BRASIL
Há liberdade de expressão no Brasil e a tendência de redução das violências contra profissionais e veículos de imprensa - notadamente os de maior gravidade como assassinatos e atentados - observada ao longo dos últimos dois anos, se manteve neste ano. Apesar desse ambiente positivo, a liberdade de expressão encontra-se seriamente ameaçada.
O projeto da nova Lei de Imprensa traz a hipótese de restrições ao exercício livre da profissão, limites à liberdade de imprensa e ameaça à sobrevivência económica das empresas jornalísticas pela possibilidade de indenizações elevadas. Pode provocar um problema económico e trazer de volta a indesej ável auto-censura, um enorme desserviço à sociedade e à democracia.
Outro motivo de preocupação é a grave questão da impunidade nos crimes contra jornalistas e proprietários de jornais registrados anteriormente. Inquéritos policiais mal feitos, demora no processo de apuração, lentidão da Justiça e, muitas vezes, falta de vontade política, contribuem para a inconseqüência e a impunidade nos crimes contra a imprensa. Observe-se que a impunidade é um estímulo a novas ocorrências.
A permanência em vigor da Lei de Imprensa (LEI 5250/67) apesar de seu caráter liberticida, tem dado amparo legal a um aumento da quantidade de processos na Justiça contra jornais, com pedidos de indenizações elevadas, por supostos crimes de calúnia, injúria e difamação, no que se pode ser identificado como uma florescente indústria da indenização.
A atual Lei de Imprensa, que completou 30 anos em 1997, é autoritária e incompatível com a democracia.
A Associação Nacional de Jornais - ANJ rejeitou a pena de prisão para editores e jornalistas por crimes de calúnia, injúria e difamação. E o o estabelecimento de multas de até 20 por cento do faturamento bruto do jornal no exercício do ano anterior, medida capaz de "quebrar" uma empresa jornalística. No entanto, uma minoria de parlamentares, contrariada em seus interesses pessoais, insiste em fazer do projeto de lei de imprensa uma mordaça para a imprensa.
O projeto da nova Lei de Imprensa tal como tramita hoje no Congresso Nacional é originário do Senado Federal, onde foi apresentado em 1991, seguindo depois para a Câmara dos Deputados. O projeto, agora, será encaminhado à votação pelo Plenário da Câmara. Não tem data marcada. Poderá sofrer emendas, inclusive, capazes de piorá-lo. Após, será enviado ao Senado Federal. O texto final do Senado irá à sanção do Presidente da República, que poderá vetá-lo, no todo ou em partes.
O ponto mais crítico do projeto, sem dúvida, é ausência de limite, bem como a ausência de parâmetros mais objetivos para referenciar o limite de indenização por dano moral. Tanto é assim que o próprio Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, declarou-se favorável ao estabelecimento de um teto para as indenizações.
As entidades empresariais do setor: ANJ (jornais), ABERT (emissoras de rádio e TV) e ANER (revistas) consideram esse ponto grave e capaz de constituir séria ameaça à liberdade de imprensa no país. A ANJ entende que é necessário estabelecer, pelo menos, a obrigatoriedade de que o autor fixe, na petição
inicial, o valor da indenização pretendida. Esta salvaguarda, não aceita pelo relator na CC], poderia reduzir substancialmente o ingresso de ações temerárias, pois o autor passaria a correr o risco de pagar custas e honorários no caso de a ação ser julgada improcedente. Diante desse fato, a ANJ e as demais entidades do setor divulgaram, no dia 05 de outubro último, um Manifesto à Nação alertando para a ameaça à liberdade de imprensa representada pelo texto da nova Lei tal como tramita no Congresso Nacional.
Como se não bastasse a ameaça representada pelo texto da nova Lei de Imprensa, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal aprovou, em setembro último, um projeto de lei de autoria do Senador Roberto Requião regulamentando especificamente o "Direito de Resposta". De acordo com
sua proposta, o veículo que descumprir determinação judicial de concessão de resposta sofrerá multa no valor correspondente a 1 % de seu faturamento por dia de descumprimento.
A ANJ reconhece alguns avanços, em relação à lei de imprensa atual, mas constata que existem pontos negativos e riscos à liberdade de imprensa. São reconhecidos avanços nos campos de garantia do sigilo da fonte, direito de resposta.
Pontos negativos:
Indenizações sem limite de valor contra veículos de comunicação, multas elevadas contra jornalistas,
prisão de jornalistas, ainda que como pena decorrente de condenação, não cumprida, de serviços prestados à comunidade e possibilidade de apreensão de jornais, conforme previsto em leis especiais.
Processos em andamento conforme a Lei autoritária
Nos últimos meses, penas sucessivas e progressivas, de alto valor, têm sido impostas aos jornais.
