Argentina

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O país viveu nesse último ano um estado de nervosismo e de grave deterioração política. Os meios de comunicação independentes também estão sofrendo com essa crise e com a tensão gerada pela perseguição do governo. Essa tensão é resultado de conflitos entre o trabalho da mídia de informar e os supostos fantasmas que o governo encontra. Para os jornais, a deterioração das instituições é uma fonte inesgotável de material para suas matérias ou seus editoriais, mas o governo insiste que existe uma conspiração para desestabilizá-lo, supondo que tudo o que faz está certo e que se é alvo de alguma crítica isso se deve a algum interesse oculto. Nada poderia ser mais distante da realidade, no caso da Argentina, onde a agenda informativa tem sido marcada, nos últimos tempos, não por investigações jornalísticas, mas por atos do governo, como ocorreu no controverso caso do aumento dos impostos agrícolas em 2008 ou com a polêmica lei dos meios em 2009 e, mais recentemente, no Decreto de Necessidade e Urgência que destinou reservas do Banco Central para o pagamento da dívida, e criou um ponto de conflito entre os outros dois poderes do Estado e os meios. Essa foi uma decisão inesperada e tomada sem consulta, foi fortemente criticada pela oposição, trouxe decisões judiciais adversas, e seu acompanhamento, pela mídia, provocou críticas do governo. É fácil comprovar que a qualidade de um governo e de uma democracia pode ser avaliada pelo nível de liberdade de expressão e de imprensa de que gozam seus cidadãos e, atualmente, o enfraquecimento das instituições republicanas, e isso não se consegue pela força, mas dominando-se a imprensa e os meios de comunicação. Outra característica dos governos atuais é a homogeneização do discurso governamental, o que revela outra forma de autoritarismo. Principais fatos que afetaram a liberdade de imprensa nesse período: Desprestígio, difamação e intimidações aos meios e jornalistas, como ocorreu em diversas oportunidades contra os jornais Clarín e La Nación de Buenos Aires. As agressões e os maltratos também se expressaram na recusa do governo em responder perguntas de jornalistas de determinados meios de comunicação. Assédio e insultos a jornalistas durante atos públicos, pelo simples fato de fazerem perguntas ou cumprirem seu dever. Exclusão de profissionais de determinados meios de coletivas de imprensa, como ocorreu há alguns dias com Ismael Bermúdez, do jornal Clarín, no Ministério do Trabalho. Recusa a responder perguntas de determinados jornalistas de meios de comunicação apontados pelo governo em coletivas de imprensa. Isso também ocorreu com os jornalistas Mariano Obarrio, do La Nación, Leonardo Mindez, e Guido Braslavsky do Clarín. A atitude de criar conflitos com os meios de comunicação faz parte também de um plano sistemático de diversos órgãos do governo para tentar controlar a empresa privada que fabrica papel, insumo básico para a produção de jornais. Esse risco aumentou nos últimos meses, com uma série de medidas administrativas e judiciais destinadas a enfraquecer a direção da empresa Papel Prensa, interferir nas suas políticas comerciais e preparar o terreno para uma suposta intervenção judicial. O secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno, tomou várias medidas administrativas e moveu ações judiciais que provocaram a renúncia de funcionários da procuradoria que se negaram a ser cúmplices de uma campanha contra essa empresa. Membros da companhia e do jornal Clarín foram alvo de processos criminais, investigações fiscais, até agora rejeitadas. Por último, a justiça decidiu em 9 de março nomear um co-administrador na empresa Papel Prensa e suspendeu todas as medidas tomadas em reuniões da diretoria a partir de 4 de novembro de 2009. Porém, continuaram as agressões e as visitas inesperadas do secretário de Comércio Interior à principal sede da empresa. A vigência da Lei de Serviços de Comunicações Audiovisuais, que provocou inúmeras críticas no final do ano passado, foi questionada judicialmente, tanto por seu aspecto de sanção quanto por seu conteúdo, considerando-se que viola direitos constitucionais, concedendo poderes amplos e discricionários ao Poder Executivo sobre os meios, quantidade de sinais permitidos e estabelecendo critérios perigosos de censura através da concessão de licenças e da aplicação de sanções. A lei foi questionada por cinco ações judiciais. O governo forçou, um dia antes do novo período legislativo, o qual modificaria a distribuição das forças políticas no Congresso, a formação da Comissão Bicameral de Meios, composta por uma maioria partidária do governo. Agilizou-se também a criação de dois novos órgãos, o Conselho Federal e a Auditoria de Aplicação. No primeiro, nota-se mais uma vez um nítido desequilíbrio em favor dos representantes do Poder Executivo e uma quase inexistência de meios privados. A segunda, que será responsável pela implementação da norma e o poder de supervisão sobre os meios, foi composta por equipes políticas, governadores, deputados