O Poder Judiciário em especial o Supremo Tribunal Federal - esteve no centro dos acontecimentos relativos à Liberdade de Imprensa, com a revogação da Lei de Imprensa e a declaração de inconstitucionalidade da exigência de diploma de curso superior em jornalismo como condição para o exercício da profissão.
Em decisão tomada em 30 de abril, o Supremo Tribunal Federal considerou a Lei de Imprensa (Lei Nº 5.250, de 1967) não recepcionada pela Constituição de 1988, o que, na prática, significou a sua revogação. Essa revogação, defendida pela Associação Nacional de Jornais (ANJ) desde sua criação, em 1979, ainda apresenta um aspecto preocupante, pois deixou a imprensa brasileira vulnerável diante da falta de parâmetros para a fixação, pelo Judiciário (em particular nas instâncias inferiores), das condições do exercício do direito de resposta demandado por cidadãos ou pessoas jurídicas que se considerem prejudicadas por matérias eventualmente desfavoráveis ou que contenham erros factuais.
A maior preocupação é com a ampliação do poder discricionário dos magistrados, especialmente os de 1ª. instância, no julgamento de ações de reparação de dano moral. No caso mais grave, em 28 de março a ANJ emitiu nota oficial em apoio ao Jornal O Estado de Minas, que, após publicar uma série de reportagens sobre irregularidades na Universidade Federal de Minas Gerais, foi condenado, em primeira instância, a conceder resposta substancialmente desproporcional ao espaço ocupado pelas matérias que deram origem à ação judicial. A medida foi posteriormente revista pelo Judiciário em instância superior.
Em decisão de 17 de junho, o Supremo Tribunal Federal , por 8 votos a 1, declarou inaplicável a exigência de diploma de curso superior em jornalismo como condição para o exercício da profissão, prevista no Decreto-Lei 972, de 1969.
No momento, no Congresso Nacional tramitavam quatro Propostas de Emenda Constitucional (três na Câmara dos Deputados e uma no Senado Federal), reintroduzindo a exigência de diploma, agora como dispositivo da Constituição.
A situação da Liberdade de Expressão no Congresso Nacional é motivo de preocupação pois, além das mencionadas propostas de emendas constitucionais reintroduzindo a exigência de diploma, lá atualmente tramitam 349 projetos (Câmara: 40 + 277 apensados) (Senado: 16 + 16 apensados), dos quais em sua maioria, afetam a independência dos meios de comunicação ao restringir a publicidade.
No período agravou-se uma tendência observada ao longo dos últimos anos, no Brasil, em relação às violações da Liberdade de Imprensa: um aumento substancial dos casos de censura prévia aplicada a meios de comunicação por ordem judicial. Foram 6 (seis) casos nos quais jornais e veículos a eles associados (internet, rádios, TVs, agências de notícias e seus assinantes) foram proibidos por juízes de primeira instância de divulgarem quaisquer informações sobre temas específicos.
Um caso dos crescentes e sucessivos episódios de censura prévia por determinação judicial por sua duração e pela inconsistência jurídica das decisões tomadas, é o da proibição, ao grupo O Estado de S. Paulo, de publicar informações obtidas a partir de uma investigação da Polícia Federal sobre supostos atos ilícitos praticados pelo empresário Fernando Sarney, filho do ex-Presidente da República e atual Presidente do Senado Federal, senador José Sarney.
A censura foi estabelecida em 31 de julho, por liminar concedida pelo o desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF). Imediatamente foi comprovado que Dácio Vieira é ex-consultor do Senado, e amigo da família Sarney e do ex-diretor do Senado , Agaciel Maia, razões que determinaram recurso judicial do jornal pedindo que o desembargador se declarasse impedido de atuar no processo. O pedido (exceção de suspeição) foi protocolado no próprio Tribunal e, apesar das evidências de conflito de interesses no caso, o desembargador Vieira se declarou competente para julgar o processo e fez comentários críticos ao jornal. O Grupo O Estado de S.Paulo ingressou com novo pedido de suspeição do desembargador e, em 15 de setembro, o TJ-DF tomou decisão contraditória ao declarar Vieira suspeito para decidir sobre o pedido de censura e indicou para o seu lugar como relator, o desembargador Lecir Manoel da Luz. Apesar disso, a decisão original, que estabelecia a censura prévia, foi mantida. Em 30 de setembro, em nova decisão contraditória, O TJ-DF se auto-declarou incompetente para julgar o caso, remetendo-o à Justiça Federal no Estado do Maranhão, ao mesmo tempo em que mantinha a liminar do desembargador Vieira estabelecendo a censura que se prolonga por mais de três meses, o que é sem dúvida um vexame para a democracia brasileira.
