Argentina

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ARGENTINA o ainda não-conduído sumário judicial para determinar quem foram o executor e o autor intelectual do assassinato do fotógrafo José Luis Cabezas e um incontável número sem precedentes de agressões e ameaças a jornalistas feriram o pleno exercício da liberdade de imprensa na Argentina. Já se passaram quase nove meses e, apesar da ação permanente da justiça, continua sem ser esdarecido o assassinato do fotógrafo da revista Noticias, mafioso crime ocorrido em 25 de janeiro deste ano perto do balneário de Pinamar, Província de Buenos Aires, onde este semanário havia denunciado numerosos casos de corrupção policial. Depois destas denúncias, deu-se baixa a mais de urna centena de policiais. Sob o lema "Não se esqueçam de Cabezas" o país se mobilizou, foi unânime e público o pedido de que o assassinato seja esdarecido e que os responsáveis materiais e intelectuais sejam julgados e castigados. O juiz, José Luis Macchi, acumulou cerca de 20.000 páginas nas 97 partes do expediente nº 56.456. Os indícios apontam o ex-oficial da polícia da província de Buenos Aires, Gustavo Prellezo, exsegundo chefe da delegacia de Pinamar corno possível autor material, e outros quatro policiais corno participantes do crime, todos os quais estão detidos. Em 1 º de outubro o juiz dedarou a prisão preventiva de Gregorio Ríos, chefe da guarda de Alfredo Yabrán, assinalando-o corno provável instigador do assassinato. No presente, há oito pessoas detidas por ordem judicial. O magistrado ainda não formulou nenhum pronunciamento final sobre a culpabilidade. Eduardo Duhalde, governador da província de Buenos Alres, há poucas semanas reiterou que as dúvidas que subsistem sobre o crime" encaminham-se para a polícia de minha província e ao círculo de (Alfredo) Yabrán", um importante empresário, dono de urna companhia de correios. Yabrán negou qualquer conexão com o crime quando foi interrogado pelo juiz, em 23 de maio. Foi novamente interrogado em 11 de outubro corno implicado no homicídio, suspeito de suposto instigador do assassinato, sendo depois liberado. Em urna manobra política, o presidente Carlos Menem aceitou em junho a renúncia do ministro da justiça, Elías Jassan, quando foram reveladas conversas telefónicas do mesmo com o grupo do empresário questionado e que ele antes havia negado. Tudo isto aumentou a suspeita política das vinculações de Yabrán com o poder. Yabrán havia ficado irritado com urna foto dele tirada por Cabezas no verão. Continua também sem ser esdarecida a misteriosa morte, em 1993, de Mario Bonino, que trabalhava na organização sindical União de Trabalhadores de Imprensa de Buenos Aires e cujo cadáver apareceu em um rio da região urbana de Buenos Aires. Em 1993 o governo anunciou a criação de urna comissão investigadora de ataques e ameaças a jornalistas. Até o presente não existe nenhuma informação sobre a mesma. Desde março contabilizaram-se mais de trinta ataques contra jornalistas. Os episódios registrados vão desde ataques físicos até chamadas telefónicas anónimas que, em um caso, forçaram o Canal 13 a retirar em junho o repórter Antonio Fernández Llorente da cobertura diária do processo de Cabezas, pelo fato de urna sua irmã haver sido ferida e a família advertida de que se atentaria contra seus sobrinhos se o jornalista continuasse informando sobre o caso. O mesmo ocorreu com os ameaçados jornalistas Fernando Menéndez de Telefé e Verónica Jacobson do Noticias. A falta de solução do crime de Cabezas insere-se em um contexto onde a justiça tem muito baixa credibilidade no país e, em troca, a imprensa goza da confiança pública. Quanto aos fatos negativos, em abril o governador da província de Santa Cruz, Néstor Kirchner, criticou jornais desta província por informações ou comentários que reprovou. Agitadores impediram duas vezes a distribuição de 11.500 exemplares do jornai EI Tribuno de Salta e ameaçaram o fotógrafo deste meio, Benjamín Arias, que registrava o fato. O jornal La Voz deZ Interior, de Córdoba, publicou informações sobre a comercialização ilegal e o consumo de drogas em urna prisão provincial. A justiça pediu ao jornal para identificar os traficantes, ao qual seu diretor Luis Remonda, em defesa do segredo profissional, se negou. Em maio, a imprensa rejeitou urna sugestão do ministro do Interior, Carlos Corach, a favor da criação de tribunais de ética jornalística. Os