Uruguai

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A liberdade de imprensa foi afetada nesse período por duas decisões judiciais contrárias à liberdade de expressão, um projeto do governo para controlar o conteúdo das transmissões das emissoras de rádio e TV, o anúncio, pelo novo governo, de que vai aprovar uma nova lei de telecomunicações sem contudo especificar do que se trata, e a manutenção dos obstáculos ao acesso de jornalistas e meios de comunicação a informações públicas. Nesse período ocorreu também a parte mais intensa da campanha política que terminou no último domingo de 2009, com a eleição do ex-guerrilheiro tupamaro, José Mujica, como novo presidente da República. Durante a campanha, tanto Mujica (do partido Frente Amplo, do governo) quanto seu rival, Luis Alberto Lacalle (do Partido Nacional, de oposição) entraram em conflitos com a imprensa. A Suprema Corte de Justiça condenou em fevereiro um canal de televisão privado e dois jornalistas, Ignacio Alvarez e Gabriel Pereyra, do Canal 10, a pagar uma indenização no valor de US$5.000 por danos morais a uma ex-juíza criminal, Ana Lima, por uma matéria feita há cinco anos sobre uma decisão em um caso de abuso infantil. O que preocupou analistas, organizações e cidadãos comuns foram os argumentos usados pelos juízes, que desconsideraram a nova legislação, em vigor desde 2009, para liberdade de imprensa, contradizendo a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, a qual, de acordo com a nova lei, os juízes deviam observar. O título da matéria era “A outra face do abuso infantil” , e foi transmitida no programa “Zona Urbana” em 18 de maio de 2005. O programa mencionou o caso de um homem que havia sido processado e condenado à prisão pela juíza e que ficou preso durante seis meses mas foi flibertado por um tribunal superior, que o considerou inocente. A Corte decidiu castigar os jornalistas e o meio por terem utilizado palavras que considerou “inadequadas” e por entender que as informações não eram de “interesse público”. Advertiu também na sua decisão que os cidadãos comuns não possuem “idoneidade” suficiente para emitir opiniões “sobre a correção ou não das decisões judiciais”. A Corte usou vários argumentos, entre eles o de que o “interesse público” nas notícias “não deve só ser útil ou oportuno para o informador, mas também qualificado como uma necessidade social imperiosa”, que “o abuso, em geral, significa usar mal, de forma excessiva, injusta e indevidamente o direito” à liberdade de expressão, e que deve se exigir que os jornalistas tenham “o maior cuidado, sentido de proporção e senso comum ao exercê-la” devido ao “inquestionável” poder “prejudicial” que essa liberdade confere aos meios de comunicação de massa, por causa do “poder social que eles exercem ao gerar opinião pública”. O Canal 10 decidiu assumir o pagamento da indenização de US$ 5.000 e liberar dessa responsabilidade os jornalistas condenados porque a empresa entende que “os jornalistas agiram corretamente”. É uma surpresa ver que um jornalista foi condenado por “difamação” contra um funcionário público a cinco meses de prisão, com suspensão de sentença, quando as novas leis vigentes no país descriminalizaram os crimes cometidos por meio da imprensa. O presidente José Mujica anunciou sua intenção de promulgar uma nova lei de telecomunicações no Uruguai, durante seu mandato, sem especificar seu conteúdo. Mujica disse que “o governo não pode lavar as mãos” a respeito desse assunto e deve “marcar o território”. “Não podemos deixar isso a cargo do mercado. É óbvio que se deixarmos isso para os mais fortes, vão se apropriar de tudo para eles”, advertiu. Sua esposa, a primeira-dama e a primeira senadora do governo, Lucía Topolansky, já havia dito que o Uruguai precisa “urgentemente de uma lei básica” para esse assunto. “Essa grande orquestra (de meios de comunicação) deve ser organizada” pelo governo porque “não pode ser uma coisa tão caótica”, afirmou. Enquanto isso, a lei de acesso a informações públicas, que entrou em vigor em 2008, não está sendo respeitada pelos órgãos do governo, obrigados por ela a fornecer informações solicitadas pela imprensa ou pelos cidadãos comuns. Os fatos de maior destaque desse período são: Em 10 de novembro, o governo de Cuba colocou em uma “lista negra” e declarou como “persona non grata” uma jornalista uruguaia do jornal El Observador, Patricia Madrid, impedindo-a de cobrir o Fórum Global de Pesquisa em Saúde, que seria realizado em Havana uma semana depois. A jornalista explicou que quando pediu seu visto na embaixada de Cuba em Montevidéu, uma funcionária lhe disse que não poderia realizar “trabalhos jornalísticos” se voltasse para a ilha. Em 12 de novembro, divulgou-se que a juíza de segunda instância, Marta Haedo Alonso, tinha declarado como “caduca” a intenção de processar o semanário independente Búsqueda por perdas e danos do ex-senador do partido do governo, Leonardo Nicolini e seu filho, Leonardo Nicolini de la Cuesta. Em fevereiro de 2007, o Búsqueda publicou uma matéria cujo título era “Senador do partido do governo é hospitalizado sem pagar em um hospital do governo depois de ter obtido um carnê de pobre (e) depois da cirurgia devolveu o carnê”. A matéria dizia que o senador era Nicolini – representante do Movimento de Participação Popular (MPP) – e fornecia outras informações tais como o fato de o seu filho ter feito uma declaração jurada falsa. Nicolini foi obrigado a renunciar pela direção do MPP e deixou sua bancada no Senado. Foi também interrogado por crime de fraude e o promotor do caso pediu que fosse processado, mas um juiz negou esse pedido. Em 16 de novembro, membros da