Brasil

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BRASIL O período de outubro de 2000 a março de 2001 mostra que, embora exista no país plena liberdade de imprensa, crescem as tentativas de censura. Conforme narramos nos últimos relatórios, há indicações claras de que prospera um estado de espírito de impor limitações ao livre fluxo de informações. Sob os mais variados argumentos, surgem iniciativas dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, propondo leis, decretos, portarias, códigos e regulamentações, além de decisões judiciais, que, de uma forma ou de outra, significam cerceamento às liberdades de imprensa e de expressão. Até agora, existem restrições claras na legislação eleitoral e no Estatuto da Criança e do Adolescente. Interpretações diversas tentam agora ampliar as restrições para outros campos, não apenas da atividade jornalística, mas também de relações de consumo, anúncios de oferta de empregos e publicidade de diversos produtos. Condenações de órgãos de imprensa, ao pagamento de vultosas quantias, em ações por danos morais, representam grave ameaça à liberdade de imprensa, na medida em que comprometam a sobrevivência das empresas. Em São Paulo, o jornal Debate está ameaçado de extinção. Outros jornais sofreram forte impacto financeiro com o pagamento de indenizações por danos morais. Outra face da censura se ampara na tentativa de legislações corrosivas à liberdade de imprensa, como as mordaças legais. Tem sido uma constante no Parlamento brasileiro a apresentação de projetos típicos do estado de espírito regulatório que existe em alguns setores da sociedade. Exemplo da necessária vigilância da liberdade de imprensa no país foi a nova tentativa de mordaça contra os Procuradores do Ministério Público Federal, editada pelo Governo da República, em dezembro passado. Em síntese, pretendia estabelecer punições - entre elas multa de R$ 151.000,00 (cerca de 75 mil dólares) contra procuradores, delegados de polícia e fiscais do Estado que “instaurarem, temerariamente, inquérito policial ou procedimento administrativo ou propuserem ação de natureza civil, criminal ou de improbidade, atribuindo a outrém fato de que o sabe inocente”. Aparentemente, a Medida Provisória visava disciplinar a ação de agentes públicos autorizados a abrir inquéritos contra autoridades públicas. Na realidade, destinava-se a restringir ou inibir a iniciativa de procuradores da República que, como um poder independente, têm proposto a apuração policial e judicial de suspeitas ou crimes no campo da corrupção, negligência ou ineficiência administrativa, supostamente praticados por agentes do Estado. Diante da reação de imprensa e da opinião pública, o governo retirou o parágrafo que estipulava multas contra procuradores. Em seguida, as autoridades federais desistiram do ato legal. A decisão foi importante para liberdade de imprensa porque a Medida Provisória, caso fosse mantida, significaria ameaça ao jornalismo investigativo, muitas vezes baseado nas ações dos procuradores contra governantes. Essa foi a terceira tentativa do Governo Federal de limitar o trabalho dos procuradores do Ministério Público Federal e de agentes da polícia e da justiça na apuração de crimes cometidos por autoridades públicas. Permanece ainda sob risco de aprovação o projeto de lei de 1997, que ganhou o apelido de “Lei Mordaça”. Ele impede que procuradores, juízes, delegados ou funcionários governamentais prestem informações à imprensa sobre processos ou inquéritos sob sua guarda antes do julgamento final. O projeto foi aprovado pela Câmara dos Deputados e encontra-se parado no Senado Federal. Mas pode ser incluído na pauta de votação a qualquer momento. Tentativas de intimidação direta contra jornalistas ocorreram nos últimos meses. No Estado do Mato Grosso, repórter do jornal A Gazeta foi preso e condenado por porte de uma arma que adquiriu exatamente para fazer reportagem mostrando a facilidade de se adquirir armamentos na região. No Estado do Rio Grande do Sul, repórter e editor do jornal Zero Hora foram intimados a uma delegacia de polícia e instados a revelar fonte de matéria investigativa em relação ao futuro corregedor de polícia. O argumento foi de que deveriam depor como testemunhas. A providência era ilegal, pois a constituição brasileira garante o sigilo da fonte. O jornal A Tarde, de Salvador, Bahia, sofre uma discriminação por parte dos governos estadual e municipal da capital. Toda a publicidade oficial dirige-se a um outro veículo, pertencente a familiares de um dos próceres políticos. É desnecessário acrescentar que esse jornal, Correio da Bahia, dá apoio irrestrito ao governo, tanto estadual, quanto municipal. Vale observar, por exemplo, que em 1995 A Tarde teve as seguintes centimetragens de publicidade oficial: governo estadual, 25.039; prefeitura da capital, 7.334. Em 2000: governo estadual, 0; prefeitura da capital, 0. Assinale-se, por outro lado, que o jornalista Marconi de Souza, um dos focos da discórdia, repórter investigativo que já recebeu diversos prêmios – inclusive de reportagem da SIP --, está sendo processado por