meios qualificaram de "infeliz" a medida já que a justiça comum é o caminho para dirimir disputas pelas quais se considerem afetados, sem que haja necessidade de estabelecer tribunais nem que sejam especiais. O diretor do jornal Río Negro, de General Roca, Julio Rajneri, teve que apresentar-se diante da Comissão de Assuntos Constitucionais do Senado para esclarecer uma informação do meio que dizia respeito a um senador. Rajneri considerou esta convocação como "uma ameaça sutil aos meios de imprensa" já que o parlamentar aludido poderia haver pedido diretamente um esclarecimento ou recorrido à justiça. O Supremo Tribunal negou um recurso de queixa apresentado peio ex-diretor do La Prensa, Máximo Gainza, e deixou firme a sentença a oito meses de prisão em suspenso contra ele pelo delito de injúrias devido a uma nota publicada em 1986 peia qual se identificavam três pessoas como pertencentes a uma guerrilha clandestina e não descartava que seus membros pudessem lutar para tomar o poder. Em 12 de junho, o Supremo Tribunal rejeitou um recurso de um jornal da cidade de La Plata que se considerava discriminado pela distribuição publicitária da municipalidade desta cidade. U m grupo de vendedores de jornais interrompeu a venda do jornal El Ancasti em Catamarca, mas um juiz impediu este bloqueio. Uma carta bomba não ativada foi enviada ao subdiretor do La Nación e presidente da ADEPA, José Claudio Escribano, com a ameaça de que a próxima estaria armada para explodir. Poucos dias depois duas pessoas de maneira suspeita queriam saber os nomes dos membros do pessoal do La Nación que usavam um estacionamento vizinho ao jornal. A jornalista Magdalena Ruiz Guifiazú recebeu em junho ameaças telefónicas de morte e uma bala apareceu na porta de sua moradia. Em julho, Jorge Lanata, do América TV, foi golpeado por um motociclista que trabalhava para o canal oficial de televisão sobre o qual o jornalista havia denunciado irregularidades. Em 15 de julho, a sede do semanário La Opinión de la Costa, de San Bernardo, provincia de Buenos Aires, foi atacada com bombas molotov causando danos materiais. Mariano Bobryck, diretor do meio, disse ter recebido uma chamada anónima para que suspendesse a publicação. Em agosto, um grupo de 200 funcionários da empresa postal OCA realizou uma manifestação no dia 21 em frente do jornal La Nación, protestando contra uma nota deste matutino, onde se informava que uma investigação judicial estava sendo realizada por suposto transporte de narcóticos em caminhões desta companhia. Os funcionários ameaçaram colocar legendas nos envelopes que distribuíam, exortando as pessoas a não lerem o La Nación. Em setembro, um Tribunal de Anulação deixou aparentemente aberto o caminho para que a justiça dite sentença ao astro futebolístico Diego Armando Maradona pelo ataque que, com balas de um rifle de ar comprimido, realizou, em 2 de fevereiro de 1994, contra quatro jornalistas que sofreram lesões pelos projéteis. Um promotor pediu 4 anos de prisão. O presidente Menem criticou a imprensa em um programa jornalístico televisivo dizendo que "não se respeita a dignidade presidencial, porque os ataques são de uma magnitude inimagínável". Simultaneamente o partido oficial exibia pela TV propagandas mostrando a imprensa como difusora somente de notícias negativas ao governo. O ex-capitão da Marinha, Adolfo Scilingo, que revelou que aviões navais durante o governo militar haviam atirado vivos ao mar presos políticos, denunciou ter sido seqüestrado durante algumas horas, e foram gravadas em seu rosto com uma faca as iniciais MGl, que foram interpretadas como correspondentes aos conhecidos jornalistas Magdalena Ruiz Guifiazú, Mariano Grondona e Horacio Verbitsky, que o haviam entrevistado. A comunidade jornalística considerou este fato como uma ameaça para os mesmos. Em 19 de setembro, a Força Aérea recorreu ao Defensor do Povo para o que chamou "proteger a população do jornalismo catástrofe", referindo-se às quase 15 colisões de aviões em vóo sobre território argentino, sobre as quais informou a imprensa. A força, que tem responsabilidade deste tráfico, disse que a divulgação destes pormenores viola o código penal que reprime com penas de prisão aqueles que gerem comoção pública. Na Comissão de Comunicações da Câmara dos Deputados, representantes do governo aprovaram um projeto de lei limitando ou excluindo a participação de capital estrangeiro