segurança do candidato a presidente, José Mujica, e do prefeito de Montevidéu, Ricardo Ehrlich, agrediram fisicamente duas fotógrafas que cobriam a inauguração da “Praça Líber Seregni”. Em 23 de novembro, o presidente Tabaré Vázquez enviou ao Parlamento um projeto de lei para a “promoção da cultura nacional no cinema, rádio e televisão”, alegando que as medidas serviriam para garantir “o acesso à diversidade cultural como um direito humano essencial” e para promover “os valores variados e específicos da sociedade uruguaia”. A lei criaria uma cota obrigatória de 50% de programação nacional para os canais de televisão privados (70% para os públicos), dos quais 20% deveriam ser de ficção (30% para os públicos). Além disso, obrigaria a produção de novelas e séries de TV baseadas em obras de ficção uruguaia. Ao enviar o projeto ao Parlamento, o governo aludiu à “existência de grandes monopólios transacionais, com critérios essencialmente mercantis e comerciais, que concentram a propriedade de empresas culturais e que dispõem de poderosas redes que orientam e controlam a produção e distribuição de conteúdos em nível internacional”. O projeto prevê que os meios de televisão aberta privados seriam obrigados a emitir 50% da sua programação com produção ou co-produção nacional, inclusive as categorias de noticiários, esportes, revistas, variedades, jornais, documentários, concursos, entretenimentos e todos os tipos de obras de ficção. Estabelece um mínimo de 20% para ficção nacional, incluindo longa-metragens, curtas, telefilmes, telenovelas, seriados, comédias, drama, filmes policiais, programas humorísticos, clipes musicais e difusão de espetáculos nacionais (teatro, ópera, recitais e concertos, carnaval e outros). A iniciativa contempla a criação de um “Instituto de Mediação Cultural” (IMC) como órgão separado do Poder Executivo, composto por três membros nomeados pelo Poder Executivo e cujas nomeações seriam aprovadas por uma maioria simples da Assembleia Geral. As sanções previstas vão desde uma simples notificação até a revogação da licença. Está prevista também a aplicação de multas em um valor que pode chegar a US$100.000. Em 29 de novembro, o presidente Tabaré Vázquez criticou a imprensa por ter divulgado notícias sobre uma decisão do Banco Hipotecario (BHU), de propriedade do governo, para conceder ao seu irmão um empréstimo de US$130.00 para comprar uma casa nova no bairro residencial de Montevidéu “por motivo de “segurança”. Segundo o presidente, seu governo está fazendo “uma guerra de vida ou morte” contra o narcotráfico, e seu irmão, Jorge Vázquez, secretário adjunto da presidência, é um dos responsáveis pelas políticas relacionadas a esse assunto. Em 11 de dezembro, o embaixador da Argentina no Uruguai, Hernán Patiño Mayer, acusado publica e reiteradamente de interferir na política uruguaia pelo apoio dado à candidatura de José Mujica, do partido do governo, atacou o jornal El País, o qual acusou de ter tentado “obter vantagens políticas de maneira vergonhosa” em um conflito entre a Argentina e o Uruguai na instalação de uma fábrica de papel finlandesa. O jornal considerou “inédita” a forma como o diplomata argentino desempenhou seu papel. Em 10 de janeiro, o presidente da Bolívia, Evo Morales, acusou o jornalista uruguaio-boliviano Emilio Martínez de ser um “agente do imperialismo” por ter publicado um livro chamado Ciudadano X, no qual detalha criticamente o processo político pelo qual um líder da coca se tornou chefe de Estado. O livro foi um dos mais vendidos em 2008 e 2009 na Bolívia. Em 22 de fevereiro, o jornalista Rodrigo Morales, diretor do semanário Tres Puntos, de Paysandú (a 380 km a noroeste de Montevidéu), foi condenado a cinco meses de prisão com suspensão de sentença pelo crime de “difamação”, por ter publicado mais de um ano antes informações sobre um suposto envolvimento de autoridades policiais no tráfico de drogas. Em 8 de janeiro de 2009, o jornal havia informado que dois policiais tinham sido presos por tentarem entrar no país com uma carga de cocaína vinda da Argentina. O semanário havia acrescentado que outros policiais poderiam estar envolvidos no crime e mencionou expressamente o sub-comissário Ricardo Coelho. Em 22 de janeiro de 2009, o Tres Puntos expandiu suas matérias sobre os supostos vínculos de Coelho com o caso. Em 23 de fevereiro, o juiz Homero Rivero, da cidade de San José (a 100km a noroeste de Montevidéu), ordenou que o governo municipal entregasse ao diretor do jornal local San José Hoy, David Rabinovich, informações de interesse público sobre a assistência prestada a pessoas e famílias pobres desde 2004, com amparo da lei de acesso a informações públicas, agora em vigor. A ordem do juiz ainda não foi cumprida. Em 11 de março, a primeira-dama e senadora Lucía Topolansky, agrediu a imprensa depois de declarar que não concorda que sejam mantidos na prisão os militares acusados de violar os direitos humanos durante a ditadura (1973 a 1985) e de haver proposto a aprovação de uma “ferramenta” legal para que os juízes possam decidir se deixam na prisão essas pessoas ou se as mantêm em prisão domiciliar. As declarações de Topolansky foram muito mal recebidas pela Frente Ampla, partido do governo. Depois, a primeira-dama disse que a imprensa “interpretou o que quis interpretar” e lamentou que “as pessoas acreditem que a imprensa diz a verdade. Infelizmente, elas acreditam nisso.” Em 12 de março, a OPI (Organización de la Prensa del Interior) emitiu uma declaração reclamando da ineficácia da lei de acesso a informações públicas por não estar sendo respeitada pelos órgãos do governo.

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