Uruguai

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A inclinação do governo presidido por Tabaré Vázquez para insultar, acusar, pressionar e perseguir meios e jornalistas independentes ou críticos das mais variadas formas manteve-se e, em alguns casos, se intensificou no último semestre. Ministros, senadores e meios de comunicação simpatizantes do presidente Vázquez usaram termos como “vermes”, “nocivos”, “baixos”, “infames”, “difamadores”, “inventores de notícias”, “evasivos”, “mentirosos sem escrúpulos”, “palhaços” e “filhos da puta”. Um dos casos mais mencionados envolveu a própria Presidência da República. O subdiretor de Comunicação Institucional da Presidência, Gustavo Antúnez, abordou diretamente o chefe de redação da rádio El Espectador, Martín Pintos, quando este fazia uma reportagem sobre um discurso pronunciado pelo presidente Vásquez em 7 de março. Pintos recebeu uma mensagem de texto vinda do telefone celular de Antúzez enquanto anunciava que depois do discurso do presidente colocaria no ar opiniões da oposição. O subdiretor Antúnez escreveu: “Por que vai esclarecer? Tem medo de apresentar um presidente de verdade, verme”. Depois de divulgada a denúncia de Pintos, Antúnez admitiu que havia enviado a mensagem ao jornalista, mas tentou diminuir o impacto do ataque dizendo que era uma perda de tempo aludir ao caso que ele julgou como “estritamente pessoal”. Curiosamente, durante o discurso mencionado por Pintos na rádio, o presidente Vázquez anunciou que seu governo seria “implacável com aqueles que não queiram respeitar o direito de todos os cidadãos a se expressarem livremente, com respeito e com tolerância”. Porém, até o momento, o presidente Vázquez não tomou nenhuma medida sobre a conduta do funcionário, inclusive depois de ele ter admitido que tinha enviado a mensagem. Uma denúncia semelhante foi divulgada em 12 de março pelo semanário Voces del Frente, de esquerda mas independente. Em um editorial chamado “No se aceptan llamadas”, o jornal recordou que o presidente Vázquez disse há alguns anos que em seu governo não haveria “mais chamadinhas” para pressionar os jornalistas, mas informou que “nas últimas semanas” recebeu pelo menos quatro chamadas com queixas por informações publicadas e para averiguar as fontes informativas. “Não liguem mais, não disquem o telefone. Não percam seu tempo, nem o de vocês nem o nosso. Mantenhamos a coerência de respeitar aquele que critica ou pensa diferente”, exigiu o semanário. O uso da publicidade estatal para premiar os meios mais simpatizantes ao governo consolidou-se também em prejuízo da imprensa independente ou crítica, gerando condições de concorrência desiguais e injustas. O presidente da Associação Nacional de Broadcasters do Uruguai (Andebu), Rafael Inchausti, exigiu “regras claras” e “critérios de eficiência, transparência e igualdade” na distribuição da publicidade oficial porque “nem sempre é feita da forma “mais adequada”. E um relatório preparado por quatro ONGs, entre elas a argentina Associação pelos Direitos Civis (ADC), detectou “uma discriminação positiva com relação aos meios considerados afins ao governo”, especialmente três: o jornal La República, a revista Caras y Caretas e a rádio “AM Libre”, todos autodefinidos como governistas. A diretora da Radio Centenario, Sandra Barón, de orientação esquerdista, mas crítica da gestão de Tabaré Vázquez, acusou o governo de querer “matar” a emissora aplicando critérios “absolutamente fascistas” na concessão da publicidade oficial. Barón também denunciou a perseguição de agentes estatais, com inspeções para “controlar” se fumam nos estúdios da rádio, cortes de luz da empresa estatal de eletricidade UTE e interrupções nos serviços telefônicos pela estatal Antel. “Há governos que continuam pensando que o poder de designar publicidade é um poder discricionário e que realmente eles não têm que conceder publicidade aos críticos porque não ajudam as políticas do governo. Este é um erro e uma forma de censura”, disse a relatora especial para a Liberdade de Expressão da OEA, Catalina Botero, durante uma visita ao Uruguai, em novembro. A “censura prévia” voltou a se instalar no debate público pela primeira vez desde o final da ditadura militar (1973-1985), por decisões do Poder Executivo e do Poder Judiciário. Em outubro, Inchausti, o presidente da Andebu, denunciou