Venezuela

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VENEZUELA Relatório para a Reunião de Meio de Ano Caracas, Venezuela 28 a 30 de março de 2008 O relatório anterior observou que os venezuelanos se opunham nitidamente a uma reforma constitucional proposta pelo presidente Hugo Chávez para perpetuar-se no poder. Denunciou que o governo pretendia acabar com os meios de comunicação independentes, agredir e intimidar os jornalistas e eliminar a liberdade de expressão e de informação. A maioria do povo venezuelano manifestou-se de forma categórica, mediante votação em um referendo popular realizado em 2 de dezembro de 2007, rejeitando a reforma da Constituição, a reeleição indefinida e as políticas hegemônicas. Entretanto, a subordinação de todos os poderes do governo à vontade do presidente permitiu interpretações constitucionais tais como as sentenças 1.013, em 2001, para restringir a liberdade de expressão, e a 1.942, de 2003, para ignorar a primazia dos tratados internacionais relacionados aos direitos humanos. A Lei de Responsabilidade Social no Rádio e na Televisão promulgada pelo regime permite que o governo controle o conteúdo dos meios de radiodifusão. O Código Penal venezuelano sofreu cinco reformas nos últimos sete anos. Em relatórios anteriores apresentados pela Venezuela à SIP, inclusive na Assembléia Geral passada, denunciamos que essas reformas permitem criminalizar a dissidência, penalizando as chamadas “ofensas” a funcionários públicos, o que representa um sério risco para o exercício da liberdade de expressão. Há poucos dias, o governo afirmou que pretende modificar mais 22 artigos. Uma “Lei Habilitante” com vigência de até 18 meses e aprovada no início de 2007 pela Assembléia Nacional autoriza o presidente a assumir a função legislativa em assuntos específicos e a governar por decreto. Apesar de sua proposta de reforma da Constituição ter sido derrotada em 2 de dezembro passado, o presidente Chávez pretende promulgar agora leis cujo conteúdo já foi proposto e rejeitado pelo povo no referendo. A Fundação “Casa Arturo Uslar Pietro” obteve documentos que fazem parte de apresentações feitas por funcionários do Ministério da Educação em cursos ministrados a professores venezuelanos, e nos quais se define como princípio básico de todo o sistema educativo do regime “o reconhecimento da informação veraz e oportuna proveniente dos meios de comunicação alternativos e de massa entendidos como instrumentos para o fortalecimento da democracia participativa, protagônica e co-responsável”. Os especialistas da Fundação consideram que “esse lamentável dogma imposto pelo governo ao sistema educativo constitui a base do sistema de ensino, do início até o ensino médio, prejudicando nitidamente os nossos jovens, desacreditando a liberdade de expressão e encerrando a sociedade do futuro no mais terrível silêncio”. Em 27 de maio próximo completará um ano que o governo fechou a Rádio Caracas Televisión e confiscou seus equipamentos de transmissão. Uma ameaça presidencial fundada em motivos políticos e feita publicamente cinco meses antes, anunciou o fechamento do canal de sinal aberto e gratuito, o mais antigo e de maior penetração nacional, o que foi repudiado pela maioria do país. Por outro lado, continuam as ações e decisões judiciais, e processos com sanções administrativas movidos pelo regime, assim como a perseguição ao canal de notícias Globovisión. Outro problema reiterado pela imprensa são falhas na concessão oportuna das divisas correspondentes, de acordo com a lei, conforme o regime de controle cambial das importações do papel jornal. Essa situação coloca em risco a circulação dos jornais. O governo de Chávez nega repetidamente aos meios não subordinados à sua hegemonia o direito de acesso às informações públicas e impede que os jornalistas independentes trabalhem com fontes ou em eventos controlados pelos órgãos do governo. O instrumento de pressão e sanção utilizado contra os meios dignos, que não se autocensuram, é o nefasto e imoral recurso da discriminação na distribuição da publicidade oficial, que é bastante considerável. Os meios que apóiam o governo são regiamente financiados para fortalecer o que o regime define como “todo o aparato comunicacional do processo revolucionário”. Nesse sentido, outro uso típico de discriminação