A crise da institucionalização, o desmantelamento do estado de direito e o atropelamento da norma de separação e independência dos poderes do Estado continuam se agravando de modo dramático, ameaçando os fundamentos da democracia representativa e tudo isso para conseguir a reeleição inconstitucional do presidente Daniel Ortega.
Parte do atropelamento pelo governo do estado de direito tem sido a destituição sem o devido processo de vários prefeitos, dos poucos que não foram vítimas de fraude nas eleições de novembro de 2008. Além disso, diversos outros prefeitos foram convencidos a abandonar seus partidos para cooperar com a Frente Sandinista.
O governo está usando o Ministério do Trabalho (MITRAB) e o Instituto Nicaraguense de Seguro Social (INSS) para intimidar as empresas privadas mediante inspeções e auditorias constantes. O jornal La Prensa está entre as vítimas desta intimidação. De setembro de 2009 até agora, o Ministério do Trabalho efetuou cinco inspeções e auditorias, e o Seguro Social (INSS) já realizou quatro.
La Prensa decidiu rescindir os contratos de seis entregadores de jornais por assinatura para melhorar seus serviços para os clientes, o que fez os demais 17 subcontratantes de entrega boicotar a saída dos jornais, acarretando a suspensão do contrato comercial existente com estas pessoas. O Ministério do Trabalho ordenou por resolução a reintegração como funcionários dos 23 entregadores que prestavam este serviço como subcontratantes, cujos contratos haviam rescindido em 12 de agosto por terem bloqueado 23 rotas de distribuição do jornal, afetando 3.500 assinantes e leitores em Manágua. A resolução afeta a liberdade de imprensa porque tira do jornal a sua autonomia e independência e viola a livre contratação garantida pela Constituição.
A ministra do trabalho, Jeannette Chávez, acusou La Prensa de haver despedido em massa e de modo ilegal 23 pessoas, algumas das quais seriam membros de um suposto sindicato de trabalhadores do La Prensa, do qual a empresa não tinha conhecimento. A ministra ameaçou que, em caso de não cumprimento desta medida, o MITRAB imporia multas ao jornal.
Os diretores do La Prensa iniciaram a sua defesa formal perante as autoridades trabalhistas, sustentando que os 23 entregadores não faziam parte do seu quadro de funcionários, que por isso não existe um sindicato de trabalhadores do jornal e que tinham provas de que estes entregadores trabalhavam em outras empresas depois de fazer entregas do jornal durante somente três horas, e, por isso, a empresa precisou contratar novos entregadores para garantir a circulação do jornal.
La Prensa interpôs um recurso extraordinário no contencioso administrativo, na Corte Suprema de Justiça, contra as resoluções do MITRAB. Nos tribunais de Manágua onde os entregadores interpuseram uma ação trabalhista, o diário apresentou uma arguição de falta de competência, por não ser este caso um julgamento de natureza trabalhista e sim de ordem civil.
Grupos de choque orteguistas liderados por sindicalistas governistas da FSLN se colocaram em frente ao portão das instalações do La Prensa, apoiados com morteiros e alto-falantes, para exigir a reintegração dos entregadores do jornal.
As rádios de notícias estão desaparecendo pouco a pouco. Apesar disso, enquanto um grupo de rádios luta por sobreviver, as emissoras partidárias do governo recebem investimentos milionários e as transmissões de seus programas estão cheias de anúncios oficiais. Em Manágua, registrou-se o fechamento de quase vinte rádios de notícias e no interior do país a situação é ainda pior, já que nenhum funcionário do governo tem autonomia para contratar publicidade e a programação das empresas privadas está diminuindo.
As emissoras de rádio e televisão continuam sendo neutralizadas ou compradas por pessoas vinculadas ao governo, com uma diversidade de notícias cada vez menor. Enquanto isso, a propaganda para a reeleição de Ortega inunda as cidades com anúncios descomunais. A lei eleitoral proíbe este tipo de propagada antes da campanha política, no entanto, ela é feita diretamente com a colocação do retrato de Ortega, das siglas do partido e do número do partido na cédula eleitoral da FSLN nas faixas e cartazes.
A retórica do presidente Ortega contra a mídia independente diminuiu com a chegada do período eleitoral. Em uma entrevista no final de agosto com o Canal RT de televisão da Rússia, o presidente disse que trava uma luta contra os meios de comunicação, que o inimigo tem a mídia e é poderoso, embora revele satisfação por ser esta uma ferramenta que também temos à nossa disposição.
Houve poucas informações oficiais sobre a epidemia de leptospirose, que já tirou a vida de 16 pessoas, e uma ausência de informações dadas pelo governo sobre a epidemia de vírus H1N1 que varreu o país no ano passado.
O embargo de informações oficiais aos meios de comunicação ainda prevalece, assim como permanece o boicote permanente da mídia independente. No juramento do ex-vice-presidente liberal Alfredo Gómez Urcuyo como deputado na Assembleia Nacional, as autoridades do Conselho Supremo Eleitoral (CSE) boicotaram o trabalho da imprensa nacional ao impedir que os jornalistas da mídia independente fizessem a cobertura da cerimônia.
No ato ingressaram somente os jornalistas que trabalham para mídia afinada com a Frente Sandinista de Liberación Nacional (FSLN) que está no governo, como a Nueva Radio Ya, Canal 4 e Canal 8. Quando os jornalistas da mídia independente tentaram entrar, os guardas da segurança fecharam os portões e disseram que tinham ordens de impedir sua entrada. Entre os meios de comunicação barrados estão La Prensa, El Nuevo Diario, Canal 2, Canal 11 e Radio Corporación.
O mesmo aconteceu em 28 de outubro, quando o Conselho Supremo Eleitoral convocou eleições gerais para a presidência e a Assembleia Nacional em novembro de 2011, sem convidar a mídia independente, que, apesar de comparecer ao ato, não recebeu permissão de entrar no local.
Madrid, Espanha