e vereadores totalmente fiéis ao governo. Cabe destacar que as decisões da justiça suspendendo a aplicação da lei de meios que foram emitidas violam os direitos constitucionais da liberdade de imprensa e expressão, assim como os direitos de propriedade, os direitos do consumidor e as garantias de igualdade perante a lei. Essas decisões foram emitidas por tribunais da cidade de Buenos Aires, Salta, Mendoza e San Juan. Em 8 de março houve novo pronunciamento contra a lei, o qual, assim como o da juíza de Mendoza, suspende a aplicação integral da lei. O juiz federal de Salta o fez por motivos formais, objetando que houve irregularidades no trâmite parlamentar que a invalidam. Desobedecendo a ordem judicial de suspender totalmente a lei, o governo tomou uma série de medidas na tentativa de garantir uma distribuição de meios de comunicação que seja conveniente para seus objetivos. Outro foco de conflito foi o confronto no setor de telecomunicações na licitação com a empresa Telecom. A Comissão Nacional de Defesa da Concorrência determinou, há mais de um ano, que a entrada da Telefónica da Espanha no capital acionário da Telecom Italia, da qual é controladora, coloca am risco a livre concorrência e que, por isso, a Telecom deve vender suas ações na Argentina. A empresa italiana apelou da resolução e obteve uma decisão favorável. Mas o governo entende que se trata de uma medida para ganhar tempo e insinuou que se não houver avanço na venda poderá se chegar à nacionalização. Vários compradores estão envolvidos no processo de venda, entre eles grupos de mídia interessados em utilizar a infraestrutura das companhias telefônicas para a distribuição da Internet e da TV a cabo. Obstáculos variados, criados pelo governo, impedem a fusão da Cable Visión e da Multicanal do grupo Clarín. Nos últimos dias, o ministro da economia revogou a autorização que o governo havia concedido para a fusão dessas empresas e elas recorreram à justiça para defender sua posição. Durante este período, quantidade e o uso de meios escritos e radiais que respondem indiretamente ao Poder Executivo aumentaram. Houve manipulação indiscriminada da publicidade oficial nos meios audiovisuais de Buenos Aires. Houve abuso em todos os meios, através da cadeia oficial para discursos oficiais e propaganda política. Deve-se acrescentar que hoje, 22 de março de 2010, soube-se, pelo jornal La Nación, que o governo se recusou por escrito a divulgar os gastos em publicidade oficial, alegando que essas informações envolvem “dados pessoais” e que por isso estão fora da lei de acesso a informações públicas. A declaração foi feita depois de pedidos de duas ONGs e significa uma nova arbitrariedade em um campo em que o poder discricionário do governo já havia sido questionado. Outro aspecto que persiste é a desigualdade entre os jornais de Junín, Democracia e La Verdad, este último editado pelo arcebispado de Luján-Mercedes, que foi isento de impostos pelo Departamento Federal de Receitas Públicas com o objetivo de difundir o culto, ficando afetada, desse modo, a igualdade perante a lei e a livre concorrência. Houve também casos de espionagem e escutas telefônicas contra diretores e jornalistas, obstáculos e discriminação no acesso a informações públicas. Outra situação que afetou a normalidade política do país, distorcendo a forma democrática de governo baseada na divisão de poderes, e que também contribuiu para insultos e agressões à imprensa, ocorreu quando o Poder Executivo promulgou os decretos de necessidade e urgência dispondo de um valor da reserva federal do Banco Central. A decisão do Poder Executivo de dispor dessas reservas foi questionada por um juiz que emitiu uma sentença proibindo o governo de executá-la. No discurso de abertura das sessões do Congresso, em 1º de março, a presidente também confrontou a justiça quando disse que a Corte Suprema só é independente do governo e que existem juízes que concedem libertações ou isenções de prisão e que respondem a outros interesses que não são os da justiça. Por outro lado, a Corte Suprema de Justiça se pronunciou em diversas oportunidades pela necessidade de não judicializar os temas políticos, mas ajustá-los a seu controle institucional. Isso não ocorreu, muito pelo contrário. Desde o início do ano, o governo e a oposição encheram os tribunais de processos em que os juízes foram obrigados a tomar decisões sobre assuntos do governo. Nenhum deles chegou até agora ao tribunal superior, mas isso poderá acontecer. O conflito entre a presidente do país e a justiça acirrou-se de forma preocupante, quando depois das declarações da presidente a Corte emitiu um comunicado exortando os que têm responsabilidades de governo a se expressarem com moderação e equilíbrio. Cristina Fernández de Kirchner respondeu dizendo que a palavra “moderação” soa próxima a censura e que não parece ser a mais apropriada. A Igreja também pediu aos funcionários públicos e aos dirigentes políticos que atuem em benefício do bem comum, evitando confrontos desnecessários.

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