refere-se à publicidade da maior empresa de comunicações da Venezuela, a cantv, e sua coligada de telefonia celular, a Movilnet, que foram estatizadas no ano passado pelo governo de Chávez. Essas empresas, que são importantes anunciantes, investiram durante muitos anos em publicidade no jornal Correio de Caroní. Com a precisão que caracteriza esse regime na concretização das suas ameaças e agressões, suspendeu-se toda a publicidade para esse jornal no dia seguinte. Nos outros meios, principalmente nos do governo, apareceram nesse dia grandes anúncios coloridos com a frase bastante simbólica: “Agora cantv”. O governo controla agora 85% dos sinais de televisão, 3.000 emissoras de rádio comunitárias e 100 portais na Internet, segundo um estudo realizado por Adolfo Herrera, comunicólogo e professor, e diretor da Faculdade de Comunicação Social da Universidade Central da Venezuela. O Ministério da Comunicação e Informação gastou no ano passado, para “o fortalecimento dos meios alternativos e comunitários”, 3.465 milhões de bolívares, mais de 1,5 bilhão na compra de equipamentos e acessórios e 152 milhões para treinamento de profissionais venezuelanos por especialistas cubanos”. Especialistas em assuntos de comunicação afirmaram em fevereiro passado que o “apoderamento dos meios do Estado por parte do governo para difundir uma mensagem a favor do projeto político hegemônico, a redução do pluralismo de idéias e diversas restrições à liberdade de expressão são algumas medidas tomadas pelo Poder Executivo na área de comunicações durante os primeiros nove anos do governo de Hugo Chávez”. De acordo com uma investigação da Comissão de Participação Política e Financiamento do Poder Eleitoral na campanha para o referendo constitucional promovido por Chávez realizado na Venezuela em 2 de dezembro de 2007, 69% da programação de rádio e TV oficiais foram a favor da reforma proposta pelo regime. Outros aspectos e eventos que merecem destaque nesse período são: A perseguição judicial aos jornalistas, os processos, acusações e assédio infundiram mais coragem e compromisso profissional nos profissionais da imprensa nas suas atividades de informar, investigar e fazer denúncias. Em 4 de novembro de 2005 emitiu-se mandado de prisão para a jornalista Patricia Poelo por uma suposta “autoria intelectual” no caso do assassinato de um promotor do Ministério Público, crime que prevê prisão enquanto o caso estiver sendo investigado. Amigos da jornalista convenceram-na a sair do país para evitar passar pelas torturas, humilhações e abusos. Aqueles que seguem a ideologia do governo, alguns por realmente acreditar nos seus preceitos e outros porque lhes é de algum modo conveniente, estão encarregados de negar realidades, ocultar fatos, tentar quebrar a resistência ética dos profissionais da imprensa e dos meios honestos, para evitar que as informações não distorcidas cheguem até o povo e que este tenha consciência do fracasso histórico do totalitarismo. Em um comunicado de 28 de fevereiro, o Sindicato Nacional de Trabalhadores de Imprensa expressou sua “condenação e repúdio pelas ações de assédio contumaz contra os meios de comunicação e seus profissionais por parte de setores ligados ao governo nacional”. As jornalistas Beatriz Adrián e Diana Carolina Ruiz, da Globovisión, e Francia Sanchez, da RCTV Internacional, foram agredidas em 16 de outubro de 2007 quando cobriam uma sessão da Assembléia Nacional no teatro Teresa Carreño. Em 11 de novembro de 2007 o jornalista Jorge Eliécer Patiño e o repórter gráfico Luis Barrios, do Diario de los Llanos, no estado de Barinas, foram agredidos pela polícia quando cobriam uma manifestação em frente a uma universidade. Policiais e civis agrediram o jornalista Elvis Rivas, da RCTV Internacional durante um protesto estudantil no Estado de Mérida em 9 de novembro. Gustavo Azócar, jornalista e apresentador de um programa na Televisora Regional de Táchira, foi agredido diante das câmaras no seu programa matutino, em 20 de novembro, por uma deputada do governo na Assembléia Nacional. O repórter gráfico José Cohen foi ferido na cabeça enquanto cobria uma manifestação pacífica de estudantes que foi reprimida pela Polícia Metropolitana e pela Guarda Nacional em 27 de novembro e precisou levar 10 pontos. Em 5 de dezembro de 2007 o presidente qualificou como “excremento” o jornalista Hernán Lugo García, do jornal El Nacional por causa de uma matéria sobre a derrota de Chávez no referendo. O cinegrafista Carlos Toro foi golpeado e o assistente Larry Arvelo sofreu contusões e traumatismos causados pela polícia enquanto cobriam um acidente para a Globovisión. Ativistas do oficialismo agrediram o jornalista Ramón Antonio Pérez durante um ato do partido Copei na praça Bolívar de Caracas. Um grupo motorizado e simpatizante do governo atacou o jornalista Hugo Morales quando fotografava as agressões contra estudantes universitários em 22 de janeiro de 2008. A jornalista María Teresa Guedez, do jornal La Calle, o repórter gráfico Clemente Espinoza, do jornal El Carabobeño e o cinegrafista da RCTV Internacional ficaram feridos quando grupos violentos simpatizantes do governo invadiram e destruíram o Conselho Legislativo do Estado Carabobo em 12 de fevereiro deste ano. A esposa de José Rafael Ramírez declarou-se em greve de fome em 14 de fevereiro e acorrentou-se às portas do palácio da justiça do Estado de Aragua, protestando contra o que qualificou de “abusos processuais” que seu esposo havia sofrido. Ramírez está preso em “La Planta”, em Caracas, e também faz greve de fome há um mês. Foi retirado duas vezes do hospital militar, recebeu alimentação intravenosa e foi transferido novamente para a prisão, o que viola seu direito de ser julgado em liberdade. Ativistas do oficialismo agrediram com impropérios o jornalista Rafael Fuenmayor da Globovisión e o acusaram de ser “desestabilizador do governo de Chávez” porque fez perguntas que não agradaram o grupo simpatizante do regime, que invadiu e tomou a sede da Arquidiocese de Caracas em 27 de fevereiro último. A entrada de jornalistas na sessão ordinária da Comissão de Controladoria da Assembléia Nacional de 29 de fevereiro foi proibida. Jornalistas dos principais jornais do Estado Carabobo foram golpeados por grupos simpatizantes do governo quando cobriam um encontro pela paz no dia 6 deste mês em Valência. Dois jornalistas do Canal 5 da Argentina, Melina Fleiderman e Andrés Montes de Oca, enviados especiais para a visita da presidente Cristina Kirchner, foram detidos pela Guarda Nacional nas adjacências do palácio de Miraflores quando tentavam gravar uma manifestação contra Chávez que era realizada nos arredores. O Sindicato Nacional de Trabalhadores da imprensa disse: “Está cada vez mais difícil para os jornalistas do setor público cumprir sua tarefa dentro de uma estrutura de respeito ao trabalho, aos parâmetros éticos e profissionais. Em um bom número de organismos os chefes superiores imediatos dos chefes de redação são militares, que não conhecem os princípios básicos do exercício do jornalismo, nem a Lei ou o Código de Ética. Fazem represálias quando são feitas objeções”. O governo fechou em 27 de maio o canal de televisão RCTV e apoderou-se com a força militar das instalações e equipamentos de transmissão de sua propriedade. A rede de televisão prejudicada tentou várias ações legais, sem nenhum resultado favorável. Em 26 de março a “Sala Político-Administrativa” do Supremo Tribunal de Justiça negou uma medida cautelar solicitada pela RCTV em 29 de novembro de 2007, que lhe permitira voltar a transmitir em sinal aberto. A RCTV informou que as tecnicalidades processuais invocadas na sentença para não considerar os fatos alegados em sua solicitação não são aplicáveis neste caso e lamentou “que o Supremo Tribunal de Justiça tenha perdido, uma vez mais, a oportunidade de reparar o grave dano feito ao povo venezuelano com a saída de nosso canal do ar”. A RCTV explicou que esta não é um sentença definitiva no julgamento e que continuará trabalhando para que na decisão final o TSJ restabeleça o Estado de Direito e restitua a transmissão em sinal aberto. O canal de notícias Globovisión continua enfrentando ações judiciais, sanções administrativas e outras medidas de perseguição por parte do regime. O Chefe de Estado proferiu ofensas e ameaças contra a Globovisión. O governo continua negando sistematicamente a possibilidade de expansão em sinal aberto para tentar limitar a penetração das suas mensagens, informações e opinião livre. Em outubro de 2007 o diretor-geral do canal, Alberto Federico Ravell, qualificou como ato de censura a suspensão ordenada pelo Conselho Nacional