Registre-se que, curiosamente, quando a ação é de iniciativa de funcionário do Poder Judiciário, a tramitação pode ser rápida. Quando o processo é de ataque sofrido por jornalistas ou veículo de imprensa, persiste a lentidão comum.
Em Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, o jornal semanário Debate, com um faturamento bruto mensal de apenas US$ 8 mil foi condenado, em agosto passado a pagar uma indenização por danos
morais a um promotor e um juiz no valor aproximadamente de US$ 340 mil. Se a mesma proporção relativamente ao faturamento fosse aplicada a um dos grandes jornais brasileiros, a indenização seria da ordem de US$ 1,7 bilhão. Caso semelhante ocorreu também em agosto, no estado do Maranhão onde os jornais locais foram condenados a pagar elevadíssimas indenizações por danos morais. No caso do O Estado do Maranhão, de propriedade da família do ex-presidente José Sarney, o valor fixado
foi de 30 mil salários mínimos - o equivalente a cerca de US$ 3,36 milhões.
Principais incidentes de cerceamento, censura e intimidação que afetaram à liberdade de imprensa:
23 de abril - A diretoria do Clube de futebol Vasco da Gama, do Rio de Janeiro proibiu o acesso de alguns jornalistas ao seu campo de futebol, enviando cartas às direções de emissoras de rádio, televisão e de jornais, sugerindo a não escalação dos profissionais.
24 de abril - O jornalista Fernando Veloso, à época colunista político do Diário de Pernambuco, juntamente com seus familiares, recebeu uma série de ameaças em decorrência de sua atividade profissional.
A mulher de Fernando Veloso, jornalista, Edna Nunes, sofreu dois ataques, um deles com violência física.
29 de abril - Jornalistas foram feridos durante conflito entre policiais e manifestantes contrários à privatização da Companhia Vale do Rio Doce, na cidade do Rio de Janeiro.
13 de maio - Depois de uma reportagem que denunciou possível esquema de compra de votos na Câmara dos Deputados para aprovar emenda à Constituição Federal permitindo a reeleição para os
cargos de Presidente da República, Governadores de Estado e Prefeitos de Municípios, a Folha de S.Paulo recebeu telefonemas de conteúdo dúbio, sugerindo estar em risco a integridade física dos jornalistas responsáveis pela apuração do caso.
20 de junho - O Diário de Bauru foi impedido pela Justiça de noticiar fatos relativos à Fundação Oftalmológica do município de Bauru, Estado de São Paulo. O juiz Yuji Uchiyama, da 1'. Vara Cível da Comarca de Bauru, acatou pedido judicial da Fundação e proibiu a seqüência do noticiário sobre cirurgias
que não teriam sido realizadas e foram pagas com superfaturamento.
9 de julho - A polícia do Rio de Janeiro desencadeou uma perseguição a testemunha de crime ocorrido no "Bar Bracarense", que foi ouvida pelo Jornal do Brasil na condição de fonte para reportagem sobre a eventual autoria. A Polícia pressionou o JB para que entregasse a lista de seus assinantes a fim de que
pudesse identificar um possível informante. Paralelamente, o juiz Sidney Rosa da Silva, do 4'. Tribunal do Júri do Rio de Janeiro, solicitou ao JB a apresentação, no prazo de 72 horas, da lista de todos os seus assinantes residentes na rua onde aconteceu o crime.
19 de agosto - Policiais Militares do Estado de Minas Gerais, cumprindo determinação de busca e apreensão da Justiça Militar invadiram o jornal O Tempo, de Belo Horizonte, exigindo os negativos de fotos tiradas durante manifestação de soldados da Polícia Militar por melhores salários.
15 de setembro -O promotor público Marcos Roberto Funari, da cidade de Taquaritinga (Estado de São Paulo) "solicitou" à unidade local da Polícia Militar que não fornecesse mais a terceiros "incluindo a imprensa" dados que identificassem pessoas detidas a menos que estas emitissem autorização por
escrito. Em protesto, os jornais semanários e as emissoras de rádio locais passaram a divulgar notícias paroquiais (horários de missas, notícias sobre batizados e receitas culinárias).
Agressões registradas neste período:
2 de abril - O repórter-fotográfico José Alves Filho, do jornal Meio Norte, de Teresina, Piauí, foi preso, humilhado e a sua família torturada por policiais do 8". Distrito Policial daquela cidade. As agressões foram uma retaliação contra o jornalista, que fotografou o agente policial Francisco Soares Rocha torturando 23 jovens com palmatórias.
14 de abril - Quando realizava entrevista sobre pagamento de seguro de acidentes pessoais à prefeita Germínia Venturolli, de Araçatuba (SP), a jornalista Alessandra Nogueira Andrade, da Folha da Região, foi agredida verbalmente pelo chefe de gabinete, Sylvio José Venturolli. O fato ocorreu em 14 de abril
de 1997.
