Argentina

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O falecimento do ex-presidente Néstor Kirchner teve um impacto decisivo na política argentina, e o relacionamento com a mídia não foi uma exceção. Com Kirchner, os ataques à liberdade de expressão eram investidas diretas e agressões ferinas que nos últimos tempos eram feitas sempre que ele aparecia em público, e que chegaram a popularizar slogans e frases que colocavam alguns jornais como centro das reclamações. Com a atual presidente Cristina Fernández, as queixas quanto ao conteúdo das publicações dos meios continua sendo uma das principais preocupações do governo. A identificação, pelo governo, do exercício da liberdade de expressão como um inimigo, também se manteve. Mas os problemas importantes continuam, como a agressão sofrida, principalmente pelo jornal Clarín, por um grupo de cinquenta sindicalistas do setor gráfico da empresa, que impediram a distribuição da edição de domingo, 27 de março. Este foi um dos incidentes de intimidação mais graves já enfrentados pela empresa. O bloqueio, que também foi encorajado pelo líder do sindicato dos Caminhoneiros, Hugo Moyano, durou doze horas, e afetou, em menor escala, o jornal La Nación. As ações continuaram apesar de representantes da empresa terem reclamado no início do dia junto às cortes e à polícia. Os policiais estavam presentes, mas não agiram. Esta atitude de cercear o direito à livre circulação dos jornais, mediante a coação e sem que os afetados recebessem a menor defesa por parte das autoridades, e inclusive desobedecendo decisões judiciais expressas, constitui uma violação gravíssima da liberdade de expressão. Estes incidentes vêm se repetindo com mais intensidade desde janeiro. No final de dezembro, uma decisão judicial ordenou que os órgãos pertinentes garantissem a liberdade de expressão. A justiça decidiu, mediante uma medida cautelar, que é um sintoma de violação de uma garantia constitucional o fato de a ministra de Segurança, Nilda Garré, ter adotado as medidas necessárias para proteger os bens em questão, entendendo-se que o direito de se manifestar não pode cercear a livre expressão. Pediu que fossem adotadas todas as decisões para garantir a livre circulação de jornais, o que é a base do direito constitucional da liberdade de informação dos cidadãos. As medidas judiciais foram ignoradas pelas autoridades e os atos de coação continuaram, sem que o governo tomasse qualquer medida. O bloqueio do La Nación foi suspenso às 3 horas da madrugada e o do Clarín ao meio-dia. Apesar de o motivo declarado do bloqueio ter sido uma queixa trabalhista nas Artes Gráficas Rioplatenses (AGR), onde são impressos revistas e folhetos, a juíza responsável na ocasião, Nora González Rosselló, decidiu, em janeiro, em uma medida cautelar, que o ministério de Segurança ordenasse que todos os meios e não só os delegados da AGR e das organizações que representam, mas também qualquer pessoa ou grupo abstenham-se de qualquer conduta que possa criar obstáculos à entrada e saída normal de pessoas ou bens industriais da companhia gráfica Arte Gráfico Editorial Argentino (AGEA). Esta foi uma das ordens que não foi cumprida durante o bloqueio. Uma ordem de outra corte baseada em evidência de um flagrante criminal em 27 de março, foi que a polícia devia dar um fim imediatamente ao ato ilegal. E outra ordem que ainda não foi cumprida foi que os manifestantes fossem identificados e filmados e que isso fosse imediatamente denunciados à promotoria. O juiz federal responsável na época disse que não foi consultado em nenhum momento, apesar de a Polícia Federal ter emitido um comunicado no qual dizim que havia ligado para a corte,mas que as chamadas não haviam sido respondidas. A ministra de Segurança, por sua vez, declarou que esta era uma disputa antiga. Foi convocada a esclarecer os eventos perante três comissões de deputados, mas não compareceu. O jornal, por sua vez, denunciou uma extorsão e apresentou à justiça um vídeo que mostra um dos manifestantes exigindo 9 milhões de pesos e que ameaça bloquear o jornal. Neste vídeo podem ser vistos também os contatos dos manifestantes com sindicalistas controlados por Hugo Moyano e com órgãos do governo. A promotoria acusou o manifestante de extorsão e ordenou que fossem apresentadas mais provas. Por sua vez, membros do Senado repudiaram por unanimidade o bloqueio ao Clarín e ao La Nación. A SIP anunciou que vai enviar uma missão em 4 de maio para analisar os problemas mais prementes da imprensa argentina, e pedirá uma audiência com a presidente. O presidente da SIP, Gonzalo Marroquín, qualificou como um grave atentado à liberdade de imprensa os bloqueios que impediram a livre circulação dos meios de comunicação. Havia antes condenado as interrupções nas edições dos jornais e pediu que o governo tomasse medidas imediatas para que estas ações fossem punidas. Reiterou também que o governo deve encorajar uma atitude de tolerância para com o trabalho dos jornalistas para garantir o respeito à liberdade de expressão e evitar atitudes agressivas. Várias entidades expressaram seu repúdio pela pressão sobre os jornais. Para a ADEPA (Asociación de Entidades Periodísticas Argentinas), “a criação de obstáculos para as publicações constitui um dos mais graves atentados à liberdade de imprensa e também um delito previsto no Código Penal. A obstrução à distribuição do jornal ficará marcada como um dos dias mais obscuros na história em matéria de liberdade de expressão”, disse a entidade em um comunicado. Esta campanha de descrédito foi questionada pela Associação Mundial de Jornais (WAN, World Association of Newspapers), na sua primeira conferência latino-americana que acaba de ser realizada na Colômbia. A Associação pelos Direitos Civis denunciou a