A situação da liberdade de imprensa não mudou no último período. Ainda que não exista uma censura direta, os ataques contra o jornalismo, especialmente por parte do governo, não diminuíram e pretendem não somente desprestigiá-lo, mas também gerar temor e censura.
Nos últimos meses, aos ataques físicos e verbais contra a imprensa e seus membros, somaram-se as frequentes ameaças telefônicas aos jornalistas. Muitos deles, duros críticos do governo, denunciaram que recebem mensagens em seus telefones celulares com ameaças anônimas contra eles ou seus familiares.
O presidente Evo Morales manteve inalterado seu estilo de atacar o jornalismo independente em todas as oportunidades que teve, argumentando que a imprensa é sua inimiga e que está a serviço da oligarquia, do imperialismo norte-americano e contra a mudança que propõe.
Um dos fatos de maior impacto ocorreu em 9 de dezembro passado. Em um ato público realizado no Palácio do Governo para lembrar o Dia Mundial da Luta contra a Corrupção, o presidente Morales, no meio de seu discurso transmitido ao vivo para todo o país por estações privadas e pelo canal estatal de televisão, chamou o jornalista Raphael Ramírez, do jornal La Prensa, pediu que ele se colocasse ao seu lado e o desafiou a provar a veracidade de uma manchete publicada naquele dia, a qual indicava que Evo negociou luz verde com os contrabandistas dois meses antes. O jornal se referia às declarações de um dos supostos líderes contrabandistas de mercadorias em 33 caminhões que dizem ter se reunido com o primeiro mandatário dois meses antes para obter autorização da Presidência para o transporte da mercadoria para o Brasil.
O presidente disse que o jornalismo mentia, enquanto insistia para que o jornalista, que decidiu ficar calado, provasse a veracidade da informação que era respaldada nas páginas internas do jornal com fotocópias de cartas escritas pelo suposto líder contrabandista.
No mesmo ato, Evo Morales afirmou que "como (há) duas ou três semanas, nas suas primeiras páginas, todos os jornais disseram que somos terroristas, mas depois que a direita racista e fascista tomar posse de aeroportos, bens do Estado; aí poderemos dar conta de quem são os verdadeiros terroristas. Aí estão os jornais".
Nem o Presidente nem seus colaboradores apresentaram provas dessas publicações. Deviam certamente se referir à violência desencadeada em setembro de 2008 no departamento de Pando, declarado sob estado de sítio depois do conflito armado entre opositores e governistas que deixou um saldo oficial de 13 mortos. Uma comissão da Unión de Naciones del Sur (UNASUR), em um documento com os resultados de suas investigações sobre o que qualificou como massacre, disse que foi comprovada a morte de 20 pessoas. Entretanto, sete dos considerados como mortos apareceram vivos.
Quase todas as organizações jornalísticas protestaram contra o escárnio público do jornalista Ramírez. Realizaram manifestações e marchas em todo o país, e os repórteres credenciados pelo Palácio do Governo colocaram seus microfones, câmaras filmadoras e fotográficas, gravadores e blocos na calçada principal da casa presidencial, em um gesto de incomum condenação à atitude do mandatário.
Este fato fez com que o presidente Morales anunciasse também um virtual rompimento com os jornalistas, os quais, meses antes, representantes do governo quiseram colocar contra os donos dos meios, dizendo que os responsáveis pelas informações contra ele eram os proprietários e não os que foram qualificados como trabalhadores da imprensa.
O presidente tomou a decisão, em 11 de dezembro, de não convocar os jornalistas de meios privados para suas coletivas, depois de afirmar que somente 10% dos jornalistas são dignos. Desde então, convoca somente jornalistas de meios estatais e correspondentes da imprensa estrangeira. Os meios independentes pegam as informações destas conferências com as agências internacionais ou com a Agencia Boliviana de Información (ABI).
Outro ataque à imprensa que teve destaque internacional ocorreu em 24 de janeiro de 2009. O presidente Morales, em uma coletiva para meios estrangeiros e nacionais, atribuiu à cadeia de televisão norte-americana CNN sua vinculação ao narcotráfico e ao terrorismo em um programa em que, segundo ele, mostrou sua imagem junto à do presidente do Irã. A correspondente da CNN na Bolívia, Gloria Carrasco, na mesma coletiva, respondeu que a CNN havia mandado uma carta pedindo que ele dissesse em que data isso havia ocorrido. Morales afirmou que tinha visto o programa e que dizia a verdade, ao que a correspondente da CNN respondeu: eu também.
O escárnio a Raphael Ramírez foi uma das 46 agressões verbais ou físicas aos jornalistas, registradas desde outubro de 2008 pela Red de Vigilancia y Monitoreo sobre a liberdade de expressão, subordinada à ANP.
Três delas foram contra meios de comunicação do governo e as outras 42 contra meios privados. Estes ataques foram feitos com pedradas, pancadas e estalidos de artefatos explosivos, sem que se registrassem vítimas fatais.