Com o apoio do governo federal, intensificaram-se os preparativos para a realização de uma Conferência Nacional de Comunicação cuja pauta preliminar incluía a defesa de uma série de medidas regulando os meios de comunicação que supunham graves cerceamentos à liberdade de expressão. As entidades da imprensa apresentaram uma série de premissas todas previstas na Constituição que seriam as condições necessárias a que os meios de comunicação participassem da referida Conferência. Os meios de comunicação queriam o respeito à livre iniciativa, a garantia da liberdade de expressão, do direito à informação e o respeito ao princípio da legalidade (serem todos contra condutas lesivas a direitos autorais).
As demais partes envolvidas na organização do evento, Governo e entidades representativas dos meios sociais, trabalhavam sob outras premissas. Queriam o controle social dos meios e a revisão do marco regulatório das comunicações brasileiras o que tem sido uma senha, na América Latina, para cancelar concessões de radiodifusão antes concedidas a meios de comunicação da imprensa livre.
Como as garantias pedidas pelas principais entidades da mídia Abert, ANJ e Aner não puderam ser atendidas, estas se retiraram da organização da Conferência.
Prosseguem os ataques às atividade jornalística, em particular os proferidos pelo presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva. Foi o que ocorreu durante sua viagem ao Cazaquistão, em 16/06/2009, quando criticou, o que chamou de denuncismo da imprensa em relação às evidências de irregularidades no Senado Federal envolvendo seu presidente , José Sarney. Em pronunciamento, Sarney havia acusado o Jornal O Estado de S.Paulo de estar empenhado numa campanha sistemática contra mim, uma sistemática nazista. Segundo Lula, o senador é uma pessoa séria e tem "história suficiente" para não ser tratado como "uma pessoa comum" pela imprensa.
Em 13 de maio de 2009, o Presidente da República assinou a mensagem ao Congresso Nacional relativa ao Projeto de Lei de Acesso à Informações Públicas. A iniciativa atende a uma reivindicação de diversas entidades, mas o efetivo acesso dos cidadãos e da imprensa às informações públicas ainda depende da sua aprovação no Congresso Nacional e, depois disso, da criação de mecanismos que garantam o seu cumprimento, sobretudo nos níveis municipal e estadual.
Síntese dos incidentes sobre Liberdade de Expressão no Brasil:
20 de março O Juiz de Direito da 16ª Vara Cível da Comarca de Fortaleza, decide proibir o jornal O Povo de divulgar, por qualquer meio, matéria sobre processo que corre na Justiça Federal sobre o jogo do bicho no Ceará. Na liminar concedida, o jornal foi proibido de noticiar os fatos e a decisão do juiz da 11ª Vara Federal que tornou indisponíveis os bens pessoais de João Carlos Mendonça, denunciado pelo Ministério Público Federal em ação penal derivada da Operação Arca de Noé, realizada pela Polícia Federal no ano passado.
15 de abril - 4ª Câmara Cível Isolada do Tribunal de Justiça do Estado, acolheu voto da desembargadora Eliana Abufaiad, determinando que os jornais Diário do Pará, O Liberal e "Amazônia" devem evitar a publicação de fotos/imagens de pessoas vítimas de acidentes e/ou mortes brutais que impliquem em ofensa à dignidade humana e ao respeito aos mortos. A decisão acatou agravo de instrumento, interposto pelo Estado do Pará, Movimento República de Emaús (CEDECA) e Sociedade de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), contra as empresas que editam aqueles jornais. O descumprimento da medida redundará em multa diária no valor de 5 mil reais.
15 de abril - O repórter fotográfico Nelson Batista foi preso na cidade mineira de Betim. O profissional recebeu voz de prisão de um agente da Polícia Civil de Minas Gerais, quando estava dentro do prédio do Instituto de Medicina Legal (IML) da cidade. O reporter estava investigando denúncia recebida pelo jornal O Tempo Betim de que, no local, havia sete corpos em avançado estado de decomposição. A Polícia Civil alegou que ele cometeu crime de invasão a prédio público.
18 de abril Integrantes do Movimento dos Sem-Terra (MST) do Pará mantiveram quatro jornalistas como reféns e os usaram como escudos humanos no enfrentamento com seguranças da Fazenda Castanhais, em Xinguara. Além disso, os integrantes do MST atentaram contra o livre exercício do jornalismo, aterrorizando profissionais que cobriam o evento com objetivo de informar à sociedade. Ninguém saiu fisicamente ferido.
