Bolívia

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O Banco Unión negou créditos hipotecários a quatro jornalistas por considerar que a profissão faz parte de um “setor sujeito a influências, segundo explicação dada por funcionários desta instituição financeira que atribuíram a medida a uma “política interna”. Logo depois, o Banco informou que não restringe créditos a jornalistas e que era falsa a informação publicada pelo jornal El Deber de Santa Cruz de la Sierra neste último 21 de outubro, embora o comunicado tenha admitido que um funcionário deu “informação equivocada devido a um erro de interpretação”. O jornal ratificou a informação, com base nos testemunhos e gravações das funcionárias do banco. Este não é um caso de violação da liberdade de expressão, mas ilustra uma animosidade crescente e variada contra a mídia e os jornalistas independentes. O fato mais grave neste período é a recente aprovação da lei contra o racismo e discriminação social, contendo os artigos 16 e 23. O primeiro estabelece a retirada de circulação usando-se qualquer sofisma contra a mídia e seus proprietários que não estejam alinhados com a posição oficial. O segundo estabelece a aplicação do Código Penal contra os jornalistas, atropelando a autorregulação e a lei de imprensa em vigor. Como consequência do artigo 16, os editores de notícias se defrontam com o dilema de exercer uma censura prévia vergonhosa ao eliminar palavras, frases ou orações que possam ser consideradas racistas ou discriminatórias, ou correr o risco de provocar a suspensão da licença do veículo de comunicação. A SIP alertou que a lei contra o racismo e a discriminação social vergonhosamente desvirtuada em sua nobre finalidade, “não poderá alcançar a sua verdadeira dimensão nem seus fins sociais e humanos se estabelecer a censura prévia mediante a imposição de severos castigos contra o direito público de saber”. O canal governamental e todo o aparelho de comunicação oficial assumiram a tarefa de tentar desacreditar os jornais, emissoras de rádio e redes de televisão privadas, e criaram e divulgaram uma classificação dos meios de comunicação mais racistas. Um caso serve como exemplo desta “guerra suja”: é o das ameaças que surgiram no seio do Conselho Municipal da cidade de mineração de Oruro de processar em juízo o jornal La Patria, acusando-o de discriminar os membros do conselho por usar a palavra “concejiles” em vez de “Honorables Concejales”, sendo as expressões sinônimos reconhecidos pela Real Academia de la Lengua Española. Em uma missão recente, a SIP constatou no próprio local que o jornalismo independente e a liberdade de expressão enfrentam o maior risco desde a recuperação da democracia boliviana há 28 anos. Um risco decorrente de uma lei nobre e justa à qual, entretanto, foram incorporados, com embuste e fraudulentamente, os dois artigos questionados que a Comissão Legislativa correspondente resolveu manter inalterados, conforme pedido público efetuado pelo próprio presidente Morales de não mudar “nenhuma vírgula” e se fazendo de surdo perante os protestos e mobilizações de diversas organizações de imprensa bolivianas e estrangeiras. Morales ignorou também o pedido da diretoria da Asociación Nacional de la Prensa (ANP) em uma reunião às 5 h da madrugada, para que determinasse à maioria parlamentar do seu partido a eliminação dos dois artigos questionados, para evitar o desgaste de sua própria imagem como democrata. O vice-presidente Álvaro García Linera considera como “tema secundário” as limitações à liberdade de imprensa e expressão, e acrescentou que os jornalistas devem se dar por satisfeitos com a lei, ao contrário de alguns donos de meios de comunicação. Contrariando García Linera, mais de meio milhão de pessoas assinaram uma petição apoiando a iniciativa de reforma da lei. Deve-se ressaltar a histórica mobilização da imprensa que incluiu a publicação nas primeiras páginas de todos os jornais do país, exceto um, da mensagem “sem liberdade de expressão não há democracia”, além de uma greve de fome que se prolongou por vários dias em diversas regiões do país. Desde a reunião em Aruba, diminuíram as agressões a jornalistas e meios de comunicação, talvez porque os golpes e insultos foram substituídos por decretos e leis de mordaça, embora ainda haja registros, segundo a ANP, de 99 agressões a jornalistas e 62 meios de comunicação, inclusive estatais.

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