existência do que chamou de censura indireta por meio de mecanismos mais sofisticados e menos visíveis que se escondem por trás do exercício normal dos poderes do Estado. Tampouco foi possível dissipar o clima de tensão que devem enfrentar os jornalistas que não concordam com a ótica oficial, que frequentemente recebem acusações públicas e são alvo de ataques dos meios oficiais e dos controlados pelo governo. O confronto afeta também os meios de comunicação, jornalistas e consultores financeiros. A perseguição foi apontada pelo jornalista Luis Majul. Outros, como Jorge Lanata, reclamaram que não podem trabalhar no país. Joaquín Morales Solá, colunista do jornal La Nación, denunciou ter sofrido perseguições na rua e escutas telefônicas que atribuiu à Secretaria de Inteligência (SIDE). Apesar de esta política de desencontro com a imprensa ter reinado durante anos, a presidente anunciou em março que os conflitos devem terminar urgentemente. Esta foi uma noticia positiva, e espera-se agora que as palavras se transformem em ação, o que ainda não aconteceu. Outro evento que merece destaque foi o fato de o secretário-geral da Confederación General del Trabajo (CGT), Hugo Moyano, ser investigado pela justiça suíça, a qual pediu que a justiça argentina apresentasse documentação relativa às ações judiciais às quais ele responde para determinar se está ou não envolvido em um caso de lavagem de dinheiro. Depois de anunciar uma greve geral e suspendê-la, convocou um boicote aos meios e logo disseram na entidade que a medida tinha a mídia como alvo, contra a qual ele moveu ação, com acusação de fraude. A Corte Suprema de Justiça interveio para ratificar a legitimidade do pedido suíço e para que fosse divulgado no web site da Corte de Justiça. Houve neste período um nítido avanço institucional quando a Corte Suprema de Justiça, por unanimidade, deu razão ao jornal Perfil em uma ação movida contra o governo federal por discriminação na pauta oficial. A ação havia sido impetrada em 2006 por sugestão feita um ano antes pelo então presidente da SIP, Alejandro Miró Quesada, diante da evidente discriminação oficial contra o Perfil. Este jornal contou que Miró Quesada lhe havia pedido para mover a ação judicial para que se transformasse na “voz dos outros meios os quais, por serem de menor porte, não tinham condições de fazê-lo por correrem o risco de sucumbir diante das represálias previstas por parte do governo”, segundo escreveu Gustavo González, chefe de redação da Editorial Perfil. A publicidade oficial foi se transformando em uma forma de premiar os meios partidários do governo e castigar seus oponentes. E agora a Corte começou a frear esta perigosa manipulação. Com esta administração caprichosa da pauta publicitária, foi-se construindo uma rede de meios privados e de produtoras de TV sustentadas exclusivamente pela publicidade oficial. Neste sentido, chamou a atenção uma operação de venda de cinquenta por cento de um conglomerado de jornais, rádios e páginas de Web, e revistas que apóiam o governo, a dois novos empresários no setor da mídia. Estes movimentos nos meios de comunicação chamam a atenção porque, apesar de serem operações privadas, podem estar se constituindo com amparo de uma injeção de fundos provenientes da pauta oficial. Foi exatamente por causa disso que a Corte tomou sua decisão histórica de exigir que o governo defina critérios razoáveis para investir o dinheiro da publicidade oficial. O governo prometeu acatar a decisão judicial. A Câmara Civil e Comercial Federal suspendeu uma decisão do Ministério de Comunicações que no ano passado havia decidido pela expiração da licença da Fibertel, provedora de Internet no mercado de banda larga e que pertence ao Grupo Clarín. Outra medida desproporcional ordenada pelo juiz federal Ramón Claudio Cháves provocou o fechamento do Canal 4 da cidade de Posadas, província de Misiones, devido a uma disputa entre os acionistas na qual estava em jogo a propriedade das ações. Sofreu também problemas legais a rádio LT9, a mais antiga de Rosario, Santa Fe, depois que uma agência responsável pela aplicação da Lei da Mídia declarou que a licença de radiodifusão da estação havia expirado e nomeou uma pessoa para intervir. A ARPA (Associação de Radiodifusoras Privadas) expressou sua preocupação com a medida. O jornal La campaña de Chivilcoy, província de Buenos Aires, denunciou que foi excluído da pauta publicitária municipal porque o Secretário de Governo alegou que o município não seguia sua linha editorial. Foi lamentável que o diretor da Biblioteca Nacional, Horacio González, e um grupo ligado ao governo denominado Carta Abierta, descreveram como insulto o fato de que se tenha convidado para a inauguração da Feira do Livro, em 20 de abril próximo, o prêmio Nobel de Literatura, Mario Vargas Llosa, por considerarem que seu pensamento é contra as preferências democráticas da maioria do povo. Um fato positivo foi a presidente Cristina Fernández ter solicitado a Horacio González que retirasse a crítica que havia enviado à Fundación El Libro. Continuaram as perseguições à empresa Papel Prensa, aos jornais La Nación e ao Clarín. Quanto ao acesso às informações públicas, o Senado aprovou em setembro um anteprojeto, que ainda está na Câmara dos Deputados e que não foi aprovado, apesar de terem prometido que o fariam até o final do ano passado. A Corte Suprema pronunciou-se sobre o caso do Diario Río Negro contra a província de Neuquén. Quanto à Lei de Serviços Audiovisuais (lei dos meios), vários dos seus principais artigos continuam sendo questionados, e ainda não houve decisão judicial a respeito, mas o órgão responsável pela aplicação da nova lei ainda está colocando em vigor as mudanças previstas.

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