Uruguai

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Ocorreram nesse período prisões e intimações judiciais a jornalistas que impediram que realizassem seu trabalho normalmente. No final de fevereiro, o jornalista de televisão César Casavieja foi preso, incomunicado, e obrigado a revelar informações pelo juiz Jorge Imaz, devido a uma investigação sobre corrupção que foi transmitida pelo Canal 4, violando-se assim o direito de sigilo profissional. A Associação de Imprensa Uruguaia (APU) expressou seu "repúdio a interrogatórios de jornalistas para que estes revelem suas fontes de informação - o que foi feito pelo juiz Imaz -, lesivos ao sigilo profissional inerente ao exercício do jornalismo". Continua a prática de distribuição de publicidade oficial sem o cumprimento de critérios técnicos, em um país no qual o Estado é o principal fornecedor de contas publicitárias. Em outro sentido, deve-se observar que continua ocorrendo no Uruguai a manipulação monopólica e abusiva da distribuição de jornais e revistas, fato que compromete o livre exercício da liberdade de imprensa. Abrindo um relevante precedente, um Tribunal de Recursos revogou uma sentença de primeira instância e ordenou que a promotoria parasse de se negar a fornecer informações à imprensa. Tudo começou quando o jornalista uruguaio André Alsina, correspondente do jornal argentino Pagina 12, também integrante da redação do El Observador, em Montevidéu, entrou com recurso de amparo no qual solicitou acesso a um relatório do promotor Oscar Peri Valdez e no qual o governo se baseou para recusar um mandado de prisão emitido pela justiça argentina para quatro militares e um policial uruguaios, nenhum deles na ativa, com o objetivo de investigá-los por sua suposta participação em operações de repressão durante os anos 70. Alsina disse que "no cumprimento do seu dever tentou de diversas formas" obter o relatório de Peri Valdez "sem resultado" e que pediu em várias ocasiões, sem sucesso, uma entrevista com o promotor. Pediu finalmente a este as informações por escrito e teve como resposta que só podia obter "data de entrada e saída" do processo, mas que não poderia obter informações sobre seu conteúdo. A juíza que ouviu o caso recusou o pedido de Alsina alegando que este não havia esgotado a via administrativa, que consiste em apresentar primeiro um recurso perante a procuradoria e, se esta insistir em negá-lo, recorrer ao tribunal do Contencioso administrativo, processo que pode demorar vários anos. O recurso de amparo está previsto para situações nas quais não existe outra alternativa e os juízes se mostram reticentes a concedê-lo nos casos em que os meios de comunicação apelam contra decisões de funcionários de alto escalão ou órgãos do Poder Executivo. A juíza afirmou que se Alsina tivesse recorrido à via administrativa teria obtido o amparo. O jornalista apelou da decisão perante um tribunal superior, mas o tema, agora rotulado como habeas data, encontra-se no âmbito parlamentar, no qual se discute um projeto de lei que permitiria que os jornalistas tivessem acesso pela via judicial a informações que não fossem especificamente consideradas "confidenciais". No Uruguai, é comum que os órgãos públicos e as empresas estatais resistam a fornecer inclusive informações simples ou canalizem suas fontes de consulta de tal forma que se torna quase impossível ter acesso a elas por via direta e com rapidez. Esse hábito é tão arraigado que alguns departamentos, tais como os de ensino, o ministério de Saúde Pública e o de Previdência Social, advertem seus funcionários que cometerão uma "falta grave", com risco de punições, se fornecerem informações internas aos meios. A situação é amplamente conhecida e até reconhecida pelos governantes. Em um recente workshop sobre jornalismo realizado em Montevidéu, o ministro da Educação, Antonio Mercader, que trabalhou como jornalista nas décadas de 60 e 70, admitiu que existe no Uruguai uma "cultura do segredo" que "virou culto" na sociedade e especialmente no Estado. Nesse último caso, como conseqüência da "vontade de muitos governantes de esconder aspectos que não convêm à sua gestão" apesar de estar em vigor (mas não sendo respeitado) o artigo 29 da Constituição, que consagra a liberdade de informação. Em outro caso, o jornalista do semanário Búsqueda, de Montevidéu, Raúl Ronzoni, teve de comparecer perante à justiça na qualidade de interrogado devido à publicação de uma entrevista, publicada na edição de 27 de setembro, com o coronel (reformado) Manuel Cordero. Cordero foi diversas vezes acusado por organizações de direitos humanos do Uruguai e da Argentina de ter participado de atos de repressão e tortura em ambos os países durante os períodos de ditadura nas décadas de 70 e 80, e recentemente a justiça argentina solicitou sua extradição. Na entrevista, Cordero defendeu sua atuação e a das Forças Armadas ratificando suas declarações em uma edição posterior do semanário, o que provocou a reação imediata de várias entidades de direitos humanos, da central sindical esquerdista PIT-CNT e de vários legisladores da coalizão de esquerda Frente Ampla-Encontro Progressista, e a censura do ministro de Defesa, Luis Brezzo, que dois dias depois respondeu aos comentários do militar e condenou a aplicação de métodos de combate que violem os direitos humanos. Depois de várias instâncias, inclusive parlamentares, o caso resultou em uma ação ouvida pelo magistrado José Balcaldi e ingressada contra Cordero por ter cometido a "apologia do crime". O processo foi movido por integrantes da central sindical, várias organizações de direitos humanos e de familiares de desaparecidos, e três deputados da Frente Ampla. O juiz solicitou que Ronzoni designasse um advogado para sua defesa, transformando-o assim em interrogado, em vez de testemunha, que é sua real qualificação, e os denunciantes exigiram a apresentação ao tribunal de uma suposta gravação da entrevista. Um projeto de lei do senador Rubén Correa Freitas pretende proteger o direito à honra das pessoas, ditando que "toda pessoa física que se considere ofendida em sua honra" por declarações ou discursos públicos de uma pessoa em qualquer meio, por um artigo ou uma notícia "poderá solicitar ao ofensor, por meio dos representantes designados especialmente para tal, a retratação pública do que foi expressado ou publicado, dentro de 48 horas, ou a constituição de um Tribunal de Honra". Se o ofensor se retratar publicamente, o ofendido não poderá tomar nenhuma atitude ou fazer reclamação futura no âmbito civil ou penal. Em contrapartida, se o ofensor não se retratar, cria-se um Tribunal de Honra constituído ou por um representante do ofendido, um do ofensor e um terceiro, que o preside, designado de comum acordo pelos outros membros. O Tribunal deve emitir uma decisão dentro dos cinco dias seguintes à sua constituição com dois votos. No caso de se determinar que houve ofensa da honra, haverá ação por penas e danos nos tribunais ordinários. No caso de as partes ou seus representantes criticarem a decisão publicamente ou através da imprensa, serão condenados com penas de três a 24 meses de prisão. A APU qualificou o projeto de um "instrumento extrajudicial de caráter sumário" que busca obter uma retratação fulminante dos que fazem uso da liberdade de expressão".

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