Brasil

Aa
$.-
BRASIL Relatório de lá Reunião de Meio de Ano Caracas, Venezuela 28 a 30 de março de 2008 Dois fatos foram particularmente marcantes nestes últimos meses. Um deles, protagonizado pela mais alta corte judicial brasileira, foi positivo. Referimo-nos à decisão do ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal, de conceder liminar revogando parte da Lei de Imprensa vigente desde os tempos do regime militar, sob a alegação de que ela viola diversos preceitos constitucionais. Na prática, essa liminar paralisa processos judiciais e decisões tomadas com base nos artigos da Lei de Imprensa suspensos pelo ministro, como a prisão de jornalistas condenados por calúnia, injúria ou difamação, crimes, aliás, já previstos no Código Penal. Em seu despacho, o ministro Ayres Britto escreve que “imprensa e democracia, na vigente ordem constitucional brasileira, são irmãs siamesas” e que “em nosso país, a liberdade de expressão é a maior expressão da liberdade, porquanto o que quer que seja pode ser dito por quem quer que seja”. Em outro trecho, ele afirma que a “atual Lei de Imprensa não parece mesmo serviente do padrão de democracia e de imprensa que ressaiu das pranchetas da nossa Assembléia Constituinte de 1987/1988”. ”Bem ao contrário, cuida-se de modelo prescritivo que o próprio Supremo Tribunal Federal tem visto como tracejado por uma ordem constitucional (a de 1967/1969) que praticamente nada tem a ver com a atual”. Autor da ação movida pelo PDT, e que resultou nessa liminar, o deputado federal Miro Teixeira diz que a Lei de Imprensa foi “imposta em 1967 à sociedade pela ditadura militar” e que ela contém dispositivos totalmente incompatíveis com o Estado Democrático de Direito. “O diploma legal impugnado é produto de um Estado Autoritário, que restringiu violentamente as liberdades civis em geral, e a liberdade de comunicação em particular”, disse Miro. Até julgamento de mérito pelo plenário do STF, outro trecho inválido, por enquanto, é o que prevê censura para espetáculos e diversões públicas. Os artigos que trazem a possibilidade de se apreender periódicos e os que impedem que estrangeiros sejam proprietários de empresas de comunicação no Brasil também foram suspensos. Lamentavelmente, o outro fato marcante mostra uma das piores faces do cerceamento à liberdade de expressão. Trata-se de um conjunto de ações judiciais orquestrado por um grupo de pastores e fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus contra a Folha de S. Paulo por causa da reportagem “Universal chega aos 30 anos como império empresarial”, publicada dia 15 de dezembro último. Com bem destaca o jornalista Júlio César Mesquita, responsável pelo Comitê de Liberdade de Expressão da Associação Nacional dos Jornais (ANJ), essas ações judiciais alegam pretensos danos morais sofridos pelas fiéis da Universal, mas não escondem o claro propósito de intimidar o livre exercício do jornalismo. “São obviamente resultado de um planejamento, com argumentações, estratégias e objetivos idênticos. Mover as ações em grande número, com origem em diversos pontos do país, é uma tática que evidencia o verdadeiro intuito de causar transtornos aos jornais e jornalistas, que se vêem obrigados a comparecerem e constituírem defesa em dezenas de cidades e a multiplicarem, conseqüentemente, os custos de sua defesa. Na medida que criam essas dificuldades, os autores das ações e seus mentores, a rigor, pretendem induzir jornais e jornalistas a silenciarem informações a respeito da Universal. É uma iniciativa capciosamente grosseira e que afronta o Poder Judiciário, já que pretende usá-lo com interesses não declarados. Felizmente, diversos juízes já tomaram decisões contrárias às ações, denunciando seus verdadeiros e condenáveis