a Assembléia decidiu, em 17 de janeiro, "exortar os proprietários dos meios de comunicação a discutir e aprovar, de forma livre e autônoma, um Código de Ética que norteie sua conduta".
O Ministério Público e a procuradoria-geral mantêm uma atitude de indiferença diante de todos esses incidentes. O Ministério Público, que tem sob sua responsabilidade o exame das acusações penais para impedir a violência crescente contra jornalistas e editores, é ocupado por uma pessoa que foi braço direito e vice-presidente do atual mandatário. No Poder Judiciário, mais de 80% dos juízes são provisórios. Sua futura estabilidade está nas mãos do Supremo Tribunal, que não lhes concede a estabilidade para impedir que exerçam com autonomia e independência seu ministério e, assim, encontram-se sujeitos às manipulações e requerimentos do governo.
O governo do presidente Chávez editou 49 decretos-lei em 2001, todos em um só dia, com o amparo de uma Lei Habilitante que ignorou tanto o princípio constitucional da "reserva legal" quanto as competências naturais do parlamento, em um nítido exemplo da degeneração política. Esses decretos foram contestados por várias ações perante a Sala Constitucional do Supremo Tribunal de Justiça por representarem também violações a direitos fundamentais, tais como o de propriedade, o de contratação coletiva, o de assembléia, mas o tribunal ainda não se pronunciou a respeito.
Uma missão da SIP e anteriormente o Secretário Executivo da CIDH visitaram o país em fevereiro e concordaram que no país não existe liberdade de imprensa.
Em março, os editores, proprietários de estações de televisão e alguns jornalistas venezuelanos foram recebidos pelo plenário da CIDH, em Washington, para uma reunião de trabalho, depois da qual anunciou-se a visita de tal instituição à Venezuela para realizar em maio uma investigação in loco. Também foi realizada uma audiência pública sobre a Sentença 1013, na qual o representante do Estado, além de confirmar a iniciativa do governo quanto à Lei de Conteúdos, expressou sua não aceitação da Declaração de Princípios sobre a Liberdade de Expressão da OEA - semelhantes aos da Declaração de Chapultepec - e observou que a matería relacionada à liberdade de expressão estava reservada à soberania interna.
A CIDH adotou este ano medidas cautelares a favor dos jornais El Nacional e El Universal e das estações de televisão Radio Caracas, Globovisión e VeneVisión para preservar o direito à vida, a integridade pessoal e a segurança dos bens de seus jornalistas, diretores e proprietários. Além das expressões formais, o Governo pouco fez para cumprir essas medidas.
No caso do jornal La Razón, para cujo diretor emitiu-se mandado de prisão (o qual, por isso, encontra-se exilado em Costa Rica), a Comissão de Funcionamento e Reestruturação do Poder Judiciário finalmente suspendeu o juiz da causa. O mandado de prisão foi posteriormente anulado. Não se concedeu, entretanto, liberdade plena a Pablo López Ulacio, que deve se apresentar perante o juiz uma vez por mês e não pode fazer declarações públicas sobre o processo criminal decorrente do exercício de sua liberdade de expressão. Devido ao contexto nacional já mencionado, é evidente que não se poderá contar com um juiz imparcial para o julgamento devido.
Aumentaram as perseguições governamentais e as repetidas ofensas presidenciais à Igreja Católica, ao cardeal arcebispo de Caracas e ao arcebispo de Mérida, presidente da Conferência Episcopal Venezuelana, entre outros. Os processos contra estes arcebispos e o processo adminsitrativo contra a estação de televisão do episcopado Vale TV, com o objetivo de revogar sua concessão, continua em vigor. Deve-se mencionar também, nessa mesma linha, a ofensa, em janeiro, ao Núncio Apostólico de Sua Santidade, por parte do presidente da Venezuela, depois que aquele expressou votos para que as políticas do regime pudessem avançar dentro de um ambiente de tolerância e de respeito.
Em outubro, a Comissão Nacional de Telecomunicações abriu um processo administrativo, por ordem do presidente, contra a Globovisión, com o objetivo de punir a emissora por esta ter informado que nove taxistas haviam sido assassinados como parte da violência crescente que afeta toda a Venezuela.
Em novembro, foram vítimas de ameaças e intimidação militares as jornalistas Patricia Poleo, do jornal El Nuevo País; Ibéyise Pacheco, do jornal Así es la Noticia; Martha Colomina, do jornal El Universal, e Marianela Salazar, do vespertino Tal Cual, que publicaram documentos e informações envolvendo generais do Exército em graves casos de corrupção.
A jornalista Ibéyise Pacheco, diretora do jornal Así es la Noticia, associado ao El Nacional, foi objeto de investigação penal por iniciativa do comandante da Guarda Nacional. Cinco dias depois, em 31 de janeiro, uma bomba foi colocada na porta principal do jornal. Isso ocorreu um dia depois de Pacheco ter divulgado, junto com suas colegas, um vídeo que mostrava um encontro oficial entre integrantes das Forças Armadas venezuelanas e membros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia.