que um decreto governamental que mudou a forma de distribuição das frequências de rádio e televisão “estabelece que um determinado tipo de conteúdo” que seja proposto pelos interessados “será avaliado melhor que outros” pelo governo e que isso implica em um tipo de “censura prévia”, a qual está proibida na Constituição. Neste mesmo mês, um tribunal de recursos civil admitiu a possibilidade de que a “censura prévia” possa ser aplicada sobre os conteúdos dos meios de comunicação se os juízes considerarem que as informações estão a ponto de serem difundidas possam prejudicar a saúde das pessoas. A relatora Botero criticou esta sentença, falando de “censura judicial”. Por sua vez, o chefe das Defensorias Públicas do Estado, Juan Jacobo, exigiu a proibição por meio de organismos estatais de programas de televisão que, segundo ele, são “de mau gosto”, “grosseiros”, “descarados”, “com espantalhos toscos” e com propensão a empregar “um vocabulário atrevido”. O Parlamento aprovou uma lei de acesso à informação pública que significou um avanço com relação ao vazio legal existente sobre esse tema, ainda que tenha mantido severas restrições para que este direito seja exercido. Além disso, o Senado aprovou um projeto de lei que despenaliza os crimes de “difamação” e “injúria”, elimina a figura de “atentado contra honra de um chefe de Estado estrangeiro”, introduz o conceito de “real malícia” para julgar os meios e/ou jornalistas e modifica levemente a legislação sobre os crimes de “desacato” e o chamado “direito de resposta”. O projeto, ainda não aprovado pela Câmara de Deputados, imputa, entretanto, certas disposições contrárias à jurisprudência interamericana em assuntos de liberdade de expressão: o “dolo real” (real malícia) deve ser experimentada pelos jornalistas e não pelos acusadores, o “desacato” contra funcionários públicos é mantido com demasiada amplitude e o “direito de resposta” continua deixando a critério dos juízes a intromissão do Estado nos conteúdos da imprensa. Cronologia dos temas mais importantes: Em 2 de outubro, a Associação Nacional de Broadcasters do Uruguai criticou um decreto que modificou o mecanismo de concessão de frequências, a proibição de transmitir anúncios de produtos derivados do tabaco nos meios de comunicação e um projeto de lei que obrigaria os canais de televisão abertos e pagos a ceder espaços gratuitos aos partidos políticos durante a campanha eleitoral. Em 8 de outubro, o Poder Legislativo aprovou o projeto de lei de “acesso à informação pública”. A lei estabelece exceções como a classificação de informação “secreta” ou de “caráter reservado”, quando afeta a “segurança pública” ou a “dignidade humana”. A jornalista Ana María Mizrahi é processada civilmente por Celeste Álvarez, sobrinha do ex­ditador Gregorio Álvarez, pelos crimes de difamação e injúria. Celeste Álvarez exigiu da apresentadora do programa da televisão estatal “La noticia y su contexto” uma indenização de 40.000 dólares por declarações que um ex­guerrilheiro tupamaro tinha feito em 9 de maio de 2007 durante uma entrevista a essa emissora. Em 20 de outubro, o “Relatório sobre censura indireta no Uruguai”, estudo do período 2005-2007 desenvolvido por ONGs, detectou que o estado tem uma grande “disparidade de critérios” para a distribuição da publicidade oficial. O documento conclui que “pode intuir-se uma discriminação positiva com relação aos meios considerados afins ao governo”, e em específico, uma “tendência sutil” a favor do jornal governista La República e da rádio, também governista, AM Libre. Os jornais El Observador, La República e Últimas Noticias, nesta ordem, “receberam publicidade similar abaixo do líder El País”, adverte o relatório. Acrescenta que quanto às revistas semanais a diferença entre líderes do mercado e aquelas que têm vendas marginais ou menores é flagrante. Assim, a governista Caras y Caretas recebe quase as mesmas verbas publicitárias que a Brecha (independente, de esquerda e às vezes crítica ao governo), o que duplica as vendas da primeira. Além disso, a Caras y Caretas fica abaixo apenas da Búsqueda (independente), que vende entre quatro e seis vezes mais. Com relação a rádios, a governista AM Libre recebeu mais de 17% do total da publicidade oficial, quando sua cobertura chega a 4,3 pontos de audiência. Em troca, a Radio Montecarlo, líder indiscutível