A mudança de governo, embora resultado da eleição da candidata situacionista à Presidência da República, Dilma Rousseff, atenuou alguns dos focos de tensão entre a alta administração federal e a imprensa em torno de questões relativas à liberdade de expressão. Ao contrário do ex-presidente Lula, que com freqüência fazia comentários que revelavam sua irritação com a atuação de meios de comunicação independentes, a atual governante não é dada a pronunciamentos polêmicos e, desde seu primeiro discurso como presidente eleita, fez questão de afirmar seu compromisso com o respeito à liberdade de imprensa.
O ex-ministro encarregado da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Franklin Martins, foi substituído por uma jornalista experiente, mas que adotou um perfil diferente, focado na divulgação dos atos do governo sem fazer como seu antecessor, que politizou a comunicação oficial. Com isso, perderam força, embora sem desaparecer por completo, as propostas de regulamentação da mídia que tinham Martins por seu principal defensor.
O novo governo tomou posse em 1º de janeiro, e debate político apenas se reinicia devido às férias de verão e ao carnaval, que, como de praxe, fazem com que o Congresso Nacional suspenda suas atividades normais. O reinício da atuação parlamentar deve trazer consigo o debate em torno de temas tão recorrentes e problemáticos no que se refere à liberdade de expressão, como as propostas sobre regulação e controle social da mídia, de cerceamento da liberdade de expressão comercial e de introdução no texto constitucional de dispositivo inconstitucional, originário de decreto-lei do regime militar, estabelecendo a exigência de diploma de curso superior em jornalismo para a o exercício da profissão de jornalista.
No que se refere ao Poder Judiciário, uma das primeiras medidas da nova presidente foi nomear o 11º membro do Supremo Tribunal Federal, cargo que se encontrava vago desde o segundo semestre de 2010. A nomeação não altera a composição da Suprema Corte, amplamente favorável aos princípios relacionados à Liberdade de Expressão. Essa situação, entretanto, não impede que, em instâncias inferiores do Judiciário sigam proliferando visões voluntaristas e anticonstitucionais que dão margem a sentenças de natureza censória e atentadoras à liberdade de expressão.
Lembrando um caso emblemático, está ainda pendente de julgamento recurso contra decisão proferida pelo Desembargador Dacio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, proibindo a publicação, pelo jornal O Estado de S. Paulo, demais veículos do Grupo Estado e por qualquer veículo que assine os serviços editoriais do grupo, de reportagens contendo informações resultantes das gravações obtidas pela Polícia Federal do Maranhão, sobre supostas irregularidades praticadas pelo empresário Fernando Sarney, filho de José Sarney, Presidente do Senado e ex-Presidente da República, sob pena de, em caso de descumprimento, incorrerem em multa de R$ 150 mil para cada ato de violação do presente comando judicial. Depois de já ter proferido três decisões confirmando a censura, aquele Tribunal se declarou incompetente para julgar o assunto, afastou o Desembargador Dacio Vieira do caso, mantendo, contudo, sua decisão, e transferiu o caso para a Justiça Federal Cível de primeira instância no Maranhão. Em 29 de janeiro de 2010, o jornal recusou-se a aceitar o pedido de desistência da ação pelo empresário Fernando Sarney. Em manifestação entregue ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal, O Estado de S. Paulo afirmou que preferia o julgamento final do mérito do caso a ficar a mercê de uma precária 'desistência' sujeita aos vindouros e indevassáveis caprichos do autor (Fernando Sarney).
Seguem-se os casos registrados entre nos últimos seis meses.
23 de março de 2011, Na manhã desse dia, o blogueiro Ricardo Gomes sofreu atentado à bala, em Copacabana, Rio de Janeiro. De acordo com policiais do 19º Batalhão de Polícia Militar, o blogueiro foi atingido por três tiros (na cabeça, no pescoço e no ombro direito), depois de abordado por homens que ocupavam um carro de cor prata. Gomes tem criticado duramente as autoridades estaduais e municipais, mas em suas postagens mais recentes tratou do tráfico de drogas, afirmando que um "empresário" que abasteceria a Favela da Rocinha de cocaína estaria de volta às ruas. Revelava também que voltaram à cidade integrantes da quadrilha do traficante Nem (Antônio Francisco Bonfim), envolvidos em tiroteio em hotel. A ANJ insistiu junto às autoridades policiais para que intensifiquem as investigações sobre os autores do atentado e suas motivações e providencie a devida proteção ao blogueiro, que se encontra hospitalizado, diante das evidências de que o ataque visava assassiná-lo.
11 de março de 2011, O jornalista Alexandre Rolim, do noticiário Parecis, registrou Boletim de Ocorrência na polícia local acusando o prefeito Mauro Berft, de Campo Novo do Parecis, no Estado do Mato Grosso, de tê-lo ameaçado e agredido. Em encontro no departamento de cultura da cidade, Berft interpelou o repórter acusando-o de ter falado que o mesmo fora vaiado no carnaval e ameaçando-o com a advertência toma cuidado com o que você fala, além de pressionar o ombro do jornalista contra uma mesa do escritório, o que foi presenciado por uma testemunha. Rolim registrou Boletim de Ocorrência e passou por um exame de corpo delito, sendo constatada lesão em seu ombro.
4 de março de 2011, A blogueira Adriana Vandoni foi proibida pela Justiça do Mato Grosso de citar em sua página pessoal - Prosa e Política - o nome do deputado estadual José Geraldo Riva (PP), que chegou a ser cassado no começo do ano e que responde a 118 ações do Ministério Público. Adriana, tem contra si seis ações judiciais, uma liminar de censura que dura mais de um ano e meio. Em 03 de março, ela anunciou, que resolveu deixar o jornalismo definitivamente.
