Argentina

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Os últimos seis meses não foram um período agradável para o exercício do jornalismo. Um conjunto de leis, medidas judiciais, resoluções governamentais, atitudes e discursos públicos gerou um terreno pouco fértil para a liberdade de expressão e o diálogo. As conferências de imprensa foram expulsas do cenário político argentino. Os funcionários se limitam a conceder entrevistas à mídia alinhada ao governo ou a fazer exposições em atos públicos ou perante jornalistas aos quais não se permite fazer perguntas. Motivados pelas declarações do Chefe de Gabinete, Juan Manuel Abal Medina, de que os funcionários não davam conferências de imprensa ou falavam pouco porque estavam “trabalhando todos os dias para melhorar a vida dos argentinos”, mais de uma centena de jornalistas firmou um documento que questiona o fechamento das comunicações do governo com o jornalismo independente. As respostas dos governistas a muitas das investigações ou questionamentos jornalísticos costumam ser ofensas, o descrédito ou a sugestão de teorias conspiratórias. A interpelação ao poder e a prestação de contas ficam assim impedidas ou são desvirtuadas. Por outro lado, a sanção de uma lei de acesso às informações públicas continua sendo uma questão pendente. Além destas restrições, existem as ameaças de multas, apoiadas em uma interpretação forçada da Lei de lealdade comercial, contra as consultorias econômicas que divulguem índices de inflação distintos dos que surgem nas estatísticas oficiais. Apesar de uma sentença da Corte Suprema de Justiça da Nação estabelecendo que não se pode utilizar a publicidade oficial de modo discriminatório, estes fundos públicos continuam sendo distribuídos de maneira arbitrária. Não há nenhuma relação razoável entre os níveis de audiência da mídia e os volumes de publicidade que recebem do Estado. O principal canal argentino de televisão aberta recebeu em 2011 apenas 0,4% do total de publicidade estatal, enquanto seu principal concorrente teve um percentual quase cem vezes superior. Um grupo editorial do interior do país teve um incremento de mais de 900%, entre 2010 e 2011, referente à publicidade proveniente do Estado. Na cidade de Buenos Aires, houve diários que cresceram, neste último ano, entre 40 e 270% no recebimento de anúncios do governo, enquanto os diários de maior circulação apresentaram índices negativos. Perfil, o terceiro grupo editorial da Argentina em volume, que recebeu 2,1 milhões de pesos em 2010 passou para 386.000 em 2011, embora a Corte Suprema de Justiça tenha determinado o recebimento de um tratamento equitativo na publicidade por parte do Governo. Ao uso arbitrário da pauta de publicidade oficial deve-se somar o emprego de fundos públicos em programas que visam o proselitismo. A partir da estatização das transmissões de futebol em 2009, estima-se que foram gastos cerca de 3 bilhões de pesos no programa “Futebol para todos”. A única publicidade que existe nessas transmissões é a estatal. Em 2012, através de um contrato de 380 milhões de pesos por quatro anos, levou-se a cabo uma estatização semelhante das transmissões das competições automobilísticas. Em dezembro do ano passado, foi sancionada a Lei 26.736, que permite regular a produção, comercialização e importação de papel para os diários. A lei habilita um intervencionismo estatal que registra antecedentes duvidosos para a liberdade de imprensa. A principal garantia para o abastecimento deste insumo consiste em manter a liberdade de importação, sem quotas, obstáculos ou tributos, já que o condicionamento do acesso ao papel afeta a função da imprensa em uma democracia. A lei estabelece que Papel Prensa, uma sociedade anônima formada pelos diários Clarín, La Nación e em percentual minoritário pelo Estado nacional, deverá operar no máximo de sua capacidade operacional ou no nível da demanda interna de papel. Como a primeira é inferior à segunda, a norma jurídica exige a implantação de um plano para cobrir todo o consumo nacional. Se o Estado aportar os recursos necessários para este objetivo em uma porcentagem proporcionalmente superior à dos acionistas privados, os direitos políticos derivados desse incremento serão exercidos por uma comissão, coordenada pelo Ministério da Economia, que deverá incluir representantes dos diários de cada província e da cidade de Buenos Aires (excluindo os vinculados aos acionistas privados), representantes de organizações representativas de usuários e consumidores e representantes dos trabalhadores. A autoridade encarregada de aplicação da lei poderá impor sanções e controlar as importações de papel. O governo continua perseguindo os executivos do Clarín e do La Nación, Héctor Magnetto e Bartolomé Mitre, com acusações de lesa humanidade que não puderam ser aprovadas pela justiça. Na mesma semana em que se sancionou a lei do papel, registraram-se duas medidas preocupantes. A empresa Cablevisión, que pertence ao Grupo Clarín, sofreu uma batida policial por ordem de um juiz sem a devida competência. O diário La Nación, por seu lado, sofreu um arresto geral dos bens por uma dívida não exigível. Nesses mesmos dias, foi sancionada a denominada “lei antiterrorista”, norma que o titular da Unidade de Informação Financeira considerou aplicável à mídia. No interior do país, dois jornalistas foram ameaçados pela publicação de notas sobre o narcotráfico em suas cidades. Omar Bello, diretor de La Verdad, de Junín, recebeu mensagens ameaçadoras relacionadas aos artigos que publicou. Em novembro de 2011, a rotativa e o sistema elétrico da instalação de impressão do diário foram danificados por um incêndio intencional ateado por desconhecidos. Por seu lado, Hernán Lascano, chefe da seção policial do diário La Capital, de Rosário, recebeu e-mails e uma carta anônima com uma advertência, extensiva à sua família nos primeiros meses de 2012. Vários jornalistas sofreram agressões nestes últimos meses. Jorge Lanata e Magdalena Ruiz Guiñazú foram alvo de insultos e pedradas durante uma palestra sobre o papel do jornalismo, realizada em 3 de novembro passado, por ocasião do congresso anual do Fopea (Foro de Jornalismo Argentino). Em 4 de novembro, Luis Kempa e Mario Ruarte, jornalistas do diário La Voz del Interior e do Canal 10 respectivamente, foram agredidos fisicamente na cidade de Córdoba, quando cobriam uma marcha do Sindicato de Funcionários Públicos. Em janeiro de 2012, Cristian Acuña, correspondente de La Arena, foi ameaçado ao telefone pela esposa do vice-prefeito da localidade de Victorica e agredido fisicamente por seu filho, por causa de notas publicadas no diário pampeiroo. Uma equipe jornalística do CQC (Canal América, Buenos Aires) foi expulsa a pancadas, por funcionários da municipalidade de Pinamar, de uma pracinha onde ocorria um ato público, enquanto os jornalistas tentavam entrevistar o prefeito dessa cidade. A presidente Cristina de Kirchner chamou de nazistas e antisemitas os jornalistas Carlos Pagni, do La Nación, e Osvaldo Pepe, do Clarín, por opiniões contra organizações do governo. Em outubro de 2011, houve eleições presidenciais na Argentina e estas configuraram um mapa político com um partidarismo governamental nutrido por um amplo respaldo popular e uma oposição fragmentada e diluída. Em um contexto como este, a liberdade de imprensa, sempre imprescindível para o equilíbrio republicano e a legitimidade democrática, desempenha um papel relevante.

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