Cuba

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Não houve mudanças no panorama da liberdade de imprensa. Os meios de comunicação do governo continuam sendo utilizados como veículos de propaganda, e a censura e a desinformação se mantêm inalteradas. O que realmente mudou ultimamente foi o grau e a frequência das ações repressivas contra os opositores e a mídia independente. Neste período não houve jornalistas presos, no entanto as ações de vigilância, controle e repressão não deixaram de existir. Houve um recrudescimento das detenções durante poucos dias ou horas e das agressões aos opositores com o uso da multidão ou intervenção direta da polícia. As reformas, muito divulgadas, embora timidamente realizadas, não conseguem tirar a economia cubana da sua falência nem a população de suas carências. No entanto, nenhuma das reformas aplicadas poderia ilustrar melhor a natureza ditatorial e absurda do regime do que o decreto recente pelo qual se autoriza a doação e compra e venda de carros que, para espanto mundial, foram proibidas durante 50 anos. Em outras palavras, até poucos dias os cubanos podiam ser presos se ousassem vender ou doar um carro de sua propriedade. De modo que a crise da sociedade cubana continua a se aprofundar enquanto cresce o descontentamento popular. Durante agosto e setembro o governo iniciou una onda repressiva, aberta, sistemática e violenta contra os opositores e, sobretudo, contra as Damas de Branco. Foram efetuadas várias detenções no marco das procissões, em Santiago de Cuba e Havana, para celebração do dia da Virgem da Caridade, padroeira de Cuba. Atos de repúdio, agressões policiais, detenções, ameaças públicas e privadas foram os recursos utilizados. A imprensa internacional denunciou essas ações abusivas que, apesar de tudo, não conseguiram despertar condenações em nenhum governo no mundo, nem sequer nos da América Latina. Paralelamente, iniciou-se uma campanha de descrédito contra as Damas de Branco, acusando-as de “promovidas e pagas” por Washington e de provocar desordens para “justificar agressões” contra Cuba. Durante a 67ª Assembleia Geral da SIP, em Lima, chegou a notícia do falecimento, em Cuba, de uma das fundadoras das Damas de Branco, Laura Pollán, de 63 anos, após uma longa doença, notícia que entristeceu não só a dissidência cubana, mas também todos os simpatizantes do movimento de mulheres cubanas que foram a vanguarda na luta pela liberdade e pela democracia no seu país. Ao contrário de outras épocas, quando as prisões eram ocultas ou demoravam a serem divulgadas, o uso dos celulares permitiu conhecer quase de modo instantâneo as ações policiais contra os opositores. Por isso o governo procura impedir que se tirem fotos ou gravem vídeos dos atos repressivos. No entanto, o maior uso da força e a aplicação da violência em público indicam que, por um lado, o governo desistiu de melhorar sua imagem perante a União Europeia e que terminou a aparente lua de mel com a Igreja Católica, que liderou um processo de mediação propiciando o desterro de dezenas de jornalistas do Grupo dos 75, condenados na chamada Primavera Negra, e a autorização tácita para que as Damas de Branco não fossem incomodadas em suas passeatas habituais aos domingos. A estratégia do golpe principal parece se dirigir, principalmente, contra as figuras políticas mais radicais que poderiam, em algum momento, mobilizar os cidadãos ou provocar, com suas ações, uma explosão social difícil de controlar. Nestas circunstâncias, o governo opta por enfrentar as críticas internacionais para impedir a propagação de uma ação civil organizada, decorrente do descontentamento social. Em 15 de setembro houve informações de que o psicólogo e jornalista Guillermo Fariñas e que recebeu o Prêmio Sajarov 2010, havia sido preso em Santa Clara , quando se dispunha a iniciar uma passeata de protesto com outros opositores. Em 27 de setembro, agentes da polícia política agrediram e insultaram Martha Beatriz Roque, líder destacada da oposição e dirigente da Rede Cubana de Comunicadores Comunitários (RCCC) na rua, junto com Arnaldo Ramos Lauzerique, dessa mesma organização, e Berta Soler, das Damas de Branco. Calixto Ramón Martínez, correspondente do centro de informações Hablemos Press, foi preso em 30 de setembro (desde maio havia sido detido mais duas vezes) e agora enfrenta novamente uma deportação para sua cidade de origem, Camagüey. A organização Repórteres sem Fronteiras condenou, em um comunicado de 6 de outubro, a expulsão da capital do correspondente (pela nona vez em dois anos) e argumentou que “isto acontece em um contexto novo de repressão crescente contra a sociedade civil e as organizações dissidentes”. A Anistia Internacional pediu duas vezes que Havana cesse a repressão contra as mulheres indefesas