4 de março de 2011, Horas depois de circular a edição do jornal O Popular, de Goiás, do dia (03/03), com reportagem sobre uma investigação da Polícia Federal Operação Sexto Mandamento sobre a existência de um grupo de extermínio, envolvendo efetivos da ROTAM, sem qualquer justificativa e com o claro intuito de intimidação, um comboio composto por viaturas da unidade policial percorreu ruas da cidade, passando diante da sede de O Popular com sirenes acionadas. Em 16 de março, uma espécie de folheto virtual com a mensagem "PM de Goiás - O inimigo agora é a imprensa" passou a ser difundido pela internet em Goiás. A Polícia Militar, por meio de sua assessoria, afirmou que a campanha "não reflete o pensamento da instituição". A editora-chefe de O Popular, Cileide Alves, disse que os repórteres deixaram de assinar as reportagens sobre o caso e que as situações de ameaça estão sendo informadas à Secretaria da Segurança Pública de Goiás.
22 de fevereiro de 2011, O jornal Correio Popular, de Campinas (SP), informou na edição de 21/02 que policiais dificultavam o trabalho da imprensa ao impedir a consulta aos boletins de ocorrência (BOs) nas delegacias de polícia da cidade. Segundo noticiou o jornal, o delegado corregedor da Polícia Civil, Roveraldo Battaglini, determinou que tais informações não fossem mais disponibilizadas aos jornalistas, sob pena de serem processados. A decisão teria sido motivada pela divulgação, por uma emissora de TV de imagens de um BO do qual que constava o nome da esposa do delegado Battaglini - supostamente envolvido em um caso de desvio de medicamentos de um hospital público. Hoje 46 policiais civis - inclusive delegados - respondem ao processo de quebra de sigilo funcional por conta do episódio. Em 22 de março, o jornal publicou nova matéria sobre o caso com esclarecimentos do corregedor, dando por encerrado o caso.
13 de janeiro de 2011, O jornalista Luis Cardoso recebeu seguidas ameaças de morte após publicar textos sobre o pedido de prisão do prefeito Manoel Mariano de Souza, da cidade maranhense de Barra do Corda, que está foragido. Por precaução, Cardoso já pediu proteção à Secretária de Segurança Pública e à Polícia Federal. Nenhum funcionário da Prefeitura de Barro do Corda quis se pronunciar sobre o tema, alegando inverdades nas palavras do jornalista Luis Cardoso.
6 de janeiro de 2011, Uma equipe de reportagem da RBS TV, afiliada da TV Globo em Santa Catarina, foi agredida enquanto investigava uma denúncia do Ministério Público (MP) contra empresários de Indaial, no Vale do Itajaí. O repórter Francis Silvy foi agredido com socos no rosto. Após a agressão, ele, o cinegrafista Márcio Ramos e seu auxiliar, Andrei Luiz, foram ameaçados com uma arma de fogo. Além disso, vidro do carro da reportagem foi quebrado. A equipe estava no estacionamento do shopping atacadista Vitória Régia, gravando cenas externas, quando o dono do imóvel, Vilmar Gaio, o filho dele, Diego Gaio, e um segurança tentaram impedir a reportagem. Após a agressão, a equipe registrou Boletim de Ocorrência e fez exame de corpo de delito. A reportagem apurava denúncias do MP, de que cinco empresários da cidade entraram em um acordo para boicotar um shopping atacadista de Brusque.
4 de janeiro de 2011, O assessor de imprensa, Jorge Chahad, que atualmente trabalha para a Prefeitura de Aguaí, no interior de São Paulo, teve seu carro avariado por 5 tiros. O jornalista estava assistindo televisão em casa quando ouviu os disparos contra o seu automóvel, estacionado na garagem da residência. Para Chahad, que também escreve para o jornal da região, O Imparcial, este atentado foi uma forma de reação aos seus artigos publicados no jornal de Aguaí. Os textos publicados no periódico O Imparcial abordam esquemas de corrupção, rombos na Prefeitura local e questões que envolviam políticos que se lançam ao governo da cidade.
9 de novembro de 2010, Uma decisão judicial proibiu o site Consultor Jurídico de noticiar decisão do Conselho Nacional de Justiça em relação a processo administrativo que corre em sigilo contra um magistrado de São Paulo. A revista foi obrigada a tirar do ar reportagem publicada no dia 31 de agosto do ano passado, sobre a decisão do CNJ favorável à instauração da investigação. A decisão contra a ConJur é da juíza Ana Laura Corrêa Rodrigues, da 16ª Vara Cível do Fórum Central da capital paulista. A redação recebeu uma cópia da sentença, assinada em 8 de outubro, das mãos, não de um oficial de Justiça, mas de um representante do escritório que defende o magistrado. A multa por descumprimento foi estipulada em R$ 500 por dia.
Em 1º de abril de 2011, a revista CARAS circulou com tarjas pretas sobre o nome de uma figura do jet set internacional, ex-marido da modelo e artista Cibele Dorsa, que se suicidou no dia 26/03/2011. A modelo havia enviado para seu amigo e editor de CARAS um e-mail relatando as razões de seu gesto. O ex-marido
obteve medida judicial impedindo a publicação de seu nome e foto. Pronta para impressão, a revista recorreu às tarjas pretas para atender a ordem judicial. O Tribunal Superior revogou a decisão, posteriormente.
Madrid, Espanha