2 de maio O repórter fotográfico Pedro Dantas, de O Estado de S.Paulo, acompanhava a comitiva do Comitê Olímpico Internacional (COI) que fazia uma das etapas finais da vistoria ao Rio de Janeiro, com vistas à escolha da sede das olimpíadas de 2016. Apesar de ter se identificado como profissional de imprensa, o repórter fotográfico foi impedido de acompanhar a comitiva, empurrado para um banheiro, teve seu braço torcido e o rosto mantido junto ao azulejo, além de ameaçado caso o incidente fosse publicado.
29 de junho O juiz Antônio José Madalena, da 2ª Vara de Justiça da comarca local condenou o jornal DEBATE a pagar R$ 593.203,82 de indenização. O valor da se refere a uma ação ajuizada em 1995, depois que o jornal denunciou uma série de irregularidades praticadas pelo então prefeito Manoel Carlos Manezinho Pereira. Citado como beneficiário por algumas das irregularidades, o referido juiz tem movido, de acordo com o jornalista, uma perseguição implacável, chegando a determinar medidas que ultrapassam os textos legais e ferem dispositivos constitucionais relativos, inclusive, os direitos humanos, como sua ordem para que o acusado fosse detido em local sem as mínimas condições.
16 de julho - O juiz João Paulo Capanema de Souza, do 24º Juizado Especial Cível do Rio de Janeiro, determinou que o colunista José Simão, da Folha, se abstenha de fazer referências à atriz Juliana Paes, confundindo-a com a personagem "Maya", da novela "Caminho das Índias", da Rede Globo, sob pena de multa de R$ 10 mil por nota veiculada nos meios de comunicação. No dia 15 de setembro, o O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro cassou a antecipação de tutela concedida pelo juiz.
30 de julho O jornal A Tarde, de Salvador, Bahia, foi proibido pelo juiz Márcio Braga, da 31ª Vara Cível de Salvador, de publicar reportagens sobre o desembargador Rubem Peregrino Cunha, investigado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por suspeita de venda de sentenças. A liminar foi concedida com base no artigo 54 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, que estabelece sigilo sobre sindicâncias contra magistrados. Em 23 de sentembro, a desembargadora Rosita Falcão de Almeida Maia, do Tribunal de Justiça da Bahia, suspendeu liminar, argumentando que o artigo 220 da Constituição, estabelece que "nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística".
25 de agosto - Os repórteres Paula Litaiff e Arlesson Sicsú, do Diário do Amazonas, que cobriam a convenção da coligação Unidos por Coari, realizada no ginásio municipal da cidade amazonense de Coari, no dia 23/8 foram agredidos e ameaçados de morte por pessoas ligadas a dois ex-prefeitos da cidade, entre os quais Rodrigo Alves (PP), cassado pela Justiça Eleitoral em junho deste ano, e Adail Pinheiro, indiciado na operação Vorax da Polícia Federal, no ano passado, em pelo menos 17 crimes, entre eles o desvio de mais de R$ 37 milhões e prostituição infanto-juvenil. Em face das agressões, insultos e ameaças, os profissionais não contaram sequer com a proteção da Guarda Metropolitana que, segundo o chefe da Casa Civil de Coari, Daniel Maciel, não poderia fazer nada contra a vontade do povo.
28 de setembro - O jornalista Rafael Dias, do Diário de Pernambuco, foi agredido em represália por sua reportagem sobre as circunstâncias da morte do vereador Luiz Vidal. Dias foi procurado no dia 28 à noite por dois filhos do vereador falecido nas instalações do Jornal e esmurrado covardemente por um deles sem qualquer discussão ou possibilidade de reação.
5 de outubro - O jornalista Wellington Raulino, proprietário da TV Integração, de Benedito Leite (Maranhão), foi agredido por quatro homens, quando voltava da cidade de Uruçui (PI). O jornalista teve um corte em sua mão esquerda e suspeita de lesões internas. Os agressores usaram pedaços de pau e tinham facas. Um deles chegou a sacar uma pistola, mas foi dissuadido de atirar. Segundo o jornalista, testemunhas, reagiram contra a tentativa de homicídio.
8 de outubro - Uma equipe de reportagem do jornal O Tempo, de Belo Horizonte, foi detida e revistada por agentes da Polícia Legislativa da Assembleia Legislativa de Minas Gerais O jornalista Ezequiel Fagundes e o repórter fotográfico Charles Silva Duarte faziam reportagem sobre denúncia de que móveis em bom estado de conservação haviam sido abandonados e estavam se deteriorando no estacionamento da Assembleia. Ao deixar o local, foram cercados por seis agentes que exigiram o cartão de memória da máquina fotográfica.
Madrid, Espanha