Uruguai

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A redação de um projeto de lei para a mídia foi o centro de atenção não apenas por seus conteúdos, como também por declarações contraditórias de integrantes do governo que colocaram uma grande incógnita sobre qual será o seu destino final. Apesar disso, foi positiva a afirmação do presidente José Mujica de jogar no lixo qualquer lei de imprensa que lhe fosse encaminhada. O presidente Mujica foi taxativo quando, em 6 de dezembro, em entrevista para La Nación de Buenos Aires, foi questionado sobre a lei de imprensa: “Eu sou o Presidente da República. Estou farto dessa pergunta! Farto! Não chegou absolutamente ao Presidente da República. No dia em que chegar, já disse que vai jogá-la no lixo”. O vice-presidente Danilo Astori fez a mesma declaração. Não obstante, uma comissão no âmbito da Direção de Telecomunicações continuou trabalhando em silêncio em uma Lei para Mídia sobre os Serviços de Comunicação Audiovisual, para regulamentar o funcionamento dos denominados Serviços de Comunicação Audiovisual, definidos como aqueles “cuja principal finalidade é proporcionar programas com o objetivo de informar, entreter ou educar, através de redes de comunicações eletrônicas, televisão ou radiodifusão sonora, por meio de uma oferta estável e permanente de conteúdos, com base em um horário de programação”. Esta comissão submeteu à Direção Nacional de Telecomunicações as diretrizes gerais de uma futura lei para a mídia, mas até o momento não há nada de concreto em termos de projeto de lei. Inclui sugestões muito rejeitadas pelas rádios e televisões privadas, como a adjudicação de frequências por um prazo de 10 anos, algo inexistente atualmente. A esse respeito, a Associação de Rádios do Interior do Uruguai (RAMI), que reúne 140 emissoras fora de Montevidéu, tornou pública sua rejeição dos prazos, por entender que “se levam anos para conseguir que um empreendimento jornalístico e comercial firme o seu prestígio e reconhecimento público e definir prazos para isso é um arbítrio”. Outras sugestões polêmicas, como uma política de conteúdos que inclua também a televisão para assinantes, foram registradas no relatório, embora convenha reiterar que, por enquanto, o acordado pela comissão corresponde apenas à expressão de ideias. As referências do Presidente sobre este tema se limitaram a que: “Minha única preocupação é que a mídia do Uruguai caia nas mãos de alguma multinacional estrangeira. Com certeza temos problemas no nosso espaço nacional, mas precisamos separar o joio do trigo”. Um fato que provocou alvoroço na mídia foi a decisão da empresa de energia (UTE) de cortar em 12 de janeiro a alimentação de energia elétrica de uma emissora de rádio, considerada de esquerda radical e que se caracterizou por seus duros ataques contra o governo. O motivo foi a dívida da rádio na UTE. Não teria chamado atenção se não houvesse o precedente com o matutino governista La República. Embora a rádio tenha optado (voluntariamente e “como qualquer um”, segundo sua diretora) por pagar para continuar no ar, La República teve sua dívida refinanciada, permitindo ainda que quitasse pelo menos uma parte da mesma com publicidade Ultimas Noticias oficial da própria empresa de energia. A dívida da rádio era de $287 mil (cerca de 14 mil dólares), enquanto a do matutino chegava a $6,5 milhões (cerca de 325 mil dólares). É uma “perseguição mesquinha e covarde contra a CX 36 —disse a sua diretora, Sandra Berón — porque é a única rádio de oposição ao governo”. Em 25 de janeiro, o presidente Mujica anunciou a existência de uma campanha de alguns meios de comunicação para prejudicar o seu governo. O diário disse que a reação de Mujica se devia a informações aparecidas nos matutinos El País e La Diaria que falavam de problemas e enfrentamentos entre o pró-secretario da Presidência e o ministro da Economia. Em publicação de 4 de fevereiro na revista Crasa y caretas de uma nota intitulada “A ofensiva dos investigáveis” do jornalista Roger Rodríguez, informando sobre o Foro “Liberdade e Concórdia” constituído semanas antes para defender os militares que estão sendo submetidos a processos judiciais, um militar reformado — citado em seu relatório — publicou na Internet todos os dados pessoais do jornalista, incluindo um mapa de localização do seu domicílio. Rodríguez é um jornalista que se caracterizou por suas denúncias de violações dos direitos humanos ocorridos durante a ditadura militar (1973-85). Em 10 de fevereiro, a SIP condenou a atitude de intimidação e as ameaças contra Rodríguez proferidas por militares reformados através da rede social Facebook, por considerar que são “atitudes e forças intolerantes de um passado em que o poder não respeitava as leis, a Constituição e muito menos a liberdade de expressão”. Em 9 de fevereiro, a Associação de Diários e Periódicos do Uruguai (Adypu), entidade que reúne os diários El País, El Observador e Ultimas Noticias, além dos semanários Búsqueda e Brecha, manifestou “sua inquietação” pela atitude do presidente Mujica de só convidar um diário governista e quatro canais de televisão a uma conferência de imprensa realizada em 2 de fevereiro para informar sobre temas de interesse geral e público, como as medidas fiscais relativas ao Imposto sobre Valor Agregado (IVA). A Secretaria de Comunicações da presidência confirmou à agência Associated Press que esta foi uma decisão do próprio presidente Mujica. Em 14 de fevereiro, um juiz condenou o jornalista Alvaro Alfonso a 24 meses de prisão pelo delito de difamação. O condenado cumprirá a pena em regime de liberdade de movimentação, que lhe permite permanecer em liberdade, embora sob controle judicial. O juiz penal do 10° Turno, Rolando Vomero, destacou na sentença que ficou “plenamente provado” segundo testemunhas que são “falsas” as informações tratadas por Alfonso na página 181 do livro “Segredos do Partido Comunista do Uruguai”. O jornalista sustentou que, segundo lhe confiaram fontes militares, o militante comunista Carlos Tutzó colaborou com as Forças Armadas durante a ditadura uruguaia. O juiz determinou que o jornalista agiu com a intenção de prejudicar Tutzó. A procuradora geral Ana Tellechea assinalou, segundo a sentença, que o jornalista atribuiu “de propósito e conscientemente” uma conduta “ofensiva” a Tutzó. A defesa recorreu da sentença. Sobre este episódio, cabe assinalar que a procuradora geral Tellechea também havia solicitado a apreensão de todos os livros “Segredos do PCU”, o que foi indeferido pelo juiz do processo. Vomero declarou que “não se dará provimento a este pedido. Estamos diante de um livro onde existem poucas linhas de texto difamando alguém. Segundo parecer de quem tomou esta decisão, impedir a venda de um livro seria desconhecer o que significa liberdade de expressão”.

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