Nicarágua

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NICARÁGUA O perigo mais latente contra a liberdade de imprensa na Nicarágua são os mecanismos que afetam economicamente os meios de comunicação. Entre estes figuram a tentativa de aprovar uma lei do salário mínimo para jornalistas, aplicação de impostos, concessão ou supressão de publicidade oficial e uma campanha de desprestígio contra o La Prensa, seus jornalistas e outros meios. A tentativa de aprovar uma lei de salário mínimo para jornalistas, que não se adequa à realidade econômica do país, foi temporariamente arquivada depois da Resolução emitida pela SIP em Cancún em 16 de março passado, que condenou o projeto. Depois de várias investigaões de corrupção no governo realizadas pelos meios de comunicação desde janeiro de 1999, e especialmente como resultado de uma importante investigação do jornal La Prensa, iniciada em março de 2000 e que culminou com a destituição de dois funcionários de alto escalão, sendo um deles o diretor-geral de receitas do Tribunal de Contas da União, Byron Jerez, nenhuma responsabilidade criminal foi estabelecida devido às regras de sigilo bancário. Entretanto, em 28 de setembro, o Tribunal de Contas encontrou motivos de responsabilidade penal para Jerez e outros funcionários em outro caso apresentado pelo semanário Confidencial e divulgado em todos os meios independentes. Ao saber que o referido Tribunal pedia sua destituição, Jerez convocou uma coletiva, mas impediu a participação do jornal La Prensa. O La Prensa recebeu uma multa de quase meio milhão de dólares depois de uma auditoria realizada pela Receita Federal logo depois que o jornal iniciou uma investigação sobre corrupção no governo. O Canal 2 de televisão, que transmite um dos principais noticiários, foi alvo de outra multa milionária. O governo proibiu temporariamente que os ministros aparecessem no “Primeira Hora”, principal programa matinal do Canal 2. A proibição foi suspensa depois do terremoto na cidade de Masaya. Os diretores do La Prensa declararam em um comunicado que consideram a multa “arbitrária, exagerada, sem fundamento legal e uma pressão para nos obrigar a mudar a linha editorial”. A multa refere-se a títulos do Banco Central que por lei são isentos de imposto de renda e que todos os bancos e muitas empresas privadas usaram como investimento para aproveitar os benefícios fiscais concedidos por lei. No caso do La Prensa, ainda que a Receita Federal reconheça que os juros desses títulos sejam isentos de taxação, não são aceitos como gastos os juros dos empréstimos bancários adquiridos pelo jornal. Curiosamente, o La Prensa foi a única empresa privada a ser taxada por causa da aquisição de títulos do Banco Central. O jornal entrou com recurso de amparo. Além da multa, iniciou-se também uma campanha de desprestígio contra o La Prensa e o Canal 2 com comentários em todas as estaçőes de rádio e televisão do governo ou “amigas” do mesmo, e anúncios de páginas inteiras em outros jornais e publicações. Foram colocadas faixas enormes nas ruas que pediam que o La Prensa e o Canal 2 pagassem os impostos. “Se nós, pobres, pagamos impostos, o La Prensa tem de pagá-los também”, dizia uma delas. Outra dizia: “O povo sabe…Byron Jerez, o La Prensa e o Canal 2 não andam na linha”. Como resultado da investigação do La Prensa, o jornal do partido do governo, La Noticia, e outros meios oficiais iniciaram uma campanha de desprestígio contra seus dois chefes de redação do La Prensa, Eduardo Enríquez e Roberto Fonseca, acusando falsamente um de aceitar subornos do Tribunal de Contas e outro de ter introduzido ilegalmente no país um automóvel sem pagamento de impostos. Enríquez ingressou com ação por calúnia contra o jornal La Noticia e seus diretores deverão se retratar publicamente devido às acusações. Em setembro, Carlos Briceño, proprietário e diretor de Telenica Canal 8, denunciou que os fiscais da Receita Federal haviam visitado sua empresa poucas semanas depois de o presidente Alemán criticar Briceño por sua gestão como seu primeiro secretário de imprensa, função que desempenhou durante o primeiro ano de governo. Alemán responsabilizou Briceño pelo fracasso de sua política de comunicação e seu distanciamento dos meios. Em 26 de setembro, a Previdência Social deu ao Canal 8 setenta e duas horas para cancelar uma dívida de 1.450.000 córdobas (111.500 dólares), caso contrário a dívida seria cobrada por via judicial com a apropriação da empresa. A dívida que a Previdência Social afirmou não ter sido paga é de 57.000 córdobas em pagamentos trabalhistas, 180.000 em pagamentos administrativos, 134.000 de juros e um milhão de sobretaxa. Briceño alega que a taxa foi imposta em 1996 e que a empresa a tem pago desde então sem receber serviços para seus funcionários. Disse que a empresa procurou meios de isentar-se dessa sobretaxa, prática muito comum. O governo tem favorecido a mídia que o apóia e as estações de rádio que não o apóiam queixam-se de discriminação. Os dados comparativos para publicidade em jornais de janeiro a maio de 1999 e 2000 são os seguintes: La Prensa: 1999: US$322.136 2000: 266.227. Decréscimo: US$55.909 Nuevo Diario: 1999: US$291.782 2000: US$311.788 Acréscimo: US$20.006 La Tribuna: 1999: US$149.691 2000: US$99.402 Decréscimo: US$50.290 La Noticia: 1999: US$38.216 2000: US$220.629 Acréscimo: US$182.413 Durante esse período, a Receita Federal concedeu apenas US$50.000 em propaganda oficial ao La Prensa. Em contrapartida, concedeu US$200.000 ao El Nuevo Diario; US$330.000 ao La Noticia, e nada ao La Tribuna. O La Tribuna é o jornal oficial ligado ao partido liberal no poder. Tem apenas 3% do de circulação entre a mídia impressa e quase 100% de sua publicidade vem do governo. O La Tribuna passava por uma crise econômica que afetou sua circulação e a qualidade de sua informação, o que o levou à falência alguns meses depois. Em 8 de setembro, aproveitando o Dia Internacional do Jornalista, o presidente Alemán ofereceu um café da manhã à imprensa nacional e estrangeira no qual prometeu que haveria uma nova etapa nas relações com os meios de comunicação que têm sido antagônicas desde o início do seu mandato. “Cometi erros que daqui para a frente serão coisas do passado”, disse Alemán, e prometeu que no futuro não haverá discriminação na distribuição de propaganda oficial por motivos políticos. Ainda é muito cedo para avaliar a mudança na concessão de publicidade oficial, mas já se observou uma melhoria em alguns órgãos estatais, tais como a Receita Federal, que discriminavam o La Prensa. Nesse sentido, o DGI já concedeu 21% de seus anúncios ao La Prensa, ainda que continue concedendo publicidade a outros jornais: 39% para o El Nuevo Diario e 40% para o La Noticia. No início de maio, aprovou-se uma versão geral do Código Penal. A versão final substituirá o código atual, que tem 100 anos. O código protege o direito à informação em seu art. 372, que estabelece penas para aqueles que por meio de coação, ameaça, intimidação ou suborno impeçam o exercício da liberdade de expressão. Os artigos 199, 200, 201 e 202 protegem a intimidade das pessoas. Esses artigos foram redigidos de forma que, segundo os juristas e jornalistas, restringirão o trabalho de denúncia de corrupção e outras falhas da administração pública. O art. 200, por exemplo, reza que: “A pessoa que tenha conhecimento, por razão de seu estado, trabalho, profissão ou arte, de um segredo cuja divulgação possa causar dano, e o revele sem causa justificada, será punida com prisão de um a dois anos e suspensa pelo mesmo período da pena aplicada”. O art. 199 refere-se, em termos semelhantes, a correspondência, papéis ou gravaçőes não destinadas à publicidade, e o 202 refere-se a registros informáticos, bancos de dados, etc. O Tribunal Eleitoral editou uma resolução que regulamenta a propaganda dos quatro partidos políticos que participam da campanha eleitoral das eleições municipais desse ano (de 21 de setembro a 1º de novembro de 2000). Essas resoluções limitam as páginas de anúncios dos partidos políticos participantes na imprensa escrita e o tempo dos anúncios no rádio e na televisão. Proíbe também os meios de aceitar anúncios de partidos e movimentos que não estejam participando das eleições. Um dia depois do início oficial da campanha, Silvio Américo Calderón, do partido do governo, porta-voz e juiz do Tribunal Eleitoral, chamou Octavio Sacasa, proprietário do Canal 2, ordenando-lhe que suspendesse um anúncio do partido conservador que, segundo o juiz, violava o artigo 107 da nova Lei Eleitoral por usar palavras como “pacto e corrupção”. O artigo dita que a propaganda deverá tratar de programas, valores, princípios, além de promover a trajetória política, qualidades e virtudes dos candidatos, “a quem se proíbe denegrir, ofender ou desqualificar seus adversários”. Os crimes eleitorais, segundo a mesma lei, serão punidos com prisão de 30 a 180 dias. Tanto o presidente do partido conservador quanto o candidato a prefeito por Manágua pelo mesmo partido desafiaram a proibição e fizeram um protesto em todos os meios, aparecendo com mordaças sobre a boca. Disseram que preferiam ir para a cadeia a desistir do anúncio. O Canal 2 pediu uma ordem por escrito do Tribunal Eleitoral, o qual publicou um comunicado negando que o Tribunal, como corpo colegiado, tenha ordenado, de forma verbal ou por escrito, a suspensão do anúncio do partido conservador. O general aposentado Joaquín Cuadra, presidente do Movimento de Unidade Nacional que pretende se legalizar como partido e que não participa das eleições municipais, também se negou a suspender a propaganda do seu partido. Em 15 de agosto, o ex-general Ortega acusou o El Nuevo Diario de injúrias e calúnias por uma publicação do jornal que associava o general Ortega aos bens da família Centeno Roque, a qual envolveu-se em um escândalo que provocou a falência de um dos maiores bancos da Nicarágua. O julgamento tem transcorrido com atrasos e em 14 de agosto a juíza María José Morales recusou o texto acusatório como “obscuro e contraditório”. O diretor do El Nuevo Diario, Danilo Aguirre Solís, declarou que participaria de uma sessão de conciliação para “defender a liberdade de expressão”. No final de março, o Barricada voltou a ser publicado, dessa vez como semanário e como jornal oficial do partido sandinista. Depois de publicar alguns números, a publicação foi suspensa novamente em julho. Nesse mesmo mês, o La Tribuna, um dos quatro principais jornais da Nicarágua, foi fechado.

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