A campanha de desprestígio usada pelo governo contra os meios de comunicação, no sentido em que a imprensa mente e não se deve acreditar nela, não corresponde com os resultados das empresas de pesquisas Mori e Captura Consulting. A primeira indicou que a credibilidade da imprensa no país, em janeiro, encontrava-se no segundo lugar. A Mori disse que a pesquisa foi realizada em nove capitais de departamentos da Bolívia. A Captura Consulting assinalou que a credibilidade da imprensa estava em terceiro lugar, depois da Igreja Católica e do empresariado nacional, segundo uma pesquisa nas quatro principais cidades do país. Até setembro de 2007, a credibilidade da imprensa tinha passado para o nono ou décimo lugar.
Morales anunciou que para se defender da imprensa direitista, seu governo criará três jornais.
Em 22 de janeiro de 2009 começou a circular o jornal Cambio, elaborado por jornalistas que trabalham na Dirección de Comunicación Social. Morales disse que será um jornal de verdade. Trata-se de mais um instrumento político do governo e soma-se aos meios governamentais sustentados com recursos do Tesouro Geral da Nação, como são a rede da Empresa Nacional de Televisión (ENTV), com mais de 120 repetidoras em todo o país, a rede nacional de rádio Patria Nueva, com 30 emissoras distribuídas em todo o país e a Agencia Boliviana de Información (ABI) que entrega serviços gratuitos pela Internet a todos os meios de comunicação estatais e privados do país.
Estes meios que são estatais e que se encontram a serviço exclusivo do governo foram os principais instrumentos das campanhas partidárias em favor dele próprio, antes do referendo que em 25 de janeiro de 2009 aprovou a nova Constituição Política do Estado (CPE) por pouco mais de 62%.
O governo conta com o apoio incondicional da Federación Sindical de Trabajadores de la Prensa de La Paz (FSTPLP), uma das maiores organizações deste sindicato, que acusou o presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa da SIP, Robert Rivard, de ter ameaçado, durante um seminário na cidade de Santa Cruz, de levar tropas à Bolívia no caso de se repetirem agressões contra jornalistas.
Rivard foi um dos expositores em um seminário organizado pela ANP sobre a liberdade de expressão, em 6 de dezembro em Santa Cruz, onde foram conhecidos os testemunhos de meia dúzia de jornalistas agredidos por grupos governistas e opositores. Entre eles encontrava-se a jornalista Claudia Méndez que foi ferida a bala no pé direito durante a ocupação do aeroporto de Cobija, capital de Pando, em 13 de setembro de 2008.
A justiça boliviana, sobre a qual o Poder Executivo exerce muita influência, tomou medidas brandas contra chefes dos ataques a jornalistas por parte de movimentos sociais partidários do governo.
Um policial, David Leytón Alborta, que vestido como civil agrediu um cinegrafista de televisão em Santa Cruz, em 19 de agosto de 2008, foi detido preventivamente em 24 de outubro, porém foi liberado pouco depois com medidas substitutas a sua detenção.
Uma juíza ordenou em La Paz, em 21 de janeiro, a detenção de Adolfo Cerrudo, um partidário do governo que, em reiteradas ocasiões, dirigiu grupos de choque para atacar jornalistas e meios e que ameaçou violar uma jornalista de um jornal local.
Outro juiz ordenou que o dirigente cívico popular, Edgar Mora, se abstivesse de perseguir jornalistas.
Mora dirigiu os grupos de choque contra os jornalistas que se dirigiam a uma prisão de La Paz onde se encontra preso o prefeito (governador) do departamento de Pando, Leopoldo Fernández, desde setembro de 2008. O grupo do comitê cívico popular instalou-se desde então em frente da porta da prisão para evitar que Fernández e outros correligionários detidos também em Pando, fujam ou sejam liberados. Este grupo agrediu a empurrões e fez ameaças contra os jornalistas que estavam no local.
A Associação Nacional da Imprensa (ANP) recebeu a adesão de numerosas associações nacionais e internacionais em seu processo de anulação da cláusula II do Artigo 108 do projeto da nova Constituição Política do Estado (CPE), por considerá-la um atentado contra a liberdade de imprensa e expressão e a democracia, já que condicionava toda a informação e opinião a ser difundida por meios de comunicação, a manter os princípios de veracidade e responsabilidade.
Um acordo parlamentar determinou que ainda que fossem mantidas no projeto as condições de veracidade e responsabilidade, estes princípios serão exercidos mediante as normas de ética e de autorregulamentação das organizações de jornalistas e meios de comunicação e sua lei, ficando de fora o critério de qualquer autoridade governamental que arbitrariamente poderia decidir o que é ou não veraz ou responsável em uma opinião ou informação.
Em 3 de março, Pedro Pérez, chefe de redação e apresentador de notícias do canal 15 RTV da cidade de Montero, ao leste do país, denunciou ameaças anônimas contra ele vindas das pessoas que, em 9 de fevereiro, o agrediram e seu cinegrafista, Erick Balcázar, quando cobriam uma retomada de terrenos nas cercanias de Montero. Ambos foram golpeados com paus por uma dezena de pessoas. Pérez, que submeteu uma denúncia perante a polícia, sofreu uma fratura no pé. No mesmo incidente também foram agredidos o jornalista William Wasase e o cinegrafista Mariano Delgado, da estação Ángel TV.
Madrid, Espanha