Em 7 de janeiro, depois de uma cadeia nacional realizada no dia anterior pelo presidente Chávez, na qual este ofendeu publicamente o editor Miguel Henrique Otero e estimulou seus seguidores a repreendê-lo, ocorreu a violenta manifestação dos Círculos Bolivarianos na entrada do El Nacional, que resultou em medidas cautelares da OEA. Posteriormente, em 20 de janeiro, manifestantes do Movimento V República, partido do governo, agrediram um grupo de jornalistas da Radio Caracas Televisión e da Globovisión.
A aprovação, em 24 de janeiro, de medidas cautelares por parte da OEA em favor do El Universal para proteger a vida e a integridade de seus funcionários não impediu que turbas governamentais estivessem presentes novamente nos dias subseqüentes na entrada do jornal. Três de seus jornalistas, Roberto Giusti, Alicia La Rotta e Eugenio Martínez, haviam sido vítimas de agressões dias antes.
Em 4 de março, o editor do jornal El Correo de Caroní e da TV Guayana, que também é presidente do Bloco de Imprensa Venezuelano, denunciou na procuradoria-geral da República as sérias agressões e ameaças feitas a ele e seus familiares por parte do governo nacional e regional. Denunciou que grupos de ativistas seguidores de Hugo Chávez, treinados pelos chamados "tupamaros" liderados pela Comandante Lina Ron, preparavam novos atos de violência contra os referidos meios, semelhantes às ocorridas em frente à emissora em 5 de fevereiro e que incluiriam a destruição e o incêndio de suas instalações.
A maioria dos meios de televisão e da imprensa escrita de Caracas, ou da província, estão sendo invadidos rotineiramente pelos exércitos governamentais (nacionais e municipais) de cobradores de impostos e contribuições, mais como represália do que para fins de organização das contas tributárias do Estado.
Repórteres do El Impulso e do El Informador dessa cidade também tiveram seus equipamentos danificados em 19 de janeiro por funcionários da prefeitura do Munícipio Iribarrem enquanto cobriam um ato convocado pelas autoridades educacionais do Estado Lara.
A criação dos Círculos Bolivarianos responde à estratégia de neutralização dirigida pelo presidente contra seus adversários e que teve início com os ataques que repetidamente lhes foram feitos em suas cadeias semanais durante os últimos anos.
O presidente ofereceu seu apoio a esses grupos dedicados à violência durante um ato público em 17 de dezembro no qual disse: "O ano 2002 será o grande ano da ofensiva...marcado por uma série de eventos que vão ocorrer".
"O Movimento Revolucionário 2002 garantirá a superação de todos os riscos e perigos da consolidação revolucionária a partir de hoje. E um dos principais deveres de todo revolucionário é defender a revolução das ameaças dos adversários contra-revolucionários. Esse é o grande desafio da revolução e nosso. Ou temos sucesso ou morremos tentando. Quem retroceder aqui é definitivamente um traidor."
A retórica revolucionária desdobrou-se, assim, em ofensiva popular inflamada, maus tratos físicos e até sangue. As multidões sob o comando de Lina Ron dirigiram-se contra o pessoal, equipamentos e veículos dos repórteres e cinegrafistas da Vene Visión em 3 e 7 de fevereiro na cidade de Maracay; da Radio Caracas Televisión, em 20 de janeiro, 19 de fevereiro, 21 de fevereiro e em 27 de fevereiro em Caracas; da Televen, em 21 de fevereiro, também em Caracas; e da Globovisión, em 21 de janeiro, também nessa cidade.
Em 21 de fevereiro, Ron apresentou-se na praça da Reitoria da Universidade Central para impedir com violência uma marcha estudantil pacífica e organizada contra o governo. Depois de ameaças de agressões físicas aos funcionários da Radio Caracas Televisión, maltratou, com seus seguidores, um jornalista, e feriu seriamente um dos cinegrafistas da Corporação Televen.
Detida por ordem de um juiz e a pedido do reitor da universidade, a Comandante Ron foi homenageada publicamente pelo presidente Chávez, que, em seu programa de 10 de março, no qual atacou duramente os jornais da Espanha e da Colômbia chamando-os de falsos e mentirosos, declarou: "Ela é uma lutadora social e uma patriota que merece respeito".
Em 13 de março, a Agência de Notícias do Estado, Venpes, enviou aos meios de informação uma informação insólita, de uma perversidade sem limites. Depois de observar que "Noriega caiu por ter rompido acordos com pessoas do grupo de Bush pai", aponta o próprio país para dizer que "os cartéis da droga não podem considerar o atual governo (...) como consideravam os anteriores, que permitiam que agissem como se o país fosse sua casa". E acrescenta que não há nada melhor para reprimir o movimento corruptor das drogas do que uma "opinião pública alerta, informada, oportuna e veraz, apoiando um governo honesto" como o de Chávez.
Em seguida, o informe do governo especifica que a atual investida dos jornalistas, entre eles Ibéyise Pacheco, Patricia Poleo e José Domingo Blanco contra o alto comando militar e contra o governo representa "um fenômeno de narcojornalismo que deverá ser investigado".
E as palavras do redator do documento, J. Valverde, que trabalha para a agência de notícias do regime, alertam sobre os prêmios de honra que "algumas figuras e instituições estrangeiras, influenciadas e controladas de algum modo pelos cartéis da droga" concederiam "para lavar a honra de nossos narcojornalistas". Ironicamente, a jornalista Poleo foi recentemente premiada por seu trabalho pelo rei Juan Carlos, da Espanha.