28 de abril - Foi incendiado o carro do jornalista Sérgio Heidrich, proprietário do jornal Univale, com sede no município de Portão, estado do Rio Grande do Sul. Depois de publicar reportagens sobre tráfico e consumo de drogas por adolescentes, Heidrich recebeu uma série de telefonemas anónimos.
Dias depois uma bomba da fabricação caseira destruiu o carro do jornalista.
27 de maio -O repórter-fotográfico Cario Wrede, do Jornal do Brasil, foi agredido quando fazia cobertura de enterro de traficantes de drogas na favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro. Foi aconselhado por policial da 17'. Delegacia de Polícia da cidade do Rio de Janeiro a "não levar o caso adiante".
16 de junho -O fotógrafo César Loureiro, do jornal O Globo, foi agredido com um soco pelo suboficial da reserva da Marinha, Alfredo da Silva. A agressão ocorreu em Campo Grande, Zona Oeste do Rio de Janeiro, quando o militar saía do escritório do seu advogado. O militar é suspeito da prática do crime
de descaminho (venda de mercadorias importadas sem cobrança do imposto correspondente, art. 334 do Código Penal).
Apuração de assassinatos:
No dia 21 de março de 1995, o jornalista Zaqueu de Oliveira, editor do jornal Gazeta de Barroso, em Minas Gerais, foi assassinado a tiros pelo açougueiro José Carlos de Souza. O crime aconteceu após uma discussão sobre matéria publicada no jornal. O jornalista denunciava a mulher do comerciante
como a pessoa que armava o esquema de corrupção da Prefeitura de Barroso, aproveitando-se do seu cargo de secretária do prefeito. Tendo em vista o prazo decorrido e a não evolução do processo, no dia 11 de novembro de 1996 uma comissão de parlamentares e profissionais esteve nas cidades de São João
Dei Rei, Barroso e Barbacena, em Minas Gerais, para acompanhar a apuração do crime. A visita contou com o apoio da ANJ. A comissão constatou que somente naquela data, 11 de novembro de 1996, o inquérito policial havia sido despachado para apreciação do Ministério Público do Estado. O atraso
ultrapassava 18 meses, já que o prazo legal é de 30 dias, e, segundo a juíza Márcia Nonato da Silva, da 1 '. Vara Criminal de Barbacena, a demora ocorreu em razão das sucessivas prorrogações solicitadas pela Polícia Civil. Está marcada em 15 de novembro deste ano audiência para depoimento das testemunhas
de acusação, segundo a juíza Márcia Nonato da Silva.
Em 1" de maio de 1995, o proprietário do jornal O Independente, do município de Rio Verde, Estado de Goiás, Marcos Borges Ribeiro, foi morto em sua residência, na presença da mulher, Cimei Cristina de Oliveira. Ribeiro havia publicado denúncias de desrespeito aos direitos humanos por parte da polícia
de Rio Verde e de irregularidades na administração pública. Ele anunciou que estava sendo ameaçado pela Policia para não fazer novas denúncias. A morte ocorreu logo depois. Em 31 de outubro de 1995, os policiais civis Gláudio dos Reis Santana e Joana D'Arc de Souza foram denunciados pelo Ministério Público como autores do assassinato. A audiência para depoimento das testemunhas de defesa está marcada para o 2º semestre de 1997.
Em 12 de maio de 1995, o jornalista Aristeu Guida da Silva, dono do jornal A Gazeta de São Fidélis, foi assassinado com sete tiros, em São Fidélis, Rio de Janeiro. Ele vinha recebendo ameaças por publicar matérias de supostas irregularidades praticadas na Câmara de Vereadores. O processo tramita desde 2
de abril de 1997 na Vara Criminal de São Fidélis. São quatro os réus: três estão presos e um - vereador do município - em liberdade, conseguida por meio de Habeas Corpus. Até agora só foram ouvidas testemunhas de um dos quatro réus.
Em 29 de agosto de 1995, Reinaldo Coutinho de Silva, dono do Cachoeiras Jornal, de Cachoeira de Macacu, Rio de Janeiro, foi morto com 14 tiros num sinal de trânsito de São Gonçalo. O jornalista havia divulgado denúncias que culminaram na prisão de policiais militares. Preparava-se para veicular
notícias comprometendo a administração de um ex-prefeito e tinha entre seus inimigos um empresário.
O inquérito policial, iniciado na 72'. Delegacia de São Gonçalo, foi enviado, no dia 23 de janeiro de 1996, para a 2'. Central de Inquéritos do Rio de Janeiro. Depois, foi remetido para a 2'. Divisão de Defesa da Vida, em 3 de abril de 1996, onde aguarda cumprimento de diligências solicitadas pelo
Ministério Público do Estado. Até agora, investigações não apontaram autoria para o crime.
Madrid, Espanha