em audiência (18,1 pontos de cobertura), recebeu somente 10,2% da publicidade oficial. Em 28 de outubro, um Tribunal de Recursos Civil considerou possível em uma sentença que se aplique a “censura prévia” se as informações a ponto de serem difundidas puderem gerar danos à saúde das pessoas. A decisão dos ministros Luis María Simón, Alicia Castro e Sandra Presa negou um pedido de amparo apresentado por uma família para que a emissora privada Saeta TV Canal 10 não emitisse um capítulo de seu programa “Víctimas y Victimarios”, em que iam apresentar de forma teatralizada assassinatos cometidos por um indivíduo esquizofrênico e “impassível de responsabilização”. Como o canal decidiu voluntariamente não emitir esse capítulo, o tribunal judicial recusou o pedido de amparo. Mas advertiu que, se tivesse ordenado ao canal abster-se de difundir essas imagens, não estaria exercendo a “censura prévia”. O tribunal disse que “o direito de informar, sendo um direito fundamental, não é irrestrito e por isso é suscetível de gerar responsabilide no caso de lesar outros diretos fundamentais; em específico, a dignidade ou a saúde de outras pessoas”. Em 3 de novembro, o presidente Tabaré Vázquez começou a autorizar a transferência a testas-de-ferro do empresário mexicano Angel González de 100% das ações de mais de uma dezena de rádios uruguaias em cinco dos 19 departamentos do país. González, que possui cadeias de rádio e televisão em outros países, passa a ser proprietário no Uruguai das rádios Sarandí 690, Sport 890, Disney 91.9, Radio Integración Americana, Futura 91.1 e Emisora del Plata 95.5 (Montevidéu), FM Total 102.9 e Santa Rosa 90.5 (Canelones), Radio Real 1590 (Colonia), Cenit 100.3 (Rivera) e La Pedrera FM (Rocha). Em março, a ONG uruguaia “Grupo Medios y Sociedad” (GMS) denunciou em um comunicado “a maciça compra de emissoras do empresário estrangeiro Angel González, por meio de testas-de-ferro, violando a legislação de radiodifusão” e exigiu “medidas urgentes” da Unidad Reguladora de Servicios de Comunicación (Ursec). O diretor da Ursec, Jaime Igorra, respondeu à acusação afirmando que não há nada ilegal na concessão de tais ondas. Em 4 de novembro, a bancada de senadores do governista Frente Amplio apresentou um projeto de lei sobre publicidade eleitoral que obrigaria as emissoras de televisão a ceder minutos grátis de propaganda política entre as 17 e as 23 horas. Em 10 de novembro, o governista Partido Socialista chamou a atenção do diretor do jornal governista La República por um artigo sobre discussões internas assinado pelo jornalista Marcel Lhermitte, que acusou de “inconsistente” e “desagradável”. O diretor do jornal, Federico Fasano, manifestou “total acordo” com o partido, pediu desculpas e anunciou ter perdido “confiança ética, moral e profissional” no jornalista. Lhermitte demitiu-se do La República. Em 16 de novembro, o Senado aprovou por unanimidade um projeto de lei que modifica a legislação sobre “crimes de comunicação”. O projeto eliminou os crimes de “difamação” e “injúria” para a difusão de “qualquer tipo de manifestação sobre assuntos de interesse público, dirigida tanto a funcionários públicos como a pessoas que por sua profissão e ofício, tenham uma exposição social de relevância, ou a toda pessoa que tenha se envolvido voluntariamente em assuntos públicos”. Também contempla aqueles que “reproduzam qualquer classe de manifestação sobre assuntos de interesse público, quando o autor das mesmas se encontre identificado”, além daqueles que realizem ou difundam “qualquer classe de manifestação humorística ou artística, sempre que se refira a alguma das hipóteses precedentes”. O projeto adverte que essa isenção de responsabilidade “não procederá quando ficar provada a real malícia do autor em ofender as pessoas ou vulnerar sua vida privada”. O texto também elimina do Código Penal a figura do “atentado contra a honra de um chefe de Estado estrangeiro”. Modifica também a legislação sobre o crime de “desacato” indicando que este ocorre quando o ator menospreza “a autoridade dos funcionários públicos” de duas maneiras: por meio de “ofensas reais feitas na presença do funcionário ou no local em que este exerça suas funções”, ou por meio da “desobediência aberta ao mandato legítimo de um funcionário público”. Nesses casos, o crime é castigado com três a 18 meses de