calúnia por outro jornal, Correio da Bahia, porquanto deu divulgação aos números das inserções oficiais que aquinhoaram esta publicação com 100% da verba governamental. A direção do jornal NH, de Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul, foi constrangida a depor ante uma Delegacia de Polícia numa ação proposta pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais por ter o mencionado jornal profissionais “exercendo ilegalmente a atividade jornalística”, pelo fato de não terem diploma universitário fornecido por Faculdade de Comunicação Social. Há sete casos impunes de assassinatos de jornalistas, ocorridos entre 1995 e 1998. Através da Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação, da Comissão de Impunidade e do Programa Crimes sem punição contra Jornalistas, a SIP continua atuando decisivamente no sentido de fazer avançar as investigações, de forma a levar os réus a julgamento. Tal ação tem possibilitado alguns resultados positivos. Em dezembro passado, foram oficialmente apresentados os quatro acusados do assassinato do jornalista Ronaldo Santana de Araújo, em 9 de outubro de 1997, na cidade de Eunápolis, Estado da Bahia. Quanto ao assassinato do jornalista Marcos Borges Ribeiro, ocorrido em 1º de maio de 1995, na cidade de Rio Verde, Goiás, acaba de ser marcado para o mês de abril próximo o julgamento dos acusados. E quanto ao assassinato de José Carlos Mesquita, em 9 de março de 1998, na cidade de Ouro Verde do Oeste, Estado de Rondônia, foram denunciados formalmente os acusados, o que permitirá a marcação de julgamento. 23 de outubro de 2000 – O jornalista inglês Richard Hering, que produz documentários para o Chanell Four Television, de Londres, registrou queixa na Polícia Federal contra seguranças de Duciomar Costa, candidato à Prefeitura de Belém, Estado do Pará. Ele afirmou que foi mantido como refém por aproximadamente 15 minutos num veículo cinza, quando filmava um comício no bairro da Terra Firme, em Belém. Hering disse que cerca de 20 seguranças de Duciomar Costa o abordaram quando ele filmava o comício e o arrastaram para dentro do veículo, onde teve a fita de vídeo confiscada. 23 de outubro de 2000 – A Justiça do Estado do Mato Grosso puniu o repórter Silvio Carvalho, que denunciou o comércio clandestino de armas no Shopping Popular, bairro do Porto, em Cuiabá, naquele Estado. Ele comprou uma arma em Cuiabá, denunciou em uma reportagem a venda fácil de armamentos ilegais e depois entregou a arma às autoridades. Por essa razão, o jornalista foi acusado de porte ilegal de arma durante uma hora, conforme o promotor Elio Américo. Durante dois anos, Silvio Carvalho, repórter do jornal A Gazeta, não poderá sair de casa após as 11 horas da noite nem se ausentar da cidade por mais de 30 dias. Durante seis meses, deverá doar quatro cestas básicas, no valor de R$ 25 cada, para uma instituição de caridade. Além disso, uma vez por mês terá de comparecer ao Fórum Criminal para comprovar que está cumprindo com o determinado. Para sair dessas regras, deverá pedir autorização legal, sendo tratado como “sujeito pernicioso à sociedade”. 27 de outubro de 2000 – A juíza eleitoral Sônia Araújo Pereira, da 34a Seção Eleitoral de Pelotas, Estado do Rio Grande do Sul, impôs censura prévia à imprensa ao proibir os veículos de divulgarem declaração do sr. Luiz Inácio Lula da Silva, sobre a cidade de Pelotas, naquele Estado. Ela atendeu a seis representações da Coligação partidária “Um novo tempo” pleiteando medida liminar em juízo. 29 de outubro de 2000 – O repórter fotográfico Dorival Dias e o repórter Rafael Godói, do Correio, de Uberlândia, Estado de Minas Gerais, foram agredidos por cabos eleitorais e seguranças contratados pela coligação partidária “Uberlândia de Cara Nova”. 28 de novembro de 2000 - A diretoria do Clube de Regatas Vasco da Gama, do Rio de Janeiro, tem complicado a sua relação com a imprensa por atitudes como a que proibiu os jogadores de dar entrevistas, impediu a presença de repórteres nos treinos da equipe e proibiu a entrada de jornalistas no estádio. Em novembro, por ordem do dirigente Eurico Miranda, os jogadores de futebol foram proibidos de dar entrevistas. Profissionais de quatro Jornais do Rio de Janeiro – O Globo, O Dia, Extra e Lance – não puderam circular no estádio São Januário durante partida que aconteceu no dia 28 de novembro. 3 de dezembro de 2000 - O Superior Tribunal de Justiça - STJ confirmou a sentença de indenização proferida em primeira instância e em seguida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que condena o jornalista Sérgio Fleury de Moraes a pagar R$ 25 mil de indenização por danos morais contra o promotor Carlos Aparecido Rinard. Moraes é diretor do semanário Debate, de Santa Cruz do Rio Pardo, município de 40 mil habitantes localizado a 375 km a oeste da cidade de São Paulo, Estado de São Paulo. 29 de dezembro de 2000 - O jornalista Nelson Filo, do Diário do Grande ABC, de Santo André, Estado de São Paulo, foi agredido fisicamente pelo treinador de futebol Jair Picerni, do clube São Caetano. Os dois discutiram porque o treinador não gostou da maneira como o repórter o questionava, considerada agressiva. 