em meios jornalísticos e proibindo empresas telefónicas de operarem em televisão ou rádio. Encontra-se em estudo pelo Supremo Tribunal um recurso extraordinário apresentado por Germán Sopefia, secretário geral de redação do La Nación, por uma causa iniciada devido a informações publicadas em 1994 sobre um suposto caso de corrupção no transporte aéreo. Espera-se que o Supremo Tribunal defenda o princípio de que a imprensa livre e responsável informe sobre esta classe de episódios. No dia 4, em Mendoza, o subeditor fotográfico do jornal Los Andes, julio Delfo Rodríguez foi detido e maltratado por três policiais que o mantiveram preso durante cinco horas devido a incidentes próximo a um estádio. O jornalista foi ameaçado de "ter o mesmo destino que Cabezas". Os policiais foram castigados com prisão de até 10 dias. Nesse mesmo mês, soube-se que o Supremo Tribunal de justiça de Tierra dei Fuego proibiu juízes e promotores dessa província argentina de fornecer à imprensa informações de interesse público e nomes de futuros indivíduos a serem interrogados nos processos em andamento. Causaram grande preocupação as recentes declarações do ministro da Economia, Roque Fernández, que acusou os meios de imprensa de orquestrar "um golpe de Estado efetuado pela mídia", que tentaria ofuscar os êxitos do governo e fazer com que perdesse votos para o justicialismo nas eleições do próximo domingo. Essas acusações genéricas não levam em consideração a pluralidade e diversidade dos meios existentes no país. Trata-se, certamente, de um novo ato de intimidação para o trabalho jornalístico e de intolerância quanto à liberdade de imprensa, que garante o direito de informar e opinar livremente, sem nenhum tipo de restrição. Quanto aos fatos positivos, destacam-se os seguintes: Em março, o governador Duhalde desistiu de grande parte de suas acusações na acusação judicial contra o jornalista Hernán López Echagüe pelo seu livro "El Otro" sobre este mandatário. Em abril, não progrediram, graças a emendas da imprensa, projetos de lei apresentados durante este mês para regular o funcionamento das comissões investigadoras do Congresso que, entre outras medidas anticonstitucionais, obrigaria os meios a terem "o dever de informar sobre a veracidade de suas informações". Em junho, os jornalistas Alberto Ferrari e Marcelo Helfgot chegaram, mediante uma inédita mediação, a um acordo com a juiza Nora Gesuladi que havia acusado e ganho no Supremo Tribunal uma demanda contra ambos obrigando-os a pagar a ela 25.000 dólares por uma informação que resultou incorreta. A juiza concordou em não cobrar a multa em troca da reparação, que significou demonstrar a falta de veracidade na informação publicada na revista El Portefío. O Supremo Tribunal de justiça voltou a aplicar a doutrina da malícia expressa revogando uma decisão do Tribunal da Província de Río Negro que havia condenado julio Rajneri, do jornal Río Negro. A Câmara de Apelações no Tribunal Criminal e Correcional absolveu Francisco Loiacono, diretor da Editora Sarmiento e da revista Esto, em uma causa por calúnias por ações judiciais. Graças à queixa dos meios não progrediu um projeto para estabelecer um imposto sobre as notificações para obter fundos destinados a melhorar os salários dos professores. Eles consideraram que isto era corroer as bases genuínas do financiamento do jornalismo independente. Um tribunal oral condenou os agressores do jornalista Santiago Pinetta, em junho do ano passado, mesmo que não pudesse provar que a agressão estivesse conectada com sua atividade profissional. Em agosto, uma comissão da Câmara dos Deputados não levou adiante, depois de reclamações da imprensa, um projeto que ainda que obrigasse os funcionários públicos a apresentarem suas declarações patrimoniais, impediria os meios de publicá-Ias. Em setembro, o juiz Carlos Wowe foi condenado a sete anos de prisão por tentativa de suborno em que pedia 200.000 dólares ao jornalista Bernardo Neustadt em troca de ditar uma sentença favorável em uma denúncia por calúnias e injúrias. Encontra-se em trâmite no Senado um projeto para incorporar ao Código Penal o direito dos jornalistas de proteger suas fontes de informação, mesmo quando a justiça ordene sua divulgação, extendendo-a aos proprietários e editores. Não obstante, o trâmite levantou objeções de pelo menos um senador do partido oficial.

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