prisão. Não obstante, estabelece que “ninguém será castigado por manifestar sua discrepância com o mandato da autoridade”. A proposta legal também inclui leves mudanças com relação ao chamado “direito de resposta”. “Em qualquer etapa do procedimento, a causa será encerrada de imediato se o responsável pelo meio de comunicação acreditar ter publicado ou emitido a resposta exigida, com semelhante destaque da informação que a provocou”, diz. A Câmara de Deputados ainda não aprovou o projeto. Em 19 de novembro, o jornalista Alexis Cadimar, da emissora FM Gente de Maldonado (170 km a leste de Montevidéu) denunciou à polícia insultos e ameaças contra sua integridade física por parte de um empresário imobiliário estrangeiro com grandes interesses na cidade balneária de Punta del Este. Em 28 de novembro, um Tribunal de Recursos Penal revogou uma sentença de primeira instância e condenou o jornalista Luis Alberto Giovanoni a cinco meses de prisão preventiva pelo crime de “injúria especialmente agravada”. O caso teve origem quando o repórter —diretor da Radio Arapey e colunista do jornal El Pueblo de Salto (496 km a noroeste de Montevidéu)— criticou duramente o chefe de uma operação policial em uma partida de futebol na qual ele e seu filho tinham sido detidos. O tribunal sustentou que a conduta do repórter esteve “em desacordo com o mais elementar da ética” do jornalismo, porque —disse— este se valeu de sua possibilidade de acesso a um meio de comunicação para “canalizar problemas pessoais”. Em 11 de janeiro, o filho da jornalista Marlene Vaz, processada em 2008 pelo crime de “difamação” depois de denunciar supostos casos de corrupção na polícia de Río Branco (426 km a noreste de Montevidéu), morreu porque alguém da polícia “deu a ordem” de não lhe prestar “assistência” quando sofria uma parada cardíaca, como represália por seu trabalho jornalístico, denunciou a repórter. Vaz disse que há anos é vítima de uma “perseguição” por parte de um grupo de policiais, porque em 2006 informou em seu semanário Opción Cero sobre um roubo no interior da 3ª seccional da polícia de Cerro Largo (departamento onde fica a cidade de Río Branco), de mercadoria que tinha sido confiscada previamente por ter ingressado no Uruguai como contrabando. Em 11 de fevereiro, a ministra do Interior, Daisy Tourné, atacou os jornais El Observador, El País e Últimas Noticias pelas discussões internas no Frente Amplio sobre a segurança pública com a luta interna pela definição das candidaturas presidenciais. Em 15 de fevereiro, o Poder Executivo decidiu reservar a exploração do sistema triple play , que leva a televisão, telefonia e Internet para a telefônica estatal Antel e às operadoras nacionais de televisão paga. O governo excluiu as empresas privadas estrangeiras e todas as de outros rótulos das telecomunicações. Entre as excluídas, encontra-se a mexicana Telmex, para a qual o próprio governo já tinha concedido uma licença para operação de televisão por satélite. Em 27 de fevereiro, o senador tupamaro Eleuterio Fernández Huidobro, do governista Frente Amplio, questionou a imprensa, em específico o semanário Búsqueda, e exige que ele difunda as fontes em que baseia suas informações. Fernández Huidobro disse que os jornalistas do Búsqueda não difundem notícias mas “chutes” e os chamou de “palhaços”. O juiz civil Alejandro Recarey recusou uma ação contra a Saeta TV Canal 10 do múltiplo homicida Pablo Gonçálvez, que cumpre uma condenação por ter violado e assassinado três mulheres no início da década de 90. Em agosto de 2007, o programa “La culpa es nuestra” do Canal 10, emitiu uma caricatura que sugeria um possível encontro sexual entre Gonçalvez e outros presos. O juiz determinou que a liberdade de expressão, e em específico a vinculada com o gênero da paródia, “prevalece” sobre o direito à honra que possa ser argumentado por uma pessoa que se considere afetada moralmente. Em 5 de março, o senador tupamaro Eleuterio Fernández Huidobro, do governista Frente Amplio, insultou publicamente o semanário Búsqueda, depois que este publicou afirmações feitas em um tribunal penal pelo ex­ditador Gregorio Alvarez. Fernández Huidobro disse que o simples fato de informar sobre o que o ex­ditador tinha declarado no tribunal pressupõe que o Búsqueda trabalha “para a ditadura”.

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