25 de janeiro de 2001 - Seguranças do governador do Estado de Alagoas, Ronaldo Lessa (Partido Socialista Brasileiro), agrediram os jornalistas André Feijó, câmera, e Beatriz Azevedo, repórter, da TV Gazeta, afiliada da Rede Globo de Televisão. A agressão foi praticada por cerca de seis seguranças do governador quando a equipe tentava fazer a cobertura de um evento público na Escola Fazendária, a palestra do ministro da Previdência Waldeck Ornelas. 7 de fevereiro de 2001 - A Justiça determinou a suspensão de anúncio, publicado nas emissoras de rádio e de televisão pelo sindicato dos professores de Minas Gerais, que informava sobre paralisação de aulas na rede particular. A proibição de exibição do anúncio foi obtida por medida liminar a pedido do Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais. A liminar estabeleceu multa na ordem de R$ 1.000,00 por veiculação. 20 e 22 de fevereiro de 2001 – O repórter Nilson Mariano e o editor Altair Nobre, ambos de Zero Hora, de Porto Alegre, Estado do Rio Grande do Sul, foram intimados e passaram por interrogatórios no Palácio da Polícia. Os delegados Marcelo Moreira da Silva e Gabriela Monteiro foram enfáticos ao advertir que, se não revelassem a fonte de uma reportagem, os dois jornalistas poderiam ser responsabilizados por falso testemunho, cujas penas são de reclusão e multa. A pressão contra os jornalistas de Zero Hora era para que revelassem quem vazou um documento com denúncias contra o novo corregedor-geral da Polícia Civil gaúcha, Pedro Urdangarin. Respeitando a ética jornalística e sob a garantia constitucional de preservação das fontes, Zero Hora não revelou a origem do documento publicado na edição de 10 de fevereiro. A denúncia foi divulgada no dia seguinte à posse de Urdangarin. Quarenta e oito horas depois da publicação, o chefe de Polícia, delegado José Antônio Araújo, determinou uma inspeção geral no órgão. O único resultado conhecido é a tentativa de intimidação dos jornalistas. No ofício da denúncia, com data de 8 de setembro de 2000, o ouvidor da Justiça e da Segurança, Luiz Goulart Filho, solicitou que a Corregedoria apurasse uma acusação de corrupção passiva contra Urdangarin, segundo a qual ele e um inspetor de polícia teriam exigido R$ 1,5 mil de um agricultor de São Jerônimo para devolver um automóvel roubado. Ouvido por Zero Hora na ocasião, Urdangarin afirmou que desconhecia a denúncia. A polícia abriu uma investigação sobre o vazamento do ofício, presidida pelo próprio chefe de Polícia. Ao ser intimado, o repórter Nilson Mariano julgava ter sido chamado para ajudar a elucidar a denúncia. Para sua surpresa, os investigados eram ele e a suposta fonte do documento. Mariano foi coagido a responder a perguntas de caráter pessoal e seguidas vezes foi ameaçado de indiciamento. Como decidiu manter a ética profissional, preservando o sigilo, foi intimado seu superior imediato, o editor de Geral de “Zero Hora”, Altair Nobre. O editor também foi pressionado a revelar a fonte e a responder a perguntas pessoais, além de ter sido advertido para a possibilidade de indiciamento. 13 de fevereiro de 2001 – A 3a Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ confirmou que o jornal Zero Hora, de Porto Alegre, Estado do Rio Grande do Sul, terá de pagar uma indenização de R$ 1.191.088 (equivalente a US$ 600 mil) ao ex-senador José Paulo Bisol (Partido Socialista Brasileiro) por danos morais. Além da indenização, a empresa jornalística deverá arcar com as despesas de honorários advocatícios, estipulados em R$ 178.663,20. O ex-parlamentar sentiu-se ofendido por uma série de reportagens na qual foi acusado de manipular verbas orçamentárias e superfaturar emendas para obras que beneficiariam sua fazenda. As reportagens foram publicadas em 1994, quando Bisol era candidato à vice-presidência da República, na chapa de Luiz Inácio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores). Segundo o processo, o jornal também publicou que o ex-senador teria se aposentado com apenas sete meses de atividade como desembargador, praticado nepotismo e conseguido empréstimo bancário privilegiado na Caixa Econômica Estadual. A 3a Turma do Superior Tribunal de Justiça - STJ garantiu à atriz Maitê Proença o direito de receber R$ 50 mil de indenização por dano moral do jornal Tribuna da Imprensa, do Rio de Janeiro, devido à publicação não autorizada de uma foto extraída de ensaio fotográfico feito para a revista Playboy, em julho de 1996. Ela já havia ganho a ação por danos materiais, mas o julgamento de seu recurso estava empatado na 3a Turma do STJ com relação aos danos morais, decidido no final de dezembro. Crescem, em todo o país, as pressões contra a publicação, pelos jornais, de anúncios de acompanhantes (escorts), massagens e relax. O Conselho de Juízes do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro condenou o jornal O Globo por publicar anúncios de serviços eróticos na seção de classificados e proibiu a publicação na forma em que vem sendo feita.

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