propósitos”, escreve Júlio em nota distribuída pela ANJ. Vale lembrar, ainda, que o juiz Alessandro Leite Pereira, de Bataguaçu, Mato Grosso do Sul, no julgamento de uma das inúmeras ações impetradas contra a Folha, condenou seu próprio autor por “litigância de má-fé”. A decisão mostra que todos os pedidos de indenização, redigidos praticamente nos mesmos termos, partem de uma mesma origem e com um mesmo objetivo. Concluiu que era uma tentativa espúria de usar o Poder Judiciário contra a liberdade de imprensa, ameaçar o livre exercício do jornalismo e privar o cidadão do direito de ser informado. A seguir, outras tentativas de cerceamento à liberdade de expressão: 22 de novembro de 2007 – O radialista João Carlos Alckmin, da Rádio Piratininga, em São José dos Campos (SP) foi vítima de um atentado. Há cinco anos ele noticiou a exploração de máquinas de caça-níqueis na cidade, e tudo leva a crer que foi vítima de atentado, com dois tiros, em função dessas denúncias. 7 de dezembro de 2007 – O juiz Hilbert Maximiliano Akihito Obara, da 18ª Vara Cível de Porto Alegre, proibiu o website Vide Versus de divulgar informações relativas à investigação policial sobre denúncia contra o deputado estadual Alceu Moreira. O juiz determinou ao provedor que abriga o site a retirar as matérias sobre o caso e ainda proibiu o jornalista Vitor Vieira, editor do veículo, de conceder entrevistas, e poderá pagar multas. 14 de dezembro de 2007 – O juiz Antônio Carlos de Oliveira Bispo, da 22ª Vara Cível de Belo Horizonte, impôs censura prévia ao jornal Mosaico, de Itabira, em Minas Gerais. O juiz concedeu liminar ao pedido do prefeito da cidade, João Izael, que se considerou ofendido por material publicado pelo jornal e solicitou à Justiça o impedimento de matérias a seu respeito e à sua equipe de governo, sob pena de multa diária de R$ 5 mil. 21 de dezembro de 2007 – O desembargador Luiz Antônio de Godoy, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, confirmou liminar da juíza Tonia Yuka Kôroko, da 13ª Vara Cível de São Paulo, proibindo o jornalista Juca Kfouri de “ofender” o deputado estadual Fernando Capez. A liminar configurou um absurdo ato de censura prévia, prevendo a cada pretensa ofensa uma multa de R$ 50 mil. 21 de dezembro de 2007 – O juiz substituto Adriano da Rosa Bastos, da 1ª Vara Criminal de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, em ofício encaminhado a 12 veículos de comunicação do estado, proibiu a divulgação de “qualquer informação” relativa a ação penal contra acusado de estupro, sob a alegação de que o processo está sob segredo de Justiça. 10 de janeiro de 2008 – O juiz Joaquim Domingos de Almeida Neto, do 9º Juizado Especial Criminal, do Rio de Janeiro, proibiu quatro jornais e seis emissoras de televisão de fazer referência aos nomes de dois estudantes que, no dia 4 de novembro de 2007, agrediram um grupo de prostitutas num ponto de ônibus da cidade do Rio de janeiro. Os meios de comunicação, proibidos ainda de veicular as imagens dos agressores, estão sujeitos a multa de R$ 10 mil, conforme a decisão judicial. 8 de fevereiro de 2008 - O deputado federal Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), o Paulinho, anunciou a intenção de processar, em vários estados, os jornais O Globo e Folha de S. Paulo por publicarem reportagens sobre supostos repasses de dinheiro do Ministério do Trabalho, comandado pelo ministro Carlos Lupi, à Força Sindical, central de trabalhadores presidida pelo deputado. A estratégia é a mesma utilizada pela Igreja Universal do Reino de Deus. Paulinho admite o plágio, mas ressalta uma diferença: “Vamos assumir as ações; seremos nós mesmos que entraremos com as ações”. No caso da Igreja, as ações foram propostas por fiéis.

Compartilhar

0