Eleitoral de alguns spots publicitários sobre a reforma constitucional que o organismo considerou que poderiam provocar “abstenção eleitoral”. Em 31 de janeiro a Globovisión ignorou uma advertência do órgão oficial Conatel contra os spots publicitários denominados “Usted lo Vió”, considerados incômodos para o governo. Em 8 de fevereiro último a Globovisión denunciou perseguição por parte do SENIAT, com funcionários se apresentando sem notificação prévia e exigindo a entrega imediata de livros e vasta informação impositiva. A Comissão de Meios de Comunicação da Assembléia Nacional declarou que “apóia todas as ações legais que as organizações sociais e políticas empreenderem contra a Globovisión”. Em 11 de fevereiro, simpatizantes do governo solicitaram à Procuradoria-geral da República que investigasse esse canal, supostamente “por ofender Chávez e distorcer informações.” Três dias depois, grupos chavistas protestaram em frente à Globovisión contra as informações que afirmam serem contrárias ao presidente Chávez, pintando grafites contra os diretores da rede de televisão. Em 16 de fevereiro a Globovisión denunciou ao Ministério Público as agressões de simpatizantes do governo contra esse meio de comunicação. Em 19 de fevereiro o Ministro das Comunicações e Informação pediu à Globovisión para “respeitar o presidente e o povo”, dizendo que o governo não tem a intenção de fechar o canal. Líderes do ativismo chavista consideram a Globovisión um “alvo da revolução” e afirmam que “cabe a cada um decidir colocar ou não uma bomba na Globovisión”. Nesse mesmo dia, 27 de fevereiro, fizeram uma vigília de protesto em frente ao canal e pintaram grafite nas paredes da sede. Dois dias depois a assembléia do partido do governo analisou as medidas contra a Globovisión e propôs revogar-lhe a concessão. Em 4 de fevereiro o Ministro do Interior e Justiça acusou os meios de comunicação venezuelanos de “colaborar com o inimigo” e de cometer crime de “traição à pátria” por informar sobre o movimento de tropas e tanques em direção à fronteira com a Colômbia, que o presidente havia ordenado publicamente pela televisão. Em 28 de novembro o Bloque de Prensa Venezolano emitiu um comunicado denunciando o grave atraso do organismo de controle de câmbio -- CADIVI - na entrega de divisas para o pagamento aos fornecedores de papel jornal no exterior. O jornal Correo del Caroní deixou de circular desde 12 de dezembro e durante três dias, porque não recebeu papel dos seus fornecedores, a empresa DIPALCA, à qual o governo não entrega oportunamente as divisas. O presidente do jornal El Regional del Zulia, Gilberto Urdaneta, informou também nessa oportunidade que o jornal só teria papel para 22 dias, por causa dos mesmos motivos. Os jornais El Impulso, Nuevo País, a revista Zeta e outras publicações informaram que seus estoques de papel estão baixos, o que coloca em risco a circulação dos meios de comunicação a curto prazo, e isso devido ao atraso do governo na concessão de divisas controladas. Os jornais venezuelanos vivem um clima de incertezas quanto ao fornecimento de papel de jornal e outros insumos para a imprensa que não são fabricados no país, já que as importações devem ser autorizadas pela agência governamental que controla a concessão de divisas. Em 11 de fevereiro o Secretário de Cultura do Estado Carabobo ameaçou com bombas os jornais El Carabobeño e Noti-Tarde, dizendo que “devem se mirar no espelho da RCTV e Globovisión” e ameaçando que “podem ter suas portas fechadas, que tenham muito cuidado com o que vão dizer amanhã”. Essa violenta advertência do governo deveu-se ao apoio dos meios de comunicação à Bienal de Arte “Arturo Michelena”, evento tradicional e organizado pelo Ateneo de Valencia. As manifestações culturais livres são consideradas pelo regime como contrárias às ações político-ideológicas do governo de Chávez. Ao final da exposição deste relatório, Marcos Hernández, presidente da ONG venezuelana “Periodistas por la Verdad’’, partidária do governo, ameaçou o Bloque de Prensa Venezolano de mover ação contra esta instituição por ter afirmado que tentariam recuperar o sinal da RCTV. E ameaçou também a assembléia da SIP e disse que se a Venezuela fosse atacada nesta reunião, “nós já sabemos o que temos de fazer”.

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