que exigem a liberdade dos presos políticos. A Comissão Cubana de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional documentou, somente em setembro, 563 detenções, o número mais alto em 30 anos. Por este motivo, a quantidade de presos políticos, longe de diminuir, aumentou. E nos primeiros oito meses de 2011 houve 2.221 detenções curtas, quase o dobro do mesmo período de 2010. O mais relevante foram os protestos públicos dos últimos meses, protagonizados em ocasiões por poucas pessoas. Outro fato novo é que as Damas de Branco intensificaram os seus protestos pacíficos nas províncias orientais, o que levou o regime a utilizar, pela primeira vez, tropas contra motins. Estes gestos inusitados contaram, em algumas ocasiões, com o apoio da população que parece estar perdendo o medo. A imprensa estrangeira também sofreu. Proibiu-se a entrada no país de um novo chefe da Agence France Presse e não foi renovada a permissão de credenciamento para Mauricio Vicent, correspondente de El País e da Cadena Ser há duas décadas. Havana alegou que o correspondente divulgava “uma imagem parcial e negativa” do país. Na Espanha, a Comissão de Assuntos Iberoamericanos do Senado aprovou em 21 de setembro uma moção do Partido Popular na qual se pede ao governo que “exija” ao regime castrista que renove o visto de credenciamento de Vicent. Além disso, a iniciativa também instou o Executivo a “denunciar a repressão progressiva” na ilha. No caso Vicent se observa uma intenção explícita de atemorizar os jornalistas estrangeiros — ameaçando-os de expulsão—, para assim controlá-los, prejudicar a objetividade de suas notícias ou silenciá-los. Na realidade, é uma prática que funciona: basta considerar como certos acontecimentos, de importância jornalística inegável, ficam sem cobertura. De modo que dar notícias a partir de Cuba é um ato de malabarismo permanente. Agora, muito mais do que antes, há uma tentativa de limitar ou impedir o acesso da população aos canais alternativos de informação. Adiou-se, até novo aviso, o início das operações do cabo submarino de fibra óptica, instalado entre a Venezuela e Cuba, algo muito comentado há meses. Ainda está pendente o acesso — mesmo sob supervisão — da população à Internet, o que continua sendo privilégio e luxo de poucas pessoas. No início de 2011, o governo ameaçou os fabricantes clandestinos de antenas parabólicas e vendedores de placas para captar sinais de televisão via satélite. Além disso, seguem as batidas policiais para desmantelar redes ilegais de televisão a cabo. Neste contexto, o governo reagiu com preocupação pelo fato de a Radio / TV Martí enviar notícias através de mensagens de texto a celulares da ilha. Cuba qualificou a medida como violação da soberania, parte de uma “guerra cibernética” empreendida pelos EUA. O contratante Allan Gross, de 62 anos, cumpre pena de 15 anos de prisão emitida em março pela acusação de cometer “delitos contra a Segurança do Estado” ao entregar equipamentos de comunicação a pessoas consideradas como de oposição. O Tribunal Supremo ratificou a condenação em agosto. Uma gestão para obter a sua liberação, feita pelo ex-embaixador dos Estados Unidos na ONU, Bill Richardson, foi abortada em Havana no meio de setembro, mas dias depois Havana enviou sinais de querer normalizar as relações com os EUA. Ao mesmo tempo, aumenta a campanha para conseguir a liberação de cinco espiões, presos desde 1998 nos Estados Unidos. Por outro lado, para alívio dos cubanos, houve nesse período uma diminuição considerável das Reflexões de Fidel Castro, provavelmente ligada ao agravamento de sua saúde, que continua sendo segredo de Estado. Curiosamente, a atividade dos blogueiros independentes não parou e não há registros de ações repressivas contra eles. O movimento se fortalece a cada dia, e seu prestígio se consolida dentro e fora da ilha. São cada vez mais frequentes na Internet os vídeos que captam atos incomuns de foros e protestos cívicos, onde uma sociedade civil emergente, integrada principalmente por jovens, medita sobre a crise e formula críticas abrangentes e fulminantes ao sistema e governo cubanos. A conclusão poderia ser que o governo teme mais os efeitos de um protesto espontâneo de rua sobre uma população desencantada e desesperada do que as crônicas dos blogueiros, as notícias dos jornalistas ou as críticas de círculos de intelectuais: todas ecoam principalmente no exterior através da Web, mas carecem de repercussão nacional imediata. As lições da Tunísia, Egito, Líbia e Síria alertaram o governo cubano e explicam seu empenho em não abandonar as ruas nas mãos do “inimigo”. Tenta-se, muito mais do que no passado, limitar ou impedir o